CAPÍTULO 5
Estou ciente de que deveria parar de encará-la, mas uso de minha prerrogativa de professora de línguas, já que precisamos observar até mesmo a forma como o aluno movimenta os lábios para pronunciar as palavras de forma correta.
E isso é uma desculpa, das mais esfarrapadas, para justificar minha inabilidade de tirar os olhos dela.
— Bonjour! — Cumprimentei-a ao entrar na sala. Mesmo com toda a minha empolgação, o nervosismo estava em plena ebulição.
Como resposta, obtive apenas sua cara emburrada. Claramente um começo de sucesso.
Nunca pensei que verbalizaria a frase "senti falta de um adolescente", ainda mais lembrando de quão insuportável eu poderia ser nessa fase horrorosa. Mas as coisas mudam, o mundo gira, e mesmo sabendo que a lacuna de idade entre ele e a irmã é de mais de dez anos, eu poderia fazer um bom uso de Dong Young e seu bom humor costumeiro.
Estava ciente de que os irmãos faziam aulas de idiomas desde pequenos, além do que, quando em casa, o que era raro, o pai conversava com eles em outras línguas, mas a falta de melhores informações sobre o nível em que ela se situava nas línguas era o que mais me preocupava.
E se eu estivesse falando um monte de coisas que ela não sabia?
Nem mesmo pude fazer um teste de nivelamento, ou qualquer tipo de aula experimental e agora eu entendo o porquê.
Apesar de seu último professor ter ido embora sob o pretexto de se casar com uma estrangeira, eu entenderia se suas razões fossem outras totalmente diferentes.
Sem saber exatamente por onde começar, acabei voltando ao básico como uma forma de sondagem.
A aula se passava em uma velocidade excruciantemente lenta, um verdadeiro teste à minha paciência. Tentei de tudo, mas ela teimava em me ignorar, sempre imóvel, com as mãos pousadas no colo sempre coberto. E isso, a imobilidade dela, me inquieta.
É como se ela houvesse deixado de viver há muito tempo.
— Eu preciso que você repita comigo, senhorita Maria Eduarda. Você poderia, por favor?
Ela faz o menor movimento com o rosto na minha direção.
— Poderia, por favor, repetir...
Ela ergue os olhos rancorosos para mim.
— Você é bonita. Não, você é linda. — diz cheia de sarcasmo.
Se quisesse ser elogiada por minha beleza, teria entrado em um concurso de beleza, não escolhido o magistério.
Ante a minha falta de resposta, ela respira fundo, me olhando como se eu fosse totalmente idiota.
— Você quer é ouvir outro elogio. — Maria Eduarda se volta para a parede. Perco as palavras.
Essa primeira impressão que têm de mim, a de que sou bela e só. Isso é tão pobre. Como se o simples fato de meus traços serem mais bonitos do que o normal — e quem foi o idiota que definiu isso? — escondesse, ou pior, valesse mais do que tudo o que há por dentro.
— Esta aula está terminada. — ela decreta, a governanta se materializa dentro da sala. — Mande-a sair para que eu vá para o meu quarto. — rosna as ordens com um dedo julgador apontado para mim, mas sem me permitir ver seu rosto.
— Senhorita? — A funcionária me pede com delicadeza e uma certa dose de aflição em seus olhos que me gritam desculpas.
Sinto pena da mulher por se submeter a isso.
— Não tem problema. — respondo atônita demais, catando na mesa os meus pertences.
— Obrigada. — Ela murmura quando já estou saindo pela porta.
Assim como ontem, a senhora Jung me espera no hall de entrada. Seu rosto descreve uma expressão grave, enquanto os dedos se enroscam em uma dança nervosa.
— Senhorita. — Ela começa. — Em nome do pai da Maria Eduarda, peço...
— Não é necessário. Não foi nada, senhora. — A interrompo envergonhada.
Não quero escutar suas desculpas e saber que fui incompetente o suficiente para não dar conta de uma aluna, uma somente, e no primeiro dia de aula.
— Ossos do ofício.
Aceno fazendo menção de sair, desesperada para terminar a conversa.
O peso que não sentia há tempos, se instala em meu peito novamente.
Domar a dor... Desconheço expressão mais mentirosa. Não se doma a dor, ela doma você.
Ela te dá intervalos passageiros, pequenos lapsos de ilusão que te levam a crer que tudo pode ficar bem, até que ela volte, muitas vezes mais forte, pronta para arrebentar tudo o que você lutou para construir e manter no lugar.
— Nós te daremos um bônus por causa do comportamento dela.
— Ok. — Concordo sucinta. — A senhora se importa de que eu vá agora?
— Não. — Ela parece preocupada.
— Então tudo bem, eu volto amanhã.
Tento sorrir antes de me virar para a saída e praticamente correr porta afora.
(...)
Vago à esmo com a cabeça perdida em pensamentos. Batalhar tanto contra meus sentimentos, contra a voz da minha consciência que grita verdades que não consigo refutar, é exaustivo.
Sozinha e do outro lado do mundo, estou prestes a chorar sem ter um único ombro a que recorrer. E tudo isso por causa de um linda, essa porcaria de elogio que dói mais do que qualquer tapa na cara.
Quando volto a mim, percebo que estou perdida e paro me encostando no muro mais próximo. A tela do celular mostra chamadas perdidas, então ligo para o primeiro número que aparece.
— Oi, tia Chris. — A primeira lágrima cai junto com o nome dela.
— Por que está chorando, minha menina? Eu sabia que algo tinha acontecido, senti que precisava te ligar.
— Tia. — Mas não consigo continuar.
— Respira, Mina. Me conta o que te aconteceu.
Choro mais um pouco antes de conseguir colocar as palavras para fora.
— Por acaso lá na França vocês nascem com o dom da telepatia?
— Os franceses não, são as mães que nascem com ele, minha menina.
Concluo que talvez haja sim algo que dome a dor: amor de mãe.
— Tia, eu tenho uma aluna que está me tirando do sério. E olha que foi a primeira aula dela.
— Mina. — Chris assume um tom repreensivo. — Não foi assim que eu te ensinei. Você sabe que professores não desistem de alunos.
— Eu sei que me ensinou melhor do que isso, mas é que ela me ofendeu sem eu ter feito nada. E conseguiu abalar minha confiança de professora. — Admito muito envergonhada.
— Minha menina, eu não te mandei para o outro lado do mundo para você me ligar chorando como um bebê por causa de um aluno.
Tia Chris é a pessoa mais carinhosa que eu conheço, mas no que toca a mim como profissional, ela tende a ser rígida. Eu não quero contá-la o exato motivo de ter ficado emotiva, porque sei que ela se entristeceria junto. Então, o que me resta é levar esporro calada.
— Me desculpa, tia, não vai acontecer de novo.
— E nem vá desistir da menina, viu. Sempre há um motivo para as pessoas guardarem tanta dor dentro de si, minha filha. Você lembra, não é?
Da minha dor? Lembro!
E do quanto trabalhou duro em mim para mandar todo aquele lixo embora. É uma das muitas razões pelas quais devo toda minha vida a ela.
— Sim. — Aceno como se ela estivesse ao meu lado, doida para me deitar no seu colo e deixar suas mãos carinhosas expulsarem tudo de ruim, do jeito que sempre fez.
— Tem que ter muito mais do que isso para fazer minha guerreira desistir. — Ela diria isso correndo os dedos pelo meu cabelo, enquanto secava as lágrimas com sua mão macia, se estivesse aqui.
— Hwaiting!
— An?
— É como eles falam "fighting", desejando força, tia Cris. Quem diria que algum dia eu poderia ensinar algo para a minha mestra.
— Você não demora muito a me superar, Mina. — Quase tenho um infarto ouvindo isso da melhor educadora que já conheci. — Adorei a expressão, vou aderir. Mas me conta como tem sido aí, você quase não tem me ligado.
Com a alma e as pernas mais leves, volto a andar dando a ela um boletim completo dos últimos dias, e até sobre o meu esbarrão no moço do eye smile.
Ela faz graça de mim, dizendo que daria tudo para me ver ensopada de café na frente de um cara bonito.
— Você é muito má, tia.
— Não sou, nada.
— Me desculpa por não ter sua delicadeza europeia, senhora Christine. — Capricho meu "r" francês no nome dela. — Agora eu vou indo pegar o ônibus, está ficando tarde e eu preciso estudar.
— Vá com Deus, minha menina. Toma cuidado e me mantenha informada sobre esse moço. Ah, eu adoraria contar uns podres seu para ele.
— Que vaca! Você nem sabe se ele é fluente em inglês.
— Olha o respeito, mocinha. Eu sou a melhor professora que você conhece, não subestime minha capacidade de ensinar inglês a ele e ainda contar seus podres.
— Nesse caso estou feliz que você não esteja aqui, se eu aprendi uma coisa é não te subestimar. Fica com Deus. Te amo, tia Christine.
Desligo bem a tempo de ver o ônibus se aproximar. Com ele vem o questionamento que dificultará minha noite de sono.
O que é que eu faço com a Maria Eduarda?
Que treta, hein? Hehe
E aí, seus leitores maravilhosos. Tudo certo?
Quando minhas betas leram esse capítulo fizeram uma série teorias sobre a Maria Eduarda. Vocês tem alguma? Me contem. Desde já peço paciência com ela.
E acho que não tem personagem nessa história que ache mais carinhoso do que tia Chris. Parece até que eu conheço pessoalmente alguém tão amorosa. Mas não, é só fruto da minha mente mesmo.
Porém, caso não saibam, eu sou professora, filha e sobrinha de professora. Talvez haja um pouco de mim aí, não?! Hehe
Não se esqueçam de continuar votando e comentando igual uns loucos aí. Haha Estou preparando umas surpresas para os leitores ativos. Então, continue.
Beijinhos e até o próximo capítulo =*
Referências e explicações
- Hwaiting/Fighting: é uma expressão muito utilizada na Coréia do Sul. Algo como o nosso "força".
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro