
Capítulo único
O sol irradiava na montanha novamente após tanto tempo em completa escuridão. Abri a cortina da sala, deixando o interior de minha casa ser iluminado. Segui até a cozinha, onde também abri as janelas. Servi uma única xícara de chá para mim e saí da casa, sentando em um dos banquinhos de madeira, aproveitando os raios solares enquanto ainda podia.
Observei a paisagem praticamente vazia de casas e pessoas. O local em que eu morava era basicamente vazio, com poucas casinhas de madeira, onde viviam no máximo três pessoas em cada uma delas. Pequenas famílias que viviam naquela montanha e se recusavam a ir embora, apesar de todas as anormalidades que tivemos que nos acostumar a viver.
Viver em uma montanha silenciosa era algo que já havia me acostumado, apesar de ainda sentir um certo receio. Quando meus pais faleceram, mal consegui dormir durante a noite, o medo da solidão e da escuridão extrema ao meu redor me deixava arrepiado. Por isso, por muito tempo, contei com o meu melhor amigo, Lee Felix, para me fazer companhia por alguns dias.
O peso de aguentar o luto e ao mesmo tempo viver em um local tão sombrio não era algo para se acostumar sozinho. Felix tentou me convencer a me mudar para sua cidade algumas vezes enquanto esteve aqui, mas eu não considerei a ideia por muito tempo. Algo dentro de mim me fazia ter medo de abandonar aquele local permanentemente. Já Felix tinha medo de permanecer ali, então foi embora após alguns dias em minha companhia.
Mas ele nunca chegou ao seu destino.
Felix havia desaparecido na trilha da montanha. Seu desaparecimento causou muito alarde e movimento, as investigações nunca encontraram um único resquício do Lee, fossem objetos, roupas, ou até mesmo sangue. Foi como se sua trilha também desaparecesse após um ponto.
Mas, apesar desse horrível acontecimento, os moradores daquela montanha preferiram fingir que nunca havia ocorrido aquele incidente, como se nunca tivessem conhecido o jovem brilhante e gentil antes. Eu era o único que fazia questão de lembrar do meu grande amigo, e torcia para que, de alguma forma, ele aparecesse são e salvo novamente, mesmo sabendo que isso era uma total ilusão minha. Desde o seu desaparecimento, tudo pareceu mais macabro, ouvia barulhos grotescos cada vez mais próximos da minha casa e sentia arrepios na espinha com mais frequência do que antes.
Olhei para a trilha que Felix seguiu pela última vez, imaginando o que ele teve que enfrentar antes de voltar para sua casa.
Eu tinha que ter o impedido de vir aqui.
Conheci Felix quando morei na Província de Gyeongsang e estudei na mesma escola que o garotinho de rosto delicado, viramos amigos rapidamente na época. Antes de chegar ao Ensino Médio Superior, meu avô paterno faleceu e deixou aquela casa nas montanhas da província. Ficamos na casa do meu avô por vários dias, arrumando os pertences do meu avô enquanto meu pai também lidava com o luto.
Meu avô tinha se mudado para essa casa já em uma idade avançada, querendo paz do mundo moderno para "descansar seus ossos" de uma maneira mais confortável, nunca foi nos visitar em Gyeongsang e tampouco deixava que a gente fosse visitá-lo.
Mas, no fim, acabamos nos mudando para a sua casa nas montanhas por uma estranha insistência do meu pai. Após isso, nunca mais fomos embora da montanha. Mesmo após a morte dos meus pais, também não ousei partir tão cedo.
Chegou um momento em que aquelas anormalidades se transformaram em rotina. Tudo parecia extremamente comum.
Mesmo que para pessoas de fora fosse completamente estranho.
Entrei em casa após terminar meu chá e tive o cuidado de fechar a porta. Olhei para o relógio de ponteiro da cozinha.
11:03.
Suspirei, fechando as cortinas da sala e voltando para a cozinha, onde lavei a louça suja da noite anterior. Usei o tempo que me restava para preparar algum almoço simples e rápido, me arrependendo de não ter acordado mais cedo. Antes do meio-dia, fechei as janelas da cozinha com cuidado, me certificando que tudo estava devidamente fechado, antes de sentar no sofá da sala.
Duas regras simples e claras para se viver "calmamente" naquela estranha montanha:
Manter a casa fechada e sem luzes acesas antes de escurecer;
Não abrir as portas ou janelas durante a noite;
E algo extremamente anormal que aqui era tratado como normalidade era que, ao meio-dia, o local todo escurecia repentinamente, como se fosse tarde da noite.
Por isso tinha que trancar as suas casas já pela manhã, antes do almoço.
Enquanto almoçava, vi a luz natural do sol desvanecer sem realmente me importar, minha atenção era colocada unicamente em meu celular. Todas as janelas e portas tinham cortinas escuras, poucas luzes podiam ficar acesas naquele horário e, quando a noite realmente chegasse, todas deveriam estar desligadas.
Eu não sabia exatamente quando passei a aceitar todos esses eventos e essa forma de viver como algo natural. O medo tinha que corroer meu interior eternamente, sempre me deixando ansioso quanto ao futuro e o motivo de não poder partir, no entanto, nada disso acontecia mais. A perda de Felix me fez perceber que não tinha um lugar para ir e, mesmo se tentasse, eu poderia muito bem acabar da mesma forma que ele, sem nem mesmo um corpo para ser encontrado.
De quem era a culpa da minha vida ter terminado desse jeito? Eu não sei muito bem em quem jogar essa culpa.
Não parecia que eu realmente tinha algo que poderia ser chamado de "vida".
Todos os dias eram os mesmos, após escurecer tinha que aguardar a sirene tenebrosa que ecoava por toda a montanha sempre que anoitecia; sinal que mostrava o momento em que todos deveriam ir para cama, ou então o sinal de alerta para que ninguém ousasse abrir as portas ou ligar as luzes. Meus olhos permaneciam atentos aos ponteiros do relógio, acompanhando as horas passarem, todas as ações eram quase que mecânicas, como se meu corpo agisse sozinho, sem que eu precisasse pensar no que fazer. Eu sobrevivia com uma rotina aflitiva, em que o único foco era seguir sempre os mesmos passos que me manteve protegido até hoje.
Um longo som estridente atravessou a montanha, apesar de estar longe, o som ficou cada vez mais alto e próximo devido os amplificadores distribuídos por toda a montanha. Se Felix ainda estivesse aqui, provavelmente seria o momento em que eu me levantaria e lhe desejaria "boa noite" antes de irmos dormir. Não tinha motivos para permanecer desperto quando a sirene tocava. Mas não tinha ninguém para desejar boa noite agora.
Desliguei o abajur ao meu lado e levantei do sofá, voltando para o quarto no escuro. As janelas estavam devidamente fechadas desde a manhã, não havia aberto elas e as cortinas já estavam devidamente fechadas desde o meio-dia. Não tinha mais nada para fazer. Me deitei na cama, deixando somente o pequeno abajur próximo à cama ligado, e fechei os olhos pacificamente, nem mesmo o grito gutural e animalesco que foi ouvido ao longe me perturbou, não era algo inédito.
— Boa noite, Seungmin.
A voz familiar foi a única capaz de me despertar, o assombro de ouvir uma voz que há muito tempo que não ouvia me deixou em choque. Me sentei na cama imediatamente, minha respiração presa ao peito não permitia que eu fizesse qualquer tipo de som, como se eu estivesse aguardando a volta da sua voz e o visse novamente. Desde que Felix foi embora, todos os dias eu esperava acordar desse pesadelo solitário.
Me levantei lentamente da cama e abri a porta do quarto, a casa estava completamente vazia.
— Seungmin, finalmente encontrei o caminho! Você está aí? Não cheguei em uma boa hora? — Senti como se estivesse ouvindo a sua chegada pela primeira vez, sua voz animada me chamando cedo pela manhã. Sua voz diminuiu de volume, como se estivesse falando consigo mesmo. — Devo sentar aqui e esperar ele acordar? Ainda é bem cedo...
Meus olhos arderam enquanto revivia aquela memória que foi tão feliz para mim; a chegada de alguém que se importava comigo e queria me consolar pela grave perda dos meus pais, só para depois perdê-lo mais uma vez.
— Felix? — Murmurei, apertando a maçaneta da porta do meu quarto, deixando um pequeno ruído ecoar pelo local silencioso por causa da maçaneta velha.
— Seungmin?! Então você está acordado?! — Sua voz alegre tocou meu coração mais uma vez.
Liguei o abajur da sala, somente o suficiente para ter uma visão melhor. Me aproximei com passos abafados pelo tapete felpudo da sala e parei na frente da cortina. Esperei por mais alguns instantes e ouvi um curto suspiro vindo do lado de fora, era como se eu pudesse ver claramente seu sorriso de alívio.
— Que bom! Achei que ia precisar sentar aqui e esperar você acordar! Desculpa ter chegado mais cedo sem avisar...
— Está tudo bem... — Murmurei comigo mesmo mais uma vez, respondendo a mesma coisa que respondi no dia da sua chegada. — É melhor chegar cedo mesmo.
Estendi a minha mão aos poucos da cortina, minhas mãos tremiam e algo parecia preso em minha garganta. Era mais como se meu corpo agisse sozinho, movido pela falsa crença de ter reencontrado a única pessoa viva que eu conhecia. Também parecia como se uma grande culpa estivesse sendo tirada dos meus ombros lentamente e deixando o meu corpo um pouco mais leve.
Puxei a ponta da cortina, abrindo somente uma fresta para que eu pudesse ver a figura que estava lá fora através da pequena janela embutida na porta.
Felix estava parado do outro lado da porta, exatamente da forma que eu me recordava. Seus fios tingidos de loiro arrumados, a raiz que crescia já mostrava sinais da cor natural do seu cabelo; seu rosto pequeno e magro era marcado por características marcantes, fosse seus olhos inocentes, suas sardas espalhadas ou seu lábio superior com um formato marcado de coração. Felix sempre foi aquelas pessoas belas que chamavam a atenção, desde que eu o conheci no Ensino Médio Inferior.
Seus olhos encontraram os meus no meio daquela escuridão e ele sorriu perfeitamente, como sempre.
— Então você estava aí o tempo todo! Por que não abriu? — Quase fiz exatamente o que ele pediu, mas parei a minha mão que ia em direção ao chaveiro pendurado próximo a porta quando vi seu sorriso se distorcer lentamente, crescendo de uma forma impossível para um ser humano comum. — Vai me deixar morrer aqui de novo, Seungmin?
Sua pele se transformou, como se estivesse apodrecendo diante dos meus olhos. Seus adoráveis e inocentes olhos cresceram dentro da sua órbita e caíram, como se não estivessem ligados a nada. Dentro das órbitas vazias uma estranha luz se acendeu, iluminando o ambiente e deixando meus olhos mais sensíveis. Deixei a cortina cair novamente e ouvi um barulho alto de batida na porta seguido de um grito humano de dor extrema. A voz de Felix penetrou a noite, como se estivesse sofrendo uma grande tortura.
Corri até a cozinha, peguei uma das facas dentro da pia e corri até o meu quarto, fechando a porta no exato momento em que ouvi o barulho de vidro quebrando e estilhaços da janela caindo em cima do piso de madeira velho.
Tranquei a porta do quarto e desliguei a luz do abajur. Sentei em um canto afastado da janela e da porta com a faca em mãos, segurando ela próximo ao meu corpo, sentia os fortes tremores por todo o meu corpo. Minha respiração pesada misturada com meus soluços do choro preso em minha garganta eram facilmente escutados naquela quietude total. Levei uma das minhas mãos à minha boca, tentando abafar os meus ruídos e senti minhas lágrimas quentes a molharem.
— Seungmin... é tão doloroso... — Sua voz sofrida foi ouvida novamente, agora eu sabia que estava dentro da minha casa. Parecia que ele suplicava por ajuda, eu conseguia ouvir seus soluços que escapavam assim como os meus. — Por que você me fez vir até aqui? Por que eu tive que passar por isso? Kim Seungmin! Me ajude...
Nesse momento, ouvi a sirene tocar mais uma vez, pela segunda vez na mesma noite, isso nunca havia acontecido antes e eu sabia que era por causa daquele ser que estava dentro da minha casa. Ouvi barulhos vindo da sala de estar, como se tudo estivesse sendo quebrado e derrubado no chão pelo ser enraivecido. Desliguei o abajur do meu quarto, mergulhando na total escuridão. Quando a sirene parou de tocar, nenhum outro barulho retornou, o silêncio se instaurou novamente. As horas se passaram e finalmente consegui relaxar, sentindo minhas pernas dormentes.
Não consegui adormecer, vi o exato momento em que o dia raiou novamente com alívio no peito. Me levantei do chão com dificuldade depois de muito tempo, parecia uma eternidade, ainda com a faca em minha mão e andei até o armário, tirei as minhas coisas de dentro e passei as horas seguidas arrumando as minhas coisas dentro de uma mochila grande. Eu iria embora imediatamente sem nem mesmo olhar para trás.
Quando abri a porta do quarto novamente, vi a bagunça que a minha sala de estar se encontrava, cacos de vidro se espalhavam pelo chão, a porta ficou escancarada durante toda a noite, alguns móveis estavam caídos no chão e com marcas parecidas com garras afiadas. Arrepios percorreram o meu pescoço ao ver a profundidade daqueles arranhões, imaginando como seria se fosse na minha pele e se Felix também tinha passado por isso.
Corri até a cozinha e peguei algo para comer durante o caminho, antes de sair, olhei para o relógio uma última vez.
10:38.
Inspirei fundo antes de colocar os pés para fora daquele lugar, andando em um ritmo rápido, ansioso para descer a montanha o mais rápido possível. O sol parecia quente o suficiente para fazer a minha pele arder, mas aquele sentimento frio no meu interior desde que vi Felix se transformando naquela coisa inumada continuava bem presente. Segui a trilha que descia a montanha enquanto o sol ficava cada vez mais escaldante e insuportável, sem perder o ritmo. Passei por algumas das poucas casas presentes na montanha, seus poucos moradores me encararam com surpresa ao me ver descer após tanto tempo. Aos poucos, as casas foram desaparecendo e fiquei rodeado unicamente das árvores ao redor da trilha.
Peguei o meu celular dentro da mochila e o liguei, as horas piscaram ameaçadoramente para mim; eu tinha menos de 30 minutos para terminar a trilha antes que desse meio-dia. Quando desliguei a tela do celular, a grave sirene tocou mais uma vez, antes do horário. O som ecoou pelas árvores em um tom ameaçador e apressei meus passos, era mais como se eu estivesse correndo com todas as forças que ainda me restavam após ter perdido uma noite inteira de sono e mal ter comido durante a manhã.
E, exatamente ao meio-dia, tudo escureceu, ficando tão escuro quanto se fosse meia-noite.
Um grito assustador ecoou junto da sirene, uma voz feminina carregando dor e me trazendo medo. O som estava longe, continuei a correr como se minha vida dependesse disso, e eu tinha certeza que realmente dependia.
O grito veio novamente, mais perto dessa vez. O grito parecia estar duplicado, como se duas pessoas gritassem ao mesmo tempo, competindo para ver quem estava sofrendo mais.
O terceiro grito, ainda mais perto que o anterior, como se a distância que eu estava percorrendo com meus passos afobados simplesmente não importassem.
O quarto grito pareceu ter vindo de trás de mim, me fazendo olhar para trás rapidamente. Uma silhueta do tamanho de uma pessoa comum se aproximava, caminhando com passos tortos, seus membros alongados e extremamente magros faziam sua aparência parecer mais grotesca. O brilho que emanava dos seus olhos e da sua boca era a única iluminação do ambiente.
E, quando o quinto grito finalmente veio, senti como se garras afiadas arranhassem a mochila em minha costa. O impacto foi forte o suficiente para me fazer perder o equilíbrio e cair no chão. Soltei a mochila e voltei a me levantar, mas fiquei petrificado ao ver aquele ser finalmente cara a cara comigo. Talvez fosse por causa da luz que emanava de seu interior, mas parecia que ele estava completamente vazio por dentro, sem olhos, sem língua ou dentes, somente suas longas e escuras garras que substituíam seus dedos. De perto eu conseguia perceber, sua pele não parecia exatamente podre, mas sim um couro grosso com estranhas camadas verdes, como musgo. Ele parecia ter saído diretamente da terra.
Nós dois ficamos paralisados, um olhando para o outro, como se nos analisássemos. Eu era uma pessoa que podia ser considerada alta em alguns lugares, mas aquele monstro, apesar de ter uma altura que podia ser alcançada por uma pessoa normal, conseguia ser mais alto do que eu. Seu jeito de andar era meio torto e sua cabeça sempre parecia largada e inclinada para o lado, como se ele não tivesse força para movê-la. Sua boca aberta e vazia era assustadora e ele não a fechava em momento algum. Ouvi alguns sons saindo dele, vozes humanas que estavam longe de combinar com um monstro daquele, vozes misturadas e, entre elas, a voz de Felix.
Dei um pequeno passo para trás depois de um bom tempo e, assim que me movi, o monstro também pareceu acordar do seu devaneio. Sua ação foi rápida demais para poder acompanhá-lo, e quando menos percebi, sua garra já estava profundamente cravada em meu estômago.
Mais um grito ecoou pela montanha, agora, um grito misturado com o da estranha criatura e o meu. Um grito doloroso. O som úmido da garra sendo retirada das minhas entranhas e algo semelhante a um riso foram as últimas coisas que ouvi.
A sirene tocou mais uma vez no mesmo dia.
✴
Minha ideia inicial era tratar tudo isso como "normalidade", uma realidade ao qual o personagem já estava bem habituado e, portanto, para ele era extremamente normal e rotineiro. Até que, em algum momento, algo quebra essa "rotina".
Espero que tenham gostado! Tive essa ideia há bastante tempo e finalmente resolvi terminar de escrever akakak
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro