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Ludmilla usava apenas um blusão com uma cueca, ela estava deitada na cama acariciando a barriga de Brunna que estava deitada no centro da cama, vestindo apenas uma blusa curta e uma calcinha boxing. Seus olhos estavam na barriga de Brunna que deitada naquela posição, permitia que elas visualização o pequeno volume ali.
A mais nova avaliava seus pensamentos sobre o fato que Brunna não sabia quase nada da sua antiga vida e percebia que ela ainda não estava pronta para falar sobre isso. Já fazia quase dois anos, Ludmilla achava que já era a hora dela se abrir com Brunna e deixar que ela soubesse que suas inseguranças não eram algo bobo, e sim, traumas de acontecimentos ruins.
Tomando coragem para se mexer na cama para atrair a atenção de Brunna, ela aperta os lábios sentindo seu coração se apertar, não gostava de lembrar de Luana ou dos seus pais mas sabia que já era a hora dela se libertar daquilo.
- Brunna, podemos conversar? - ela fala com um tom baixo mas firme, atraindo os olhos amendoados para seu rosto.
- Claro. - responde percebendo que Ludmilla queria lhe dizer algo. Sentando na cama, Brunna vira seu rosto em direção a Ludmilla esperando que ela comece a falar.
- Eu acho que você deveria saber mais sobre a minha vida, minha infância e adolescência até a vida adulta.
- Sou toda ouvidos, meu amor. - Ludmilla a olha buscando coragem para desenterrar tudo que guardava no fundo do seu ser, querendo largar tudo aquilo por brunna e seus bebês.
- Vou começar pelos meus pais, você já deve saber que eu tenho uma ordem de restrição contra eles... - Brunna afirma com a cabeça indicando que sabia por causa de Lucas - Bom, meus pais iam se divorciar até descobrirem que minha mãe estava grávida e eles decidiram ficar juntos por minha causa, quando eu nasci fui diagnosticada intersexual e meus pais aceitaram até mesmo que bem, eu cresci como uma menina pois meus pais fariam a cirurgia mas não tínhamos dinheiro naquele momento. Nós éramos uma família tradicional, íamos a igreja aos domingos, minha mãe ficava em casa enquanto meu pai trabalhava, assim foi por toda a minha infância até meu pai perder o emprego e termos que nós mudar para a casa de fundo da minha avó Ângela. Eu estava entrando na adolescência quando eles magicamente apareceram com o dinheiro da cirurgia para eu "me tornar uma menina de verdade", disseram eles, quando eu disse que não faria a cirurgia eles começaram a mudar comigo, ficaram mais rígidos e qualquer motivo era uma palavra de ódio deles contra mim. Com isso eu comecei a passar mais tempo com a minha avó. - pausa esboçando um sorriso se lembrando da senhora de cabelos grisalhos e curtos - Me lembro uma vez de estar chorando por meu pai dizer que eu tinha que "ser uma menina de verdade" e minha avó chegou, me abraçou dizendo que não era para eu ligar para as palavras do meu pai pois eu era uma menina completa, era a sua menininha. - algumas lágrimas de saudade daquela mulher aparecem por seu rosto.
Ao ver as lágrimas escorrerem por seu rosto, Brunna segura sua mão lhe dando forças para continuar a contar por sentir que Ludmilla precisava contar aquilo.
- Passei a maior parte da minha adolescência na casa da minha avó, ela me instigava a estudar e me ajudava com tudo o que ela conseguia, mesmo que não soubesse muita coisa pois não foi alfabetizada. Quando eu falei para ela que passei na federal, nossa ela ficou tão feliz. - seu olhar fica nublado se lembrando do que tinha acontecido em seguida - Mas isso não durou muito, meses depois ela começou a adoecer com rapidez e os médicos não sabiam o que ela tinha.. Minha avó faleceu um mês antes de eu vir para São Paulo.
Ludmilla enxuga as lágrimas que escorriam por sua bochecha segurando um soluço, mesmo depois de anos a morte de sua avó ainda doía. Talvez doeria para sempre, ela só teria que aprender a lidar com isso.
- Foi ai que o inferno começou, quando meus pais e meus tios descobriram que minha avó deixou todo o dinheiro no banco e a casa para mim, todos exigiam que eu dividisse com eles. Eu tinha apenas dezessete anos, estava abalada pela morte da minha avó e não conseguia acreditar que a única pessoa que me aceitava como eu era tinha ido. Então em uma noite, eu peguei as minhas coisas e o dinheiro que minha avó tinha deixado, fugi daquele inferno e vim para São Paulo. Na faculdade, eu me mantive com o dinheiro da herança e quando consegui um emprego, guardei cada centavo que minha avó me deixou.
Ludmilla fica em silêncio por poucos segundos assim que um soluço rasga sua garganta, fazendo todo seu corpo tremer. Era a primeira vez que ela contava sua história para alguém.
- Quando eu cheguei em São Paulo, não sabia onde eu ia ficar mas só sabia que minhas aulas começando no próximo mês, foi ai que conheci o Marcos, ele foi como um irmão para mim. Me levou para o apartamento dele e nós moramos juntos até eu terminar a faculdade. - sorri se lembrando do homem - Mas infelizmente acabamos perdendo contato assim que nos formamos, ele saiu do país e nunca mais nos vimos.
Brunna apenas ouvia tudo com atenção, não queria dizer nenhuma palavra não interromper Ludmilla que pegava o embalo para vomitar tudo aquilo que tinha guardado dentro de si.
- Na semana seguinte da minha formatura, eu sai com alguns amigos para beber e festejar. Foi ai que eu conheci a Luana. - seu tom amargurado arrepia os pêlos da nuca de Brunna. - No início ela parecia uma mulher doce, compreensiva e amorosa. Nessa mesma época eu investia o dinheiro da minha avó no meu próprio negócio e começava a prosperar. Eu era perdidamente apaixonada por Luana e dava tudo o que ela pedia, me lembro de termos ido para uma praia no Maranhão, viajamos para a Argentina e tudo mais... - revira os olhos - Mas quando eu comecei a negar algumas coisas por não poder viajar ou gastar muito dinheiro, ela começou a ficar mais neurótica e ciumenta mas nada muito alarmante porém no momento que ela descobriu que estava grávida, parece que ela enlouqueceu. Lembro-me dela gritando enfurecida segurando o teste de gravidez e eu tentando a acalmar, ela batendo com os punhos nos meus ombros e chorando desesperada.
Ludmilla para de falar puxando o ar para seus pulmões pronta para entrar na parte mais delicada de toda sua história.
- Na gravidez a pandemia começou e eu precisava ficar até tarde no trabalho para segurar as pontas mas Luana achava que eu estava a traindo, saindo com mulheres ou coisa do tipo. - junta as sobrancelhas com uma expressão enojada - Uma vez eu fiquei na loja até às onze da noite, eu avisei que demoraria para chegar mas ela me enchia de mensagens perguntando onde eu estava, com quem estava, pedindo fotos e até mesmo vídeo, até que eu me irritei e desliguei o celular... Uma péssima escolha porquê quando coloquei os pés dentro do apartamento em que morávamos, Luana estava transtornada, tinha várias coisas quebradas pela sala, ela estava furiosa e avançou pra cima de mim quando me viu, ela começou a esbravejar que eu estava a traindo e perguntando por quê eu estava a ignorando.
Brunna prende a respiração apertando seus lábios sentindo seu coração se apertar com o quanto Ludmilla parecia vulnerável naquele momento.
- Nós discutimos feio naquela noite, ela me disse coisas horríveis e não parava de falar que eu estava a traindo, foi quando ela pegou uma faca e apontou para a sua barriga ameaçando machucar Cecília que já estava com seis meses quando eu ameacei de ir embora, eu fiquei em choque e abaixei a minha cabeça. - funga controlando seu choro, aquele era a cena que sempre passava em seus pesadelos - Pelos próximos meses, sempre acontecia a mesma coisa, eu chegava a alguns segundos atrasada e já era motivo para ela surtar, vir para cima de mim e ameaçar dar um fim em Cecília, ela até mesmo chegou a quebrar um celular meu na época e colocava a culpa de tudo aquilo em mim, sobre a gravidez, o estado neurótico dela, a faculdade que ela tinha trancado e ter me isolado dos meus amigos.
Sentindo sua garganta doer, Ludmilla se desmancha em um choro sofrido e doloroso fazendo Brunna a puxar para um abraço, a mais nova a abraça com força sentindo todos os sentimentos ruins a atingirem como um soco no estômago. Abraçada com sua namorada chorando copiosamente, Ludmilla demora vários minutos para se recompor para continuar a falar e sair daquele abraço tão gostoso.
- Quando ela entrou em trabalho de parto, ela não me avisou ou coisa do tipo, só fui saber sete horas por um amigo dela que me mandou mensagem falando que ela já tinha dado a luz e não queria que eu soubesse. Eu fui transtornada para o hospital pois passei dez horas atrás dela, fui disposta a pegar a minha filha e desaparecer mas quando eu cheguei lá, a Luana tinha sumido e deixado a Cecília sozinha no quarto. Foi um rolo para eu provar que era a mãe e poder a levar para casa, ali eu achei que todo o pesadelo tinha acabado mas quando eu cheguei no meu apartamento, ele estava revirado e quando fui ver, ela tinha roubado todo o dinheiro da minha loja que eu ainda não tinha levado para o banco por estar atrás dela.
- Que filha da puta. - Brunna deixa escapar sentindo seu peito se corroendo por ódio.
- Depois disso, minha loja fechou e por sorte eu ainda tinha algumas economias no banco. Então mais uma catástrofe aconteceu, meus pais apareceram exigindo que eu os desse dinheiro porquê pela lógica deles, tudo o que eu tinha conseguido tinha sido roubando algo que era deles, ainda não sei como eles descobriram onde eu morava mas foi um pesadelo. Eu dizia que não iria dar nada, eles fazendo um escândalo e tudo piorou quando descobriram que eu tinha uma filha, eles começaram a ameaçar que iria tirar ela de mim mas vendo que eu não iria ceder e se caso eles quisessem ir na justiça eu iria, meu pai partiu para a agressão física, quando eu os mandei embora ele acertou um soco no meu rosto me xingando de todos os nomes possíveis. - o brilho triste em seus olhos deixa Brunna com vontade de chorar - Por isso eu pude ir na delegacia fazer um boletim de ocorrência e pedir uma ordem de restrição, o que eu consegui em pouco tempo e eles me deixaram em paz. Poucos meses depois eu descobri que a Luana estava na Argentina curtindo e possivelmente fazendo faculdade lá, com um dinheiro que não era dela... E o resto você já sabe. - mexe os ombros sem jeito.
Desacreditada que um ser humano tão puro como Ludmilla tinha passado por essas coisas, Brunna apenas a puxa para um novo abraço permitindo que Ludmilla continue a chorar em seu pescoço, descarregando tudo de ruim em forma de lágrimas.
- Eu sinto muito que você tenha passado por essas coisas horríveis, Ludmilla. - fala acariciando seus cabelos ouvindo o choro de Ludmilla. - Mas o que importa é que tudo já passou, Cecília está bem e salva e eu nunca vou permitir que alguém te trate mal pois você merece ser tratada com bondade, amor e gentileza.
Falando palavras reconfortantes e amorosas para Ludmilla que não parava de chorar por nenhum segundo, aos poucos ela começa a se sentir leve e livre como se vomitando tudo aquilo, ela se curasse. Se sentindo em paz, Ludmilla chorando até dormir nos braços de Brunna que tinha sua blusa ensopada das lágrimas da mulher, o que não se importou.
Ajeitando Ludmilla na cama enquanto olhava seu rosto vermelho e inchado, ela derrama uma lágrima sem conseguir conter. Essa era a primeira vez vendo Ludmilla desmoronando em lágrima e tinha certeza que ver aquilo era a pior coisa que poderia sentir.
- Se for necessário, nós vamos até o inferno mas ninguém nunca mais irá te tratar mal, meu amor. Eu não vou deixar. - sussurra enxugando seu rosto que estava banhado de lágrimas.
Se aconchegando no peito da mulher, Brunna se permite ouvir as batidas do seu coração. Elas tinham uma ligação tão boa que Brunna conseguia perceber a paz que Ludmilla sentia naquele momento, era como se sua áurea tivesse se revigorado e estivesse brilhando sete vezes mais.
Se rendendo a exaustão nos braços de Ludmilla, Brunna adormece tendo um sono tranquilo vindo a acordar no mesmo horário de sempre para ir ao trabalho. Dando-se os minutos necessários para despertar, Brunna fica observando o rosto de Ludmilla que ainda estava inchado mas com uma expressão pacífica.
Sabendo que era hora de acordar, Brunna começa a distribuir beijos pela região da sua clavícula até a bochecha na tentativa de acordar Ludmilla da melhor maneira possível.
- Hm... - Ludmilla resmunga sentindo os beijos quentes em seu rosto, forçando seus olhos a abrirem.
- Bom dia, amor. - sussurra se deparando com as orbes clarinhas a olhando.
- Bom dia. - deseja com a voz rouca sentindo seus olhos inchados e a cabeça doendo.
- Como está se sentindo?
- Bem melhor, obrigada por me ouvir ontem. - murmura dando indícios que não queria voltar no assunto da noite passada, não queria conversar sobre isso, só queria desabafar.
- Eu sempre vou estar aqui para te ouvir... Sempre. - Ludmilla esboça um sorriso doce.
Não falando mais nada, Ludmilla se levanta da cama para ir atrás de algum colírio e um remédio para dor de cabeça, logo ela vai tomar um rápido banho sentindo suas energias revigoradas. Nunca esteve com um humor melhor.
- Eu estou pronta para seguir em frente e deixar tudo para trás. - Ludmilla fala observando Brunna arrumando seus ternos sobre a cama - E vou começar a fazer terapia para conseguir me curar por completo.
Sentindo um misto de sentimentos ouvindo Ludmilla falando aquilo, Brunna abre um grande sorriso e vai ao encontro da sua mulher, passando os braços por seu pescoço úmido.
- Estou orgulhosa de você. - ouvindo aquela frase, Ludmilla sorri - Quer que eu marque uma sessão com um dos psicólogos que Rafa e eu frequentamos?
- Sim. - balança a cabeça acariciando a cintura de Brunna.
Brunna suspira com um olhar carregado de orgulho, cola seus lábios em um selinho demorado e solta uma risadinha baixa sentindo Ludmilla a abraçar com força.
- Você vai trabalhar hoje? - pergunta com curiosidade vendo os dois ternos sobre a cama - A Senhora não deveria ficar em casa por ordens médicas?
- Deveria mas só vou hoje, preciso avisar minha equipe que vou trabalhar de casa, levar aquele papel que o Henrique me deu para os meus superiores e finalizar algumas coisas.
- Mas tome cuidado, por favor. - pede colocando as duas mãos na barriga de Brunna.
- Prometo que não vou fazer esforço, se me sentir cansada eu vou diminuir o ritmo, certo? - Ludmilla fica hesitante em concordar mas acaba cedendo por saber que sua mulher não era uma inconsequente e sabia dos seus limites.
- Tudo bem. - concorda vendo um sorriso nascer nos lábios de Brunna.
- E hoje você está linda. - elogia.
- Que mentira. - faz uma careta enojada arrancando uma risada de Brunna, se abaixando para ficar com o rosto na altura da barriga da mulher, Ludmilla levanta a blusa que Brunna usava e sorri - Bom dia bebês, mamãe ama vocês. - diz deixando um beijo no local antes de se afastar e começar a vestir o terno azul escuro.
Brunna fica algum tempo observando Ludmilla com um sorriso nos lábios, conseguia notar a diferença da mulher de ontem para hoje e isso a deixava eufórica. Sem contar o jeito carinhoso que Ludmilla tinha falado com os bebês que a deixou ainda mais apaixonada.
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