XXVII - Menina do fogo
O domingo havia chegado e naquele dia completava uma semana sem energia elétrica. Hector já havia sugado o ânimo de todos os seus funcionários por aparecer no circo diariamente procurando por uma solução mágica onde não fosse preciso gastar seu precioso dinheiro. E a cada vez que orçamentos de geradores chegavam, mais gritos enfurecidos eram ouvidos.
Sempre que via o homem perambulando pelo terreno, Oscar se trancava em casa para não ter que aturá-lo. Isso fez com que ele e Olivia se vissem apenas durante as apresentações rápidas. Por conta da situação, os espetáculos daquela semana foram realizados durante o dia e o elenco se desdobrava para trazer público ao circo, já que metade de Windenburg e das cidades vizinhas trabalhavam em período integral.
Olivia viu também que desde o dia em que voltou de Whitby a paz reinava em seu lar. Ainda na quarta-feira, quando retornou para casa após esfriar a cabeça, David sentou com os filhos e quis saber o que houve com a ex-mulher. Sua filha falou tudo exatamente como Calvin contou e mesmo com uma lágrima aqui e outra ali, tanto seu irmão quanto seu pai conseguiram aceitar que Rosie não estava mais viva – e que mesmo se estivesse, não voltaria.
A relação de Adam com a irmã também caminhava a passos lentos. Naquela noite conversaram sobre lembranças da infância até que as velas se apagassem sozinhas e os impedissem de continuar a admirar a fotografia. Nos dias seguintes, se ajudavam dentro de casa mesmo quando Olivia brigava com o irmão por acabar com a água quente ou ele se irritava por ela tomar todo o café antes dele acordar.
Num trailer mais distante, Megan continuava trancando a porta com frequência, mas a cada vez que Olivia a questionava, ela desconversava. Sua melhor amiga desconfiava o que ela estava escondendo e já havia dito numa das conversas na coxia que a ruiva não tinha nada a esconder. O problema é que quem escondia não era ela.
– Tem certeza que tá tudo bem? – Olivia perguntou mais uma vez enquanto removia a maquiagem após a última apresentação antes do escurecer.
– Pela milésima vez, eu já disse que sim, Olivia! – Megan revirou os olhos e bufou.
– O que aconteceu com "Liv"? – Oscar perguntou enquanto guardava seus kettlebells e as duas assustaram com a presença repentina do rapaz.
– Ai Oscar, você também não começa!
A ruiva se levantou irritada e os dois estranharam quando ela saiu pisando duro sem nem se despedir. Megan seguiu até seu trailer reclamando sozinha e bateu a porta da mesma maneira que fazia quando era adolescente e queria mostrar para seus pais que estava de mau humor. Mal trocou de roupa quando o motivo de seu estresse entrou sem bater e se sentou no sofá.
– Pensei que você não viria mais aqui – Megan não conseguiu esconder a amargura na voz.
– E eu pensei que já tinha dado o tempo da sua raiva passar.
– Eu não estou com raiva, eu só... eu só não entendo – suspirou.
– Eu já te expliquei, eu não quero que ninguém saiba...
– Não é como se eu tivesse te pedido em casamento, eu só perguntei se podia contar pra Olivia.
– Meus pais moram aqui, Megan. Eles não sabem e... eu não sei se eles aceitariam. E se você contar pra ela e de alguma forma isso chegar neles?
– Eu não tenho mais idade e nem saco pra me esconder. Eu entendo você não querer, mas por favor, entenda também que eu não quero ter um relacionamento proibido. Eu já não vejo mais graça nesse tipo de coisa e nem tenho psicológico pra isso. Se for pra ser assim, eu prefiro não continuar o que mal começou antes que surja algum sentimento maior e alguém se machuque.
– Você tá certa. Então acaba aqui?
– Sim, Alice, acaba aqui.
Sem dizer mais nenhuma palavra, Alice se levantou com os olhos úmidos e foi até a porta. Deu uma última olhada para trás e mesmo com a penumbra que o cair da noite trazia para dentro do trailer viu a feição derrotada de Megan. O sentimento mais profundo que já existia em si talvez existisse na moça que havia acabado de virar as costas. Assim que ficou sozinha, a ruiva pegou uma garrafa de vinho no armário e se jogou em sua cama para afogar as mágoas enquanto relembrava a noite do apagão.
***
Megan olhava surpresa e empolgada para Olivia caminhando em direção a Oscar para o beijo do desafio quando as luzes do picadeiro se apagaram junto ao estrondo da explosão. Naqueles primeiros segundos entre o susto e finalmente entender o que estava acontecendo, sentiu uma mão segurar a sua e puxá-la para fora.
– Vamos, antes que nos vejam!
Seus pés se cravaram no chão, mas assim que seus olhos se acostumaram com o escuro e ela viu a moça dos cabelos coloridos e olhos grandes com um sorriso convidativo a puxando, Megan se deixou levar. As duas só pararam ao chegar no trailer da pirofagista.
Megan sempre contou tudo para Olivia, mas nunca contou que só teve certeza de sua sexualidade quando Alice foi apresentada como novo membro da trupe. Ela nunca foi inocente o suficiente para dizer que foi um amor à primeira vista, mas a novata chamou sua atenção de uma maneira que um homem jamais fez – e a ruiva tentou por diversas vezes até se convencer que por mais que tentasse, de fato era homossexual.
O que antes não passava de uma atração física e platônica – já que Alice namorou Benjamin e Jack – se tornou um sentimento diferente no último ano, quando Megan se pegou admirando a mímica com um olhar diferente e que ela infelizmente conhecia. Ela jamais pensou que aquilo passaria de uma amizade e um interesse unilateral, até que a moça dos cabelos coloridos a arrastou até ali após alguns flertes sutis durante a comemoração de seu aniversário.
– E então, por que me puxou até aqui? – Megan perguntou com receio da resposta.
– Megan, eu nunca me envolvi com uma mulher antes – mesmo no escuro o nervosismo de Alice era palpável – Quer dizer, já me envolvi, mas foram casos esporádicos e eu nunca senti nada...
– E por que você tá me dizendo isso? – seu coração estava acelerado como nunca.
– Eu sempre te achei linda e de uma personalidade incrível, mas achava que você e a Olivia eram um casal e nunca que iria atrapalhar isso, a Olivia é minha amiga! Mas eu não sei o que você tem que...
– Eu já te entendi Alice – Megan a interrompeu com um sorriso – E eu e a Olivia nunca tivemos e nem teremos nada, independentemente da orientação dela, nós somos irmãs.
– Então eu posso te dizer com todas as letras que eu estou afim de você?
Pela primeira vez Megan não sabia o que responder. Era como se estivesse sonhando ou participando de alguma pegadinha onde a qualquer momento apontariam uma câmera escondida pela sala. Alice ainda não acreditava que finalmente tomou coragem de dizer aquilo, mas aproveitou a coragem momentânea para colar suas cinturas e tomar seus lábios num beijo.
"Definitivamente eu estou sonhando e quando acordar a Liv vai estar roncando do meu lado", Megan pensava a todo momento enquanto entrelaçava suas mãos nos fios arroxeados de Alice, mas assim que vários selinhos terminaram o beijo e ela abriu os olhos, viu que a noite estava longe de acabar.
– Você quer passar a noite aqui? – Megan sussurrou com um sorriso.
– Eu já estava contando com isso – Alice beijou seu sorriso.
– Então eu vou trancar a porta.
***
A garrafa de vinho esvaziou na mesma velocidade em que as lembranças daquela madrugada chegaram. Poderia estar sendo precipitada, mas naqueles dias desde o apagão o sentimento que nutria por Alice deixava de ser platônico e ou a mímica fingia muito bem ou estava se apaixonando também. Mas nem todas as declarações recebidas ao pé do ouvido faziam Megan esquecer cada vez que Alice soltou sua mão por receio do que os outros poderiam dizer.
Sem bateria no celular Megan já não sabia mais que horas eram, estava no escuro há tanto tempo abraçada à garrafa vazia que nem viu o tempo passar. Sabia que Alice não viria para os frequentes encontros noturnos, mas uma pequena pontinha de esperança surgia a cada barulho de passos no cascalho.
Os passos já não a alertavam mais, mas o barulho em sua porta a fez abrir um sorriso. A chama de uma vela iluminou um rosto que não era o que ela ansiava, mas de quem ela já estava com saudades. Olivia caminhou até o quarto chamando por seu nome e estranhou quando a pouca iluminação destacou a ruiva jogada na cama com a garrafa de vinho. A conhecendo melhor do que ninguém, sentou ao lado da amiga e deixou que ela deitasse a cabeça em seu colo.
– Você não vai me contar o que tem acontecido? – Olivia perguntou a fazer carinho nos cabelos alaranjados.
– Eu sei que cada um tem seu tempo, mas eu demorei tempo demais pra me assumir pra ter que me esconder de novo – Megan murmurou.
– É a Alice, não é?
– Como você sabe?! – a ruiva tentou encarar a amiga no escuro.
– Você não é a única Sherlock Holmes por aqui – riu – Eu vejo como você age perto dela há muito tempo, mas só no seu aniversário eu vi que era recíproco.
– Será que é? – Megan levantou do colo de Olivia – Porque eu não entendo...
– Eu não sei como te ajudar porque eu nunca estive nessa posição, mas o que eu posso te dizer é pra colocar na balança e ver se vale a pena. Eu só não quero ver você se esconder. Você é a menina do fogo, não pode se apagar por ninguém – Olivia sorriu.
– Eu já estava com saudades dos seus conselhos e de você aqui em casa – Megan retribuiu o sorriso.
As duas continuaram conversando por horas até que algumas batidas na porta as assustaram. Megan a abriu e o luar iluminou o rosto de uma Alice arrependida. A ruiva até pensou em convidá-la para entrar mesmo estando na companhia de Olivia, mas o que restou de seu orgulho a fez dizer que não era uma boa hora para conversarem.
Por mais que doesse, Megan não voltaria a esconder quem era.
Olá meus amores, estou chegando aqui na maior cara de pau, como se não estivesse sumida há tantos meses kk
Desculpem o sumiço, mas eu realmente estou com um bloqueio imenso com essa história e não consigo escrever uma palavra sequer há pelo menos um ano. Eu juro que vou tentar, mas não me odeiem por isso, tá osso.
Mas enfim, Megan não está errada em não querer mais se esconder, eu fico triste que a Alice não veja a mulher incrível que ela poderia ter se não fosse o seu medo.
É isso, espero voltar em breve - e me desculpem MUITO se isso não acontecer.
Beijinhos ♥
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