Capítulo 16: Por Um Minuto.
Capítulo 16: Por Um Minuto.
A noite estava pesada, carregada com o eco das palavras de Joaquim. Ele estava com medo e eu havia visto isso em seus olhos, medo de mim, medo do que a gente era, ou poderia ser. A ideia de que ele achava que podia estragar minha vida com esse "algo" que tínhamos - ou não tínhamos - me deixava louco e um pouco magoado, confesso. Como se ele fosse capaz de estragar qualquer coisa. Minha vida já estava uma merda a tempos. Desde a faculdade que eu tranquei porque não me encaixava até as constantes discussões com meu pai sobre futuro, esse capataz ranzinza foi a melhor coisa que me aconteceu em tempos, e agora sou capaz de admitir.
Depois da discussão, fiquei um tempo sozinho na sala de estar da casa grande. Tentando esfriar a cabeça, minha mente vagou longe e eu tentei pensar em qualquer coisa que não fosse nossa discussão no celeiro, mas não adiantou. Cada palavra que ele disse ficava se repetindo na minha mente, como um redemoinho cheio de folhas e coisas não resolvidas. Ele queria manter distância, mas eu sabia que era só porque ele tinha medo de sentir. Medo de ser, de sair do padrão. E eu também estava com um medo do caralho, mas sempre fui inconsequente demais para seguir algum bom senso.
Não consegui me segurar. Fui atrás dele pouco mais de duas horas depois. Fora da casa estava frio e eu queria chorar de medo e de nervosismo, o vento que antecedia aquela chuva não era nada se comparado à confusão dentro de mim. Nem mesmo percebi que andei até estar parado de frente à horta bonita da casa dele...
Joaquim estava sentado na varanda, os cotovelos apoiados nas coxas grossas e o rosto escondido entre as mãos grandes. Ele parecia cansado, eu sentia isso só de olhar a postura dele... Era algo que eu sentia também.
- Você acha mesmo que vai estragar a minha vida? - perguntei, a voz mais dura do que eu pretendia.
Ele levantou a cabeça devagar, os olhos escuros refletindo a pouca luz que vinha da lâmpada amarela e rodeada por bichinhos voadores acima de si.
- Eu não acho. Eu sei. - A voz dele era baixa, quase um sussurro, mas o peso dela me atingiu em cheio. A amargura no tom dele doía.
- E desde quando você decide o que é bom ou ruim pra mim? - retruquei, dando um passo mais perto. - Eu não sou criança, Joaquim. Não preciso que você me proteja de mim mesmo!
- Gabriel, eu só quero evitar que você se arrependa! Será que é tão difícil entender?! - Ele olhou pra mim, o rosto endurecido, mas os olhos não mentiam. Tinha medo ali, mas não era só por mim. Era por ele também.
- Eu nunca vou me arrepender. - Minha voz saiu firme, quase cortante. - O que eu vou me arrepender é de não tentar.
Ele se levantou, alto, imponente, mas parecia vulnerável de um jeito que eu nunca tinha visto antes.
- Você não entende... - começou, mas eu já estava perto demais.
- Então me explica. - Aproximei ainda mais, o coração batendo tão rápido que parecia que ia pular do peito. - Ou melhor... Só cala essa boca, velhote.
E antes que ele dissesse mais alguma coisa, eu fiz o que queria fazer desde o momento em que comecei a perceber o que sentia por ele. Agarrei sua camisa surrada com as duas mãos e o puxei pra mim.
O choque do contato foi como um raio atravessando meu corpo. Os lábios dele eram quentes, macios, e cederam ao toque dos meus com uma leve hesitação, como se ele ainda tentasse lutar contra o inevitável. Mas, quando ele finalmente se entregou, a pressão aumentou, e o beijo ficou mais intenso, mais molhado.
A textura dos lábios dele era um contraste perfeito - firme, mas suave. O gosto era um misto de tabaco e algo que era só dele, único, viciante. Quando sua mão grande subiu até meu rosto, o polegar roçando minha pele de leve, eu senti um arrepio correr pela espinha.
Eu o puxei ainda mais pra perto, até sentir o calor do corpo dele contra o meu. Joaquim soltou um som baixo, um grunhido rouco que parecia escapar contra a própria vontade, e aquilo me incendiou por dentro. A gente se segurava como se o mundo estivesse prestes a acabar, como se aquele momento fosse tudo o que tínhamos.
Por um minuto, só existíamos nós dois num vasto universo de calor e ternura.
Do fundo da minha eu soube, nunca tinha pertencido a ninguém dessa forma. Eu era dele e Joaquim era meu, nenhuma mentira que saísse de seus lábios poderia se sobrepor à essa intensidade tão louca com que ele me beijou.
Quando nos afastamos, ofegantes, os olhos dele estavam fixos nos meus. Não precisava de palavra nenhuma ali. O que quer que ele tivesse medo de admitir, eu já sabia. E, pela primeira vez, parecia que ele também sabia.
Naquele instante, só o silêncio nos envolvia, quebrado apenas pela nossa respiração ofegante. Joaquim ainda tinha uma expressão confusa no rosto, como se estivesse lutando contra tudo o que sentia. Mas eu não ia deixar ele se afastar de novo.
- Não foge de mim, Joaquim...- Minha voz saiu baixa, um pedido tão profundamente desesperado.
Ele suspirou, os ombros tensos, mas não disse nada. Então eu fiz o único movimento que parecia certo. Voltei a beijá-lo, com mais calma dessa vez, mas ainda com a mesma intensidade. Seus lábios se abriram contra os meus, quentes e macios, e ele me puxou para mais perto, sua mão firme segurando minha cintura como se eu pudesse desaparecer se ele afrouxasse o toque.
Quando o beijo se aprofundou, perdi a noção do tempo. A barba dele roçava levemente no meu rosto, e a sensação me deixava arrepiado. Sua língua tocava a minha, molhada e provocante, num ritmo que fazia meu corpo inteiro reagir. Um calor crescente se espalhava por nossos corpos tão juntos, mas eu sabia que ele também estava lutando para manter o controle.
Sem perceber como, acabei empurrando ele de leve até que se sentasse na cadeira de madeira da varanda. Quando Joaquim se acomodou, as mãos ainda firmes na minha cintura, eu me movi sem pensar, sentando no colo dele. Meu corpo se ajustou ao dele de forma natural, como se aquele fosse o lugar certo para eu estar.
- Gabriel... - Ele começou, mas eu calei qualquer protesto com outro beijo, lento, profundo, deixando claro que não havia espaço para mais dúvidas entre nós. O beijaria mais um milhão de vezes se necessário, até ele entender que eu não iria desistir.
Ele me abraçou com força, os braços fortes me envolvendo completamente. Eu senti seu peito subir e descer rápido contra o meu, cada movimento dele era um contraste entre força e cuidado. Meu coração batia descompassado, e eu sabia que o dele também, eu podia sentir.
Estar tão perto, sentir o calor do corpo dele junto ao meu, o jeito como nossas respirações se misturavam - era quase demais. Por um instante, o desejo parecia tomar conta, mas, como se sentisse isso também, Joaquim afrouxou o aperto, descansando a testa na minha.
- A gente precisa parar... - Ele sussurrou, a voz rouca. Os volumes em nossas calças pressionados juntos por cima dos tecidos, eram um bom sinal de alerta.
Eu fiquei ali, no colo dele, ainda sem sair do abraço, sentindo o calor que emanava do corpo dele. Meu rosto descansava no ombro largo, e suas mãos continuavam firmes em mim, como se estivesse tentando se convencer também de que parar era a escolha certa.
- Não quero ir pra cama com você agora, Joaquim. - Minha voz saiu baixa, mas carregada de sinceridade. - Eu só quero ficar aqui. Assim...
Ele soltou um suspiro pesado, a respiração quente tinha cheiro de cigarro contra meu cabelo, e me abraçou mais forte. Ficamos ali, os dois tentando se segurar, tentando não deixar o desejo nos consumir. Mas, no fundo, eu sabia que aquele momento era maior que qualquer coisa física.
Era sobre assumir aquele risco, sobre a coragem de amar alguém de forma tão sincera.
Joaquim ainda estava com a testa encostada na minha, as mãos mornas fazendo carinho na minha cintura, quando o silêncio foi quebrado pela pergunta que eu vinha evitando.
- E o casamento? - A voz dele era baixa, quase um sussurro, mas o peso nas palavras era inegável.
Eu estremeci, não pelo frio daquela noite, mas pelo desconforto que aquele assunto trazia. Me afastei só o suficiente para poder olhar nos olhos dele, e o vi franzir a testa, a expressão de preocupação evidente.
- Não vai acontecer, Joaquim. - Minha voz soou firme, mas o nó na minha garganta dizia o contrário. - Não pode acontecer...
Ele suspirou e desviou o olhar para o lado, minha firmeza esmoreceu aos poucos.
- Teu pai não é homem de aceitar um "não" assim tão fácil, Gabriel. E se ele te obrigar?
A pergunta ficou pairando no ar entre nós, pesada como um muro que eu não sabia como derrubar.
- Ele pode tentar... - Respondi, sentindo a raiva crescer junto com o medo. - Mas eu não vou me casar com alguém que eu não amo. Com uma mulher que eu nem conheço direito!
Joaquim voltou a me encarar, seus olhos escuros cravados nos meus. Ele parecia estar tentando medir minhas palavras, meu tom, mas também tinha um olhar preocupado.
- Gabriel, tu é teimoso, isso eu sei... - Ele começou, pausando por um momento, como se estivesse escolhendo as próximas palavras com cuidado. - Mas não quero te ver sofrer. Não quero que teu pai te machuque por causa disso.
Senti meu peito apertar. Joaquim não sabia, mas aquela preocupação dele só fazia tudo parecer ainda mais difícil. Meus olhos arderam, e eu senti o peso da situação me atingir de novo como um soco no estômago.
- Joaquim, por favor... - Minha voz quebrou, baixa, quase um sussurro. - Não deixa ele me obrigar a isso.
Me encolhi no abraço dele, finalmente admitindo o quanto estava assustado, meu rosto enterrado no espaço entre o ombro e o pescoço. O cheiro dele, um pouco de suor e aquele perfume barato que eu não sabia o nome, era a única coisa que parecia me manter de pé. Suas mãos subiram, uma delas se aninhando na base da minha nuca enquanto a outra me segurava firme contra ele.
- Não vou deixar, Gabriel. - Ele respondeu depois de um momento, a voz carregada de convicção. - Eu prometo que não vou deixar ninguém te obrigar a fazer nada que tu não queira.
Ter algo sólido para me agarrar, alguém que não ia me soltar. Isso me confortou tanto.
- Obrigado... - Murmurei, minha voz abafada contra a pele dele.
E ali, encolhido no colo de Joaquim, no meio da noite, eu tive a certeza final de que estava completamente apaixonado por um homem, e de que esse homem difícil e cheio de nuances e caprichos brutos... Sente o mesmo.
XXX
Estava difícil dizer "não" para Gabriel naquela noite. Ele estava tão triste, tão pequeno e com medo do pai ali no meu colo, que qualquer coisa que ele pedisse, por mais besta que fosse, eu acabava cedendo. Foi por isso que agora estávamos sentados à mesa, cada um com um prato de miojo de tomate na frente, porque ele insistiu que eu fizesse.
- Faz só dessa vez pra mim, Joaquim... Eu sei que não é saudável, mas faz, por favor...- Ele tinha pedido, com os olhos baixos e a voz fraca. Como é que eu ia negar?
A cozinha estava quente com o vapor do fogão, e eu só observava enquanto ele comia, o rosto ainda carregado de tristeza.
- Tá bom assim? - perguntei, mais pra tentar quebrar o silêncio do que pra ouvir resposta.
- Tá. - Ele respondeu com um sorriso pequeno, sem me olhar.
Depois que terminamos de comer, ele ficou parado, meio sem jeito, até que eu sugeri que ele tomasse um banho.
- Vai, Gabriel. Te faz bem relaxar um pouco antes de deitar.
Ele foi sem dizer nada, separei uma roupa limpa e deixei perto da porta do banheiro. Enquanto eu arrumava a cozinha, ouvi o barulho da água correndo nos azulejos. Só que depois de um tempo, ele apareceu na sala usando uma camisa minha. E meu Deus do céu, aquela visão quase me tirou do chão.
A camisa era enorme nele, batia no meio das coxas branquinhas, deixando ele ainda mais magro, mais delicado... Ele riu sem graça.
- Tua roupa é grande demais pra mim, velhote... Mas você também tem quase dois metros de altura! - Disse, puxando a gola que quase escorregava pelo ombro.
- Pois é, mas é o que tem, né? - Respondi rápido, desviando o olhar antes que ele notasse o quanto aquela cena mexia comigo. Não sei era uma boa ideia deixar esse menino dormir aqui, mas não tive coragem de mandar ele ir pra casa.
XXX
Quando a noite finalmente caiu de vez, a temperatura despencou. Estávamos deitados na cama, lado a lado, e o frio foi o que nos empurrou um pro outro. Primeiro, ele chegou mais perto. Depois, foi passando o braço pela minha cintura, se ajeitando até colar o corpo no meu. Eu não reclamei. Segurei ele firme contra mim e fechei os olhos, tentando esquecer a confusão toda na minha cabeça.
Acordei no meio da noite com um movimento. Gabriel estava se mexendo ao meu lado, como se tivesse um sonho agitado.
- Ei, guri... - murmurei, sem abrir os olhos direito, mas o som que veio a seguir me congelou. Ele gemeu, baixinho, um som rouco que foi direto pra minha barriga, descendo ainda mais.
Abri os olhos de vez, e mesmo no escuro consegui ver o rosto dele. Todo vermelho, a respiração pesada escapando pelos lábios entreabertos. Meu coração disparou, e por um momento, só fiquei ali, olhando, sem saber o que fazer.
- Gabriel...! - sussurrei de novo, bravo, mas ele não acordou.
Era só um sonho. Um sonho... quente, pelo visto. Tentei me acalmar, mas era impossível não notar o calor subindo pelo meu corpo também. Suspirei baixo, fechei os olhos e tentei me afastar dele, mas ele segurou minha camisa, puxando de leve, como se quisesse que eu ficasse.
Acabei cedendo. Passei o braço ao redor dele de novo, encostando o rosto no cabelo macio.
- Tu vai me matar, guri. - Murmurei pra ninguém ouvir, tentando ignorar a excitação enquanto o sono voltava aos poucos.
XXX
Acordei com a luz da manhã entrando pela janela e o cheiro de cigarro e sabonete ao meu redor. Demorei uns segundos para lembrar onde estava. A casa de Joaquim. Minha cabeça ainda estava pesada, como se eu tivesse mergulhado em um sono profundo demais.
Virei o rosto de lado e vi ele ali, dormindo tranquilamente. O braço pesado ainda estava ao meu redor, e eu me senti protegido, seguro. Só que, de repente, algo me incomodou. Um desconforto quente e úmido entre as pernas que eu demorei mais um pouco para entender.
Úmido demais, olhei para baixo e encontrei minha cueca claramente encharcada. Quando finalmente me toquei, senti o sangue subir direto pro rosto.
Não. Não, não, não...!
Quase prendi a respiração enquanto me mexia devagar, tentando sair dos braços dele sem acordá-lo. Olhei para ele de relance - ainda dormindo, graças a Deus. A vergonha estava me consumindo. Eu sabia exatamente o que tinha acontecido.
O sonho da noite passada me veio à cabeça, fragmentos dele, sensações que me deixaram ainda mais vermelho. Meu coração estava disparado, e a única coisa que consegui pensar foi: "Não acredito que sou gay o suficiente pra gozar literalmente dormindo com um homem pela primeira vez!"
Me levantei da cama tão rápido quanto consegui sem fazer barulho, peguei uma toalha que Joaquim tinha deixado por perto e corri pro banheiro. Assim que fechei a porta, me encostei nela, respirando fundo.
Olhei pra mim mesmo no espelho. Meu cabelo estava bagunçado, meu rosto ainda quente de vergonha. Baixei o olhar para a camisa larga de Joaquim que eu ainda estava usando, suja também, e balancei a cabeça.
- Pelo amor de Deus, Gabriel...! - sussurrei pra mim mesmo, tirando a roupa de uma vez e entrando debaixo da água fria.
Tentei não pensar demais no que tinha acontecido, mas era impossível. A cada vez que fechava os olhos, flashes do sonho voltavam, e meu constrangimento só aumentava. Lavei tudo rapidamente, querendo apagar qualquer rastro do que tinha acontecido.
Quando saí do banho, vesti outra camisa de Joaquim que estava no banheiro e a minha calça de ontem. A camiseta verde era tão grande quanto a anterior, mas não tinha muito o que fazer. Passei as mãos pelo cabelo molhado, respirei fundo e decidi que precisava fazer alguma coisa pra me distrair.
Na cozinha comecei a mexer nas coisas, tentando fazer café e... bem, panquecas. Não era lá o meu forte, mas eu queria compensar de algum jeito. Só que o resultado foi um tanto desastroso.
O café ficou forte demais, e as panquecas... bom, algumas estavam queimadas. Outras meio cruas.
Enquanto empilhava as panquecas tortas num prato, ouvi os passos de Joaquim atrás de mim. Meu coração pulou, e quando me virei, lá estava ele, com o cabelo bagunçado e aquele olhar ainda meio sonolento.
- Bom dia... - murmurei, tentando parecer casual, mas minha voz saiu mais aguda do que eu esperava.
Ele olhou pra mesa, depois pra mim, e abriu um sorriso de lado.
- O que tá tentando fazer, garoto? Incendiar minha cozinha?
Joaquim se aproximou do fogão, a voz rouca de sono e o jeito preguiçoso de quem ainda não tinha acordado direito. Ele não estava usando camisa, e eu só consegui pensar no quanto ele parecia... enorme. Quase dois metros de altura, o corpo musculoso que o trabalho na fazenda tinha esculpido, queimado pelo sol, com o peito largo salpicado de pelos escuros que desciam suavemente até o cós da calça.
Eu senti o rosto esquentar de novo. Não dava pra controlar. Inferno de peão gostoso.
- Panquecas? - ele perguntou, erguendo uma sobrancelha, um sorriso de canto brincando nos lábios.
- Queria fazer café da manhã... - murmurei, tentando me concentrar nas panquecas deformadas no prato e não nele. - Não deu muito certo.
Ele riu baixinho, aquela risada grave que parecia vibrar no peito dele e, de alguma forma, no meu também.
- Tá valendo o esforço, guri - disse, mas tinha alguma coisa no tom dele, algo brincalhão, como se ele estivesse planejando alguma coisa.
Antes que eu pudesse responder, senti as mãos dele nos meus ombros. Ele se inclinou por trás de mim, com aquele corpo quente e imponente encostando de leve no meu. Eu congelei.
- Deixa eu te ajudar, vai... - ele disse, a voz ainda rouca, e alcançou a frigideira na minha frente.
Eu não conseguia pensar direito. O calor dele contra minhas costas, o braço forte passando ao meu lado... e aquele cheiro dele. Minhas mãos começaram a suar, e eu torci pra ele não perceber o efeito que estava tendo em mim.
- S-só... só toma cuidado pra não queimar de novo - gaguejei, tentando soar casual.
Ele riu, mas foi um riso baixo, carregado de algo que me deixou ainda mais quente.
- Que jeito, Gabriel...? Tu anda me queimando é o juízo desde ontem. - Ele inclinou a cabeça, o queixo quase encostando no meu ombro. - E olha... se continuar me provocando assim, vai ter que assumir a responsabilidade, viu?
Meu coração disparou. Senti meu rosto ficar ainda mais quente, como se fosse explodir.
- Eu... eu não tô te provocando - murmurei, a voz saindo baixa demais.
Ele virou o rosto um pouco, e senti a respiração dele contra o meu pescoço.
- Não tá? - perguntou, num tom que parecia brincar, mas tinha uma intensidade que me fez engolir seco. - Então me explica, o que foi aquele sonho teu de ontem à noite, hein...?
Quase derrubei a espátula da mão.
Ele sabe. Meu Deus, ele sabe...!
Minha mente girava em pânico. Eu queria responder, negar, qualquer coisa, mas as palavras simplesmente não saíam.
Ele deu uma última risada baixa e se afastou um pouco, mas não antes de apertar levemente meus ombros, como quem diz: "Pensei que fosse mais corajoso que isso, guri."
Fiquei ali, parado, sentindo o calor dele ainda em mim, a respiração entrecortada enquanto ele virava as panquecas como se nada tivesse acontecido.
Enquanto tomávamos café, meu coração parecia maior dentro do peito. A mesa era simples, a comida um pouco queimada, mas estar ali, sentado com Joaquim, parecia tão... íntimo. Ele mastigava devagar, o olhar meio distraído enquanto bebia o café, e eu ficava me perguntando como podia me sentir tão envergonhado e tão feliz ao mesmo tempo.
Era quase como se fôssemos... algo. Um casal. A ideia me fazia sorrir, mesmo que fosse um pouco idiota. Nunca tinha experimentado algo assim antes, e a sensação de estar perto dele, sem medo, sem segredos, fazia tudo parecer mais fácil, mais bonito.
- O que foi? - ele perguntou, quebrando o silêncio, me olhando com aquela expressão calma, mas cheia de intenção.
- Nada - menti, enfiando um pedaço de panqueca na boca pra não precisar dizer que só estava feliz por estar ali com ele.
Ele deu um meio sorriso, o tipo que fazia meu peito esquentar mais, mas não insistiu. Terminamos o café, conversando sobre coisas leves, e fiquei olhando enquanto ele arrumava a cozinha, movimentando-se com aquela naturalidade meio rude que só ele tinha.
- Sabe... hoje é sábado - comentei, mais pra me ouvir do que qualquer outra coisa.
- Sei. E sábado é dia de fazer a compra da semana pra fazenda - ele respondeu, sem tirar os olhos da louça que lavava. - Clarice já fez a lista. Vou pra Itauçu daqui a pouco.
- Posso ir junto? - perguntei, quase sem pensar.
Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso, mas logo deu de ombros.
- Se quiser, não vou te impedir.
Fiquei mais animado do que devia e fui correndo pra minha casa me arrumar. Escolhi uma roupa simples - calça preta, uma camiseta polo azul e tênis branco -, mas que parecia ajeitada o suficiente, e voltei pra varanda dele. Joaquim já estava pronto, com um jeans surrado, camisa de botão branca e aberta no peito e o inseparável chapéu na cabeça. Ele segurava a lista que Clarice tinha feito, conferindo com a paciência de sempre, enquanto mascava um pedaço de palha.
- Tô pronto! - anunciei, tentando soar casual.
Ele me olhou de cima a baixo, os olhos demorando um pouco mais do que o normal antes de ele simplesmente balançar a cabeça.
- Bora, então, pirralho. Se apressa que o mercado vai tá cheio, e eu não tenho tempo igual aquele povo.
Eu segui atrás dele, o coração meio bobo, mas não me importava. Mesmo com as provocações e o jeito bronco, Joaquim estava me deixando fazer parte de algo. E, naquele momento, isso era tudo que eu precisava.
Entramos na caminhonete velha da fazenda, e Joaquim assumiu o volante. Eu, ao lado, tentava não olhar demais para ele, mas era difícil. A camisa dele estava levemente aberta no peito, e cada movimento que ele fazia parecia destacar ainda mais o corpo dele, forte e distante demais para o meu gosto. Eu sabia que era errado pensar assim, mas Joaquim me atraía cada vez mais.
O caminho até Itauçu foi tranquilo. Joaquim ligou o rádio e deixou tocando uma rádio de sertanejo antigo, e eu fiquei olhando pela janela, tentando me distrair com a paisagem. Às vezes, ele soltava algum comentário sobre o tempo ou sobre as coisas que precisávamos comprar, e eu respondia, mas a maior parte da viagem foi em silêncio.
Quando chegamos ao mercado, Joaquim estacionou a caminhonete e pegou a lista no bolso.
- Vou pegar o carrinho. Se quiser ir pegando as coisas, tá tudo aqui - ele disse, me entregando a folha.
Peguei a lista e olhei para ela, tentando me concentrar, eu nunca havia me dado ao trabalho de fazer compras de mercado assim. Joaquim foi andando à frente, o chapéu balançando com o movimento dos passos largos, e eu me apressei para acompanhá-lo.
- Vamos dividir as coisas? Você pega óleo e leite, e eu as carnes? - sugeri.
- Pode ser. Mas não demora muito, Gabriel. Não quero passar o dia todo aqui.
Tirei uma foto da lista e fui para o açougue, a fila foi uma tortura, mas consegui sobreviver. Enquanto escolhia os cortes, fiquei pensando no quanto aquele momento parecia normal. Era só uma compra de mercado, mas estar ali com Joaquim me fazia sentir que eu fazia parte de alguma coisa maior. Mais uma vez aquela sensação gostosa de que pareciamos um casal de verdade.
Quando terminei, o encontrei perto da seção de grãos, conferindo os preços. Ele estava com metade do carrinho quase cheia, empilhando pacotes de arroz e feijão. Coloquei aquele monte de carne gelada lá dentro e limpei as mãos na calça.
- Pegou tudo? - ele perguntou, sem nem olhar pra mim.
- Tudo sim. Você é sempre assim tão eficiente?
Ele deu um sorriso de canto, sem responder. Era como se aquele sorrisinho dissesse tudo que ele achava.
Era sábado, então o lugar estava cheio, o que só tornava o passeio mais interessante pra mim. Joaquim já parecia acostumado com aquela rotina; ele foi pegar açúcar me entregou a lista.
- Tá aqui, ajuda a lembrar. Se bem que você já deve ter decorado metade, de tanto fuçar - ele disse, com aquele sorriso de canto que fazia meu coração bater mais forte.
- Vou provar que sou útil! - falei, tentando parecer confiante.
Quando terminou com os grãos, Joaquim foi para a seção de produtos de limpeza. Enquanto ele analisava calmamente os preços do sabão em pó e amaciante, eu me distraí com as prateleiras de esponjas coloridas.
- Isso aqui é bom? - perguntei, segurando uma esponja com formato de flor.
- É pra lavar louça, não pra enfeitar. Pega a normal, Gabriel - ele resmungou, mas tinha um brilho divertido nos olhos.
Fomos passando de corredor em corredor. Pegamos enlatados, macarrão, e Joaquim me deixou escolher os temperos. Eu exagerei um pouco, colocando até páprica defumada e açafrão, mas alguns deles iria extraviar pra minha casa, já que íamos pagar com o cartão do meu pai.
- Que foi? Quero aprender a fazer coisa diferente. Não dá pra viver de arroz com sal só - expliquei, recebendo um olhar que parecia dizer "é você quem vai cozinhar, então".
Na parte de frutas e verduras, escolhemos laranjas, batatas, alho, cebolas e algumas outras coisas que não tínhamos na fazenda, como maçãs e uvas. Aproveitei pra pegar umas pitayas e peras também, porque Joaquim parecia esquecer que eu comia feito um passarinho e precisava de lanches.
Chegando nas panelas, eu não resisti. Na minha casa quase não tinha nada que prestasse. Peguei uma frigideira antiaderente, uma panela grande pra sopa e até um jogo de facas, que Joaquim olhou de soslaio.
- Vai abrir um restaurante, agora?
- Claro que não. Mas vai ser bom pra cozinhar algo mais decente. E olha isso aqui! - puxei um pequeno enfeite de cerâmica com formato de galo carijó. - Não é legal? Cocoricó, Joaquim!
- É inútil - ele riu, mas deixou no carrinho mesmo assim.
Depois, chegamos na parte dos doces. Meus olhos brilharam quando vi uma prateleira cheia de chocolates. Peguei uma barra recheada com amêndoa e olhei pra Joaquim.
- Posso? - perguntei, manhoso.
Ele suspirou, mas deu aquele sorriso de canto de novo.
- Só essa.
- E essa aqui? - peguei uma caixa de bombom também, rindo.
- Gabriel... - começou ele, mas não conseguiu terminar porque já estava rindo também.
Quando Joaquim se distraiu escolhendo café, aproveitei pra pegar dois preservativos com sabor e colocar no carrinho, disfarçando. Meu rosto ficou quente de vergonha, mas, ao mesmo tempo, achei meio engraçado. Seria uma surpresa no caixa.
No fim, o carrinho estava abarrotado. Quando Joaquim olhou o tamanho da compra, balançou a cabeça.
- Acho que você se empolgou.
- É tudo essencial! - rebati, segurando firme meu argumento.
Na fila do caixa, enquanto colocávamos tudo na esteira, ele viu os preservativos e parou. Pegou o pacote com a mão grande, levantou uma sobrancelha e me olhou.
- Tá planejando alguma coisa, Gabriel?
Eu engasguei com o ar.
- N-não... Foi só... prevenção, sabe?
Ele riu baixo, um som rouco que me fez arrepiar.
- Você não presta mesmo.
Depois de pagar, carregamos tudo pra caminhonete. Joaquim organizava as sacolas com cuidado, enquanto eu ajudava do meu jeito - ou atrapalhava, dependendo de como ele via. No caminho de volta, ele ligou o rádio de novo e me olhou de soslaio.
- Você tem jeito pra isso, pirralho. Parece até que tá casado comigo, escolhendo panela e chocolate.
Fiquei em silêncio por uns segundos, sentindo meu coração disparar. Não era uma provocação comum; era mais suave, mais carinhosa. E, por mais que fosse brincadeira, aquilo me deixou feliz. Era bom imaginar que, por algumas horas, éramos mesmo casados.
XXX
Quase uma hora se passou, o som do rádio preenchia o silêncio do carro enquanto Joaquim dirigia de volta para a fazenda. O sol brilhava forte lá fora, mas dentro do carro o ar estava pesado, como se algo não resolvido pairasse entre nós. Depois de um tempo, ele quebrou o silêncio.
- Gabriel. - A voz dele soou firme, mas com um tom que denunciava a seriedade do que vinha a seguir. - Sobre o que você colocou no carrinho lá no mercado...
Meu rosto esquentou na hora, e eu engoli em seco, sem conseguir olhar pra ele.
- O quê que tem? - murmurei, fingindo interesse no cenário pela janela.
- Tô falando dos preservativos. Você tá pensando nisso de verdade? Em nós dois... fazendo sexo?
Fiquei quieto, tentando organizar a bagunça que a pergunta fez na minha cabeça. Joaquim suspirou, desviando os olhos da estrada por um segundo pra me encarar.
- Olha, Gabriel, não tô te julgando nem nada. Só quero saber se você tem certeza disso. A gente não sabe o que tá fazendo. Dois homens... nenhum de nós tem experiência com isso. E, sei lá, você pode acabar se arrependendo depois.
Aquilo doeu um pouco. Não porque ele tivesse errado, mas porque ele sempre parecia tão cauteloso com tudo entre nós. Ainda assim, a preocupação no tom dele era genuína, e isso me fez querer ser honesto também.
- Eu... - comecei, mas minha voz falhou. Respirei fundo e tentei de novo. - Eu penso nisso, sim. Faz um tempo já.
Joaquim ficou em silêncio, esperando que eu continuasse.
- É que... - continuei, mexendo nervosamente na barra da camiseta. - Eu não consigo sentir vontade de fazer isso com mais ninguém desde que te conheci, sabe? Não tem outra pessoa que me faça querer. Só você.
Ele apertou os lábios, absorvendo minhas palavras, mas não disse nada. Então, criei coragem pra falar o resto.
- E, tipo, aquele beijo ontem... foi um dos melhores da minha vida. Não sei explicar, mas foi diferente. Não foi só porque você beija bem - ri sem graça, tentando aliviar minha vergonha. - Foi porque era você.
Joaquim suspirou, apertando um pouco mais o volante.
- Eu não quero te magoar, Gabriel. Não quero que você se machuque comigo ou que a gente faça algo que você não esteja pronto pra lidar depois.
- Eu sei - respondi, baixinho, olhando pra ele de lado. - Mas... eu tô pensando nisso. Quero que seja com você. Não me sinto assim com ninguém mais, Joaquim.
Ele não respondeu de imediato, apenas continuou dirigindo, com uma expressão que eu não conseguia decifrar completamente. Quando ele finalmente falou, a voz dele saiu mais suave.
- Você é fogo, garoto...
Sorri de lado, tímido, mas o coração batendo forte. Eu sabia que aquilo não era um "sim" direto, mas também não era um "não". Era Joaquim sendo o homem de sempre: cuidadoso, protetor, preocupado comigo. E, naquele momento, eu não poderia pedir mais nada além disso.
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