Prólogo
Quando fechei a porta da casa atrás de mim, a primeira coisa que fiz foi subir as escadas até o meu quarto. Me recusei a olhar para a cozinha, onde as panelas com arroz cru e feijão frio lembravam-me da insistente voz da minha mãe no dia anterior pedindo para que eu parasse de comer entre as refeições. Me recusei a olhar para a sala, onde suas agulhas de crochê estavam perfeitamente alinhadas aos pés da sua poltrona favorita. A única coisa que eu não pude escolher se olhava ou não foi para o porta-retratos antigo e recente que estava em cima da mesa de estudos em meu quarto. Antigo e recente porque a moldura era antiga, mas a foto não. Era uma foto que minha mãe e eu havíamos tirado quando, há dois meses atrás, tínhamos ido assistir algum filme sobre heróis no cinema.
Meus dedos involuntariamente tomaram posse do objeto para que eu pudesse o observar melhor, mas não bastou dois segundos até que meus olhos ficassem turvos e meu peito subisse e descesse rapidamente denunciando soluços altos e dolorosos.
Uma parcela de mim queria gritar e espernear enquanto a outra metade queria simplesmente lavar o rosto e sair como se nada tivesse acontecido.
A minha vida inteira eu havia sofrido com a dor da falta de alguém — primeiro meu pai, agora, minha mãe —, com a dor da perda e a dor do sentimento de sempre estar insuficiente, não importando o quanto eu tentasse preencher o vazio que meu coração continha. Era difícil procurar ser alguém sorridente e amigável quando o seu interior — que eu carinhosamente costumo chamar de “Meu Mundo Invertido”, porque com certeza ele não parece com esse meu lado — estava vinte e quatro horas por dia esbravejando que chorar e parar de respirar era a única solução para poder sentir o que era viver como alguém normal.
Ser normal talvez não fosse o meu destino. Uma vez eu havia lido em um livro sobre Katherines que não podemos prever um futuro igual para todos — fato baseado na refutação de um gráfico sobre relacionamentos que o próprio protagonista havia criado —, entretanto, eu comecei a acreditar que talvez as coisas não fossem tão imprevisíveis dessa maneira. Porque, analisando meu pequeno e limitado conhecimento sobre Matemática, devo constatar que, sendo uma área de estudos exatos, a afirmação dessa personagem estava profundamente errada. Não podemos colocar uma coisa inexata e que não está sob nosso controle em um gráfico matemático perfeito e numérico imaginando que teremos algum resultado brilhante e inegável, assim como não podíamos dizer que o futuro de uma criança é tão incerto quanto o de alguém como eu. Ou talvez eu só estivesse irritada demais com tudo o que estava acontecendo e queria descontar minha raiva no coitado do John Green.
Eu me sentei na cama e tentei respirar fundo para, inutilmente, forçar as lágrimas a pararem de descer como rios dos meus olhos. Aproximei a fotografia do meu peito e a apertei contra a camisa preta pós-enterro que eu estava vestindo, odiando o fato da minha cor preferida ter que ser utilizada como um uniforme obrigatório para se usar quando alguém morria. Não era justo acabar com a beleza de uma roupa preta por causa da passagem de alguém para um lugar que ninguém sabia dizer o que — ou qual — era.
Subitamente, meus olhos se abriram e meus dedos se afrouxaram contra a moldura velha que segurava no momento em que notei um fino e pequeno caderno que estava meio escondido sob a sombra tênue da mesa de estudos. E tão subitamente quanto meus olhos se abriram, a minha mente formulou uma ideia. Uma bela e maldita ideia.
Somente quando percebi que eu queria muito fazer aquilo que me levantei e peguei o item caído, juntamente com uma caneta preta que estava guardada dentro da gaveta de trecos. Sentei-me da maneira mais confortável que pude na cadeira da escrivaninha e segurei delicadamente a esferográfica na minha mão, aproximando-a do papel enquanto as palavras surgiam como gritos na minha cabeça:
“Meu querido diário otário,
Não pense que estou escrevendo em você porque você possui alguma utilidade — visto que eu nunca te utilizei —, porque eu apenas estou te usando pela falta de folhas limpas e usáveis ao meu redor. Também não pense que eu vou escrever em você mais vezes, porque esse negócio de contar segredinhos para um caderno não é minha praia. Aliás, eu nem devia ter utilizado esse tópico inicial idiota, entretanto, foi uma boa maneira que eu encontrei para começar um carta para alguém que eu não conheço. Eu só preciso utilizar umas poucas palavrinhas, na verdade, e já terei terminado o que vocês precisam saber.
Então, acelerando minha dissertação e parando de enrolar, só gostaria de falar a você — seja lá quem estiver lendo isso — que você não poderia ter me ajudado. Não precisa escrever mensagens pós-morte no meu Facebook ou colocar uma flor debaixo da minha foto pregada na entrada da escola fingindo se importar comigo e pensando que isso vai me atingir de alguma maneira quando eu me for, porque eu sinto muito informá-lo, mas não vai. Poupe suas energias em algo mais produtivo como beijar alguém atrás da sala do terceiro ano ou jogar bolinhas de papel na cabeça dos novos alunos da turma.
Afinal, isso é o que importa pra vocês, não? O que importa é colocar um rótulo em todo mundo e montar um script sobre como alguém deve agir quando atravessar a porta do colégio. Mas, quando alguém pega uma doença — leia essa palavra de novo, por favor — chamada depressão e comete uma coisa chamada suicídio, automaticamente se transforma na pessoa mais incrível que você já havia visto — mesmo que nunca tenha trocado uma única palavra com ela.
Então, torno a repetir: Você não poderia ter me ajudado. Não se sinta mal por isso, apenas. Viva sua vida, jogue os seus jogos e seja o que você quiser, a vida foi feita para isso.
Eu coloquei um lembrete em meu telefone no dia 10 de março, às 4:00PM, com o nome “O Grande Dia”. Quando você ler isso provavelmente será algum dia depois do dia 10, assim sendo, você já sabe do significado do meu pequeno e maravilhoso lembrete.
Eu sou Koyama Ayumi¹ , filha de Koyama Lee e Koyama Sanae, e isso, meu caro, é a minha carta de suicídio.
Koyama Ayumi, fevereiro, 28”
-•-
¹ Koyama, como vocês já devem ter notado, é o sobrenome da Ayumi. Apenas escrevi desse jeito para que combinasse com a ordem escrita de "Jeon Jungkook" e nomes orientais (sobrenome - nome)
É isto. Espero que vocês gostem da história e entendam o que eu quero passar por meio dela. O primeiro capítulo será postado em dezembro (se Deus quiser, amém), como dito nos avisos.
Xoxo,
~Ally
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro