02
- Entramos agora?
- Só vamos aproveitar esse silêncio mais um pouquinho.
Charlotte riu da sugestão de Henry, mas não saiu do carro. Do lado de fora, gotas grossas caíam e pelas nuvens escuras que começavam a tomar conta do céu, provavelmente a chuva ficaria mais forte. O engraçado era que não estava chovendo quando saíram do trabalho, mas quanto mais se aproximavam do colégio viam as nuvens praticamente se concentrarem em cima do local.
- O que será que ela fez?
- Espero que não tenha colocado fogo nos livros de novo.
- Foi um acidente, querido.
- Será, Char?
Optou por não responder. Os dois haviam sido chamados pela professora de Daisy, ela não entrou em detalhes, porém pediu para que fossem buscar a filha e ficar para uma conversa. Os dois estavam evitando o momento o máximo de tempo possível, sentados no carro, comendo jujubas e observando em silêncio a chuva cair, aproveitavam um raro instante de calma ao lado do outro.
- Não quero entrar, mas ainda tenho que ir pro trabalho. - avisou, não se movendo um centímetro sequer.
- No três, ou nunca vamos sair daqui. - propôs, rindo quando a ouviu soltar um gemido inconformado. - Um, dos, três.
○ ○ ○ ○ ○
A professora de Daisy se encontrava sentada na cadeira do meio do semi círculo, Henry e Charlotte estavam ao seu lado direto com Daisy sentada entre os dois, ao lado esquerdo outro casal com uma criança sentada ao lado da mãe olhava para a pequena Hart de uma maneira que irritou profundamente seus pais.
- Como podem ver, Daisy fez algo bem errado hoje. - professora Julia, uma mulher de sorriso simpático e olhos doces apontou para a criança de cabelos lisos e claros que estendeu o braço em direção à eles.
- Daisy, por que você fez isso? - Henry perguntou preocupado, manchas claras em tom de roxo no braço esquerdo da garotinha eram a prova de uma mordida.
- Porque ela é um animal. - a garotinha afirmou com raiva.
Contra a janela fechada, gotas de chuva batiam como se fossem pedras. A mãe da menina, uma mulher de olhos afiados e uma postura impecável que Charlotte já havia visto e achava se chamar Mary, voltou-se para a filha e indagou em uma voz formal:
- Nataly, o que eu falei sobre o uso da linguagem rude?
- Desculpe, mamãe. - pediu, baixando a cabeça levemente, mas logo lançando um olhar gélido para Daisy. - Foi porque ela é uma imatura.
- Chata. - a Hart disse, bufando e cruzando os braços.
Charlotte lançou um olhar de aviso à filha, o que a fez permanecer calada.
- Eu não quis levar esse assunto a diretoria, pensei que seria melhor resolver tudo entre os pais. - a professora informou, tudo o que menos queria era ter que levar aquela confusão à sala de Minerva, eles não sairiam de lá tão cedo.
- Fez bem, senhorita Júlia. - o pai da garotinha se manifestou, abrindo um sorriso que pensava ser encantador para a professora. - Acredito que podemos resolver tudo civilizadamente.
- Também concordamos. - Henry disse, estreitando os olhos ao ver o homem ainda lançar olhares à Julia.
A professora estava claramente desconfortável, pigarreou baixo antes de continuar a fala:
- Daisy mordeu Nataly durante a aula de artes e se recusa a pedir desculpas.
Tanto Henry quanto Charlotte se viraram rapidamente para a filha, aquela não era uma atitude normal, Daisy não machucava ninguém propositalmente. Henry passou a mão nos cachos macios dela e falou em um tom firme, porém carinhoso.
- Estrelinha, você sabe que temos que pedir desculpa quando erramos.
- Mas eu não errei. - falou, ainda emburrada e com o lábio inferior projetado para frente em um bico de pré-choro.
- Você me mordeu! - Nataly gritou indignada.
- Porque você me beliscou! - Daisy rebateu irritada, o som alto de um trovão fez coro a Hart.
- É mentira, mamãe e papai. - Nataly afirmou, lágrimas escorrendo de seus olhos azuis. - Vocês sabem que eu nunca faria isso.
- Acreditamos em você, pérola. - seu pai falou, inclinado-se sobre Mary para acariciar o rosto da filha.
- Nossa filha seria incapaz de algo tão cruel.
O tom usado por Mary e o olhar que ela lançou à Daisy foram o suficiente para fazer Charlotte ter certeza de que sua antipatia pela mulher foi multiplicada por mil. Henry não precisou olhar muito para a esposa para saber que ela havia entrado no modo proteção, Daisy abriu um sorriso vitorioso quando notou o olhar afiado que sua mãe lançou a outra. Henry cutucou a filha, que o ignorou e continuou a observar a mãe atenta.
- Minha filha não é cruel, e eu acredito nela.
- Bom, minha filha nunca mente. - rebateu, levantando-se ao mesmo tempo que Charlotte.
- Pelo visto está mentindo agora.
Julia se colocou entre as duas após a fala de Charlotte, que foi seguida de uma risadinha que irritou Mary ainda mais.
- Podemos resolver tudo com cal-
- Obviamente ela está errada. - Mary ignorou completamente Julia e cruzou os braços ao indagar sarcástica para Charlotte. - O que vocês vão fazer em relação à isso?
- Ela sabe que errou ao morder a Nataly. - Henry começou, em um tom pacificador que foi desdenhado pelo pai de Nataly.
- Eu-
- Colabora. - sussurrou para a filha, a interrompendo antes que complicasse ainda mais a situação. - Mas acredito que a Daisy só fez isso porque sua filha começou.
- Minha filha nunca começaria uma briga. - o pai de Nataly afirmou, olhando desconfiado para Daisy.
- Você fala como se a Daisy fosse uma delinquente. - Charlotte falou raivosa, olhando para o homem como se pudesse queima-lo no mesmo instante.
Como se evocado por pensamento, Mary trouxe a tona uma lembrança complicada para Daisy.
- Ela queimou um livro do colega no mês passado.
- Sem querer. - afirmou séria, mesmo nunca tendo conseguido arrancar da filha de onde ela havia tirado um isqueiro.
- Derrubou o aquário do peixinho da turma. - continuou, se deliciando por ter o que apontar contra Charlotte.
- Ela só estava dançando e esbarrou. - já estava começando a perder completamente a paciência, sua filha destruía algumas coisas, porém o motivo era ela ser um pouco desastrada e não má.
- Ativou o alarme de incêndio.
- Ela estava limpando o botão.
- Você realmente acredita nessas mentiras? - perguntou, soltando uma risada sem humor que trouxe calafrios a quase todos presentes.
- Você está acusando uma criança de seis anos enquanto ignora a sua própria filha que beliscou a minha.
- Não tem prova, ao contrário da mordida.
Daisy pulou da cadeira com um enorme sorriso vitorioso, então abaixou até o joelho a meia de abelhinha que ia até o meio da coxa, levantou um pouco a saia de tule e mostrou uma marca roxa escuro na perna direita. Apontou triunfante:
- Tem sim, olha.
Henry quase riu quando Charlotte gesticulou para Daisy e falou quase no mesmo tom que a filha:
- Viu?!
- Você é bem lerda. - Nataly disse rindo, até porque demorou todo aquele tempo para Daisy lembrar da marca.
- Não sou! Sei contar até 500. - deu língua para a outra que rebateu com um sorriso que a fez lembrar Mary.
- Eu sei duas línguas.
- Língua de cobra não conta.
Henry disfarçou a risada com uma tosse, levantou da cadeira e tapou a boca de Daisy com a mão. Mary olhava abismada para a Hart, assim como Nataly e seu pai.
- É nisso que dá não saber educar uma criança. - soltou ainda nervosa.
- Melhor encerrarmos por hoje e ninguém vai para a diretoria?
A proposta de Julia foi aceita rapidamente por Henry e Charlotte, deram de ombros e logo começaram a sair da sala sem nem esperar a reposta dos outros dois.
- Por mim.
Ignoraram Mary e a Hart saiu empurrando Daisy que ainda fazia careta para Nataly.
- Vamos. - mandou firme, o que fez a garotinha se virar emburrada para a saída.
○ ○ ○ ○ ○
- Filha, por que você mordeu ela?
Henry perguntou assim que colocaram os pés no estacionamento. A chuva havia diminuído, mas o céu ainda se encontrava fechado, assim como a expressão de Daisy.
- Você quer a verdade todinha? - perguntou de forma manhosa, era uma forma de tentar sair por vítima, mas ao olhar para os dois soube que não daria certo. - Ela é muito chaaata. - afirmou, inclinando a cabeça para trás ao falar.
- Você sabe que errou em morder ela de volta, não sabe?
- Sei sim, mamãe, devia ter contado pra professora. - "ou colocado um bicho morto na bolsa dela", pensou só para si.
Henry ficou com medo dela ter um filtro de empatia igual Piper, mas resolveu discutir isso com Charlotte outra ora. A Bolton já olhava para além das portas onde Mary caminhava em direção ao estacionamento também.
- Em casa discutimos seu castigo, mas vamos logo antes que sua mãe arrume outra discussão. - pediu, puxando Charlotte pela mão e Daisy por outra.
- Ela provocou, você viu muito bem. - resmungou irritada, com a mão sobre os olhos para impedir os pingos de chuva. - Vontade de tirar aquele sorrisinho idiota da cara dela não me faltou.
Daisy soltou a mão de Henry e deu a volta para abraçar Charlotte pela cintura, a chuva diminuiu um pouco mais e o céu clareou suavemente.
- Não liga, mami. - pediu, com um enorme sorriso quando Charlotte a abraçou de volta. - Você é uma mamãe perfeita.
Se afastou dela e saiu pulando em direção ao carro. Henry sentiu seu coração esquentar ao observar Daisy brincar nas poças de água, se encharcando pela chuva e com os pés provavelmente sujos de lama, mas era algo para se pensar depois.
- Ela tá crescendo tão rápido.
- Nem comece, Hart. - pediu, o suspiro nostálgico dele não a abalou. - Não foi você que empurrou três seres humanos pela vagina.
Não teve como segurar a gargalhada ao ver a careta que ela fez. Rindo, passou o braço sobre os ombros dela e comentou em cumplicidade:
- O tempo melhorou.
Charlotte abriu um singelo sorriso ao notar um arco-íris no céu e ver Daisy dançar em meio aos pingos finos de chuva.
*****
Conseguiram notar o poder da Daisy? Quis trazer ele nas entrelinhas.
Bjs e até a próxima one.
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