Nem tudo é o que parece
Finalmente chegou o sábado e com ele o cinema marcado com os amigos, Mark colocou os fones de ouvido e decidiu limpar o quarto, enfileirar seus cadernos e livros. Organizar suas revistas em quadrinhos e jogos. Sua mãe olhou pela pequena abertura que havia na porta do quarto, que exibia um pôster com letreiros em negrito de "Fale baixo, estou ocupado". O rapaz estava dançando, agradeceu aos céus por ele não estar cantando. Deu um agradável sorriso, havia criado um rapaz bom. Seu medo sempre foi do filho se espelhar nos exemplos desprezíveis que teve de seu pai. Mas o alívio acalentava o coração daquela mãe que percebia que o rapaz estava distante daquela realidade e isso lhe fez esboçar mais um sorriso.
- E hoje vai chover! – exclamou em alto e bom tom, assustando Mark, que sobressaltou e deu um leve grito.
- Que isso, mãe? Eu estou muito ocupado agora.
- Eu percebi, vai sair com os meninos hoje?
- Sim, faz um certo tempo que não saio para ver um filme.
- Se divirta, e não chegue muito tarde.
- Pode deixar, mas não garanto que irei chegar antes da duas.
- Ué, mas daqui a pouco são duas horas? Não entendi.
- Da manhã! – virou os olhos na tentativa da mãe de contornar as coisas.
- Você está muito abusado, se vier nesse horário eu vou te buscar na rua.
- Mãe, não sou mais uma criança. Já tenho dezoito anos.
- Eu tenho quarenta e de vez em quando faço minhas cagadas.
- Imagine eu, não é mesmo?
- Isso, bom garoto. É por esse caminho.
- Mãe, a senhora já viu os meus amigos. Acha mesmo que somos capazes de fazer muitas cagadas?
- Ah, tudo bem. Quando terminar aí, preciso que vá até a loja do senhor Carlos, a pilha do controle não está funcionando.
- A pilha mesmo? Ou o controle?
- A pilha não é cara, já o controle. Pensamento positivo, menino.
- Tudo bem, deixa só eu terminar de limpar aqui e já vou lá.
Após limpar o quarto e enfileirar tudo do jeito mais organizado possível, pegou o dinheiro com a mãe, colocou sua camisa branca do Star Wars, e se aventurou em sua bicicleta verde.
- Maldita corrente, por que tinha que cair? Putz, logo agora. – passou seus olhos pela camisa branca, e suspirou expressando uma certa insatisfação. "sorte. Tenho muita sorte" e percebendo um brilho sob o paralelepípedo, encostou a bicicleta em um muro e se aproximou. Era uma pedra linda, Mark não era um exímio apreciador de pedras, nem tinha noções de geologia, porém realmente se impressionou com a beleza daquele objeto. O colocando no bolso da calça. "Pelo menos uma" e encarou novamente a bicicleta cerrando o cenho e colocando as mãos no rosto soltando um breve suspiro que vinha com um pensamento arbitrário de abandonar a sua condução, mas que logo foi advertido com um "se fizer isso sua mãe te mata" e um vento gelado lhe acariciou na espinha.
Entre os empurrões finalmente chegou em casa, com as pilhas na sacola, abriu o portão e se aproximou da porta, não fez alarde, entrou sorrateiramente e se impressionou com o barulho de alguém balbuciando algo, era estranho. Tinha mais alguém em casa? Ele realmente preencheu a visão com todas as possibilidades, mas sem fazer barulho algum seguiu. Foi quando percebeu que o som vinha do quarto de sua mãe, foi tomado por um medo tímido que se transformou em um desespero. Esforçado em não fazer barulho algum. Subiu as escadas e colocou os olhos na fresta da porta, observou sua mãe chorando com uma moldura em mãos. Cerrou os olhos e se esforçou em focar em que moldura era, e qual foto continha. Era dela, Mark e seu pai.
Ter a família disfuncional era uma tendência entre os amigos de Mark. Porém observar que debaixo do sorriso de sua mãe, havia uma profunda tristeza. Aquilo doía. Mais do que qualquer surra, mais do que as palavras maldosas que se acostumou, palavras e socos são fáceis de vencer. Seu professor de karatê sempre lhe dizia isso. Mas vendo a dor, assim tão solida, concreta. Sem o charme poético dos romances. Ainda mais se transformando nas lagrimas de sua amada mãe, não havia método oriental ou ocidental que tornasse isso mais tragável.
Deixou as pilhas em cima da mesa na cozinha, decidiu fazer um lanche para eles. A comida pode ajudar em momentos de vazio, pelo menos era o que Henrique disse. Rapaz engraçado aquele. Ao trocar a calça por bermudas sentiu que havia algum ser vivo dentro dos bolsos. "Meu Deus, o que é isso?" e com tamanha velocidade retirou algo do bolso, e com os punhos cerrados. Respirou profundamente e abriu e boom! Apenas a pedra. Aquela mesmo. A belíssima.
- Devo estar ficando doido!
- Com certeza você está! -sua mãe tinha percebido os barulhos na cozinha e havia descido. – está falando sozinho?
- Eu estava mandando áudio, mãe.
- Com o celular na sala?
- Você sempre cirúrgica. Hein, eu estava pensando alto.
- Não pense tanto, você tem muito tempo para fazer as coisas, pensar só diminui o tempo que você tem para executa-las
- Quem é você e o que fez com a minha mãe? – os dois se entreolharam e riram. Um riso que Mark sentia que era necessário e realmente era.
- Daqui a pouco o Luís está aí. – disse Luzia. – precisa se arrumar. Ou você vai assim?
- Não gosta do meu look? – fez uma graça com as mãos mostrando a samba-canção do homem aranha e a camisa suja de graxa.
- Estou uma "graxinha". – olhou para a sacola de pão aberta e ofereceu um – Mas vamos fazer um lanche primeiro. Aceita, senhorita?
- O senhor é muito gentil. – tampou a boca, escondendo o riso que invadiu a cena do filho fazendo caretas ao abrir os pães.
- Maaaaark – um grito esdruxulou entrou dentro das paredes. Era uma voz estridente e que expressava uma certa urgência.
- Parece que o Luís chegou. – deixou escapar e fez um sinal com os braços, que logo Mark entendeu como "vai tomar um banho que eu atendo".
- Olá. Dona Luzia, o Mark está pronto? - perguntou com os olhos atentos ao pãozinho que conseguia espiar entre os ombros da mulher.
- Ainda não, entre e espere. Logo ele se arruma. – fez um sinal cordial para que o rapaz entrasse, e logo o fez.
- Gostaria de comer alguma coisa?
- Agora que a senhora falou, estou com uma fome. – sim, Luís tinha muita educação, porém acima disso sentia fome naquele momento, e o pão começou o encarar. Em uma situação comum seria um singelo não, mas agora estava em evidencia o seu sincero sim.
Alguns minutos se passaram e lá estava o nosso herói, Mark com sua roupa limpa, uma blusa do Batman em um tonalidade bordo e uma calça jeans, que sempre lhe sugeria a mesma piada do "um dia eu troco de calça" os rasgos na lateral não vieram de fábrica, era apenas que lavar muito tem o atrito e como tudo nessa vida, havia um tempo de duração. A peça de roupa estava em seus últimos dias.
- Finalmente. – balbuciou com a boca cheia de pão. – isso aqui está muito bom. – e apontou para o lanche. – me fez nem sentir o tempo passar.
- Então, vamos? – disse Mark, que logo se lembrou das lagrimas de sua mãe e travou em pensamentos furtivos. – Mae, está tudo bem? Posso ir mesmo? – Luís não estava entendendo nada. Mas demonstrou respeito.
- Pode sim, meu filho e... – pegou um pouco de ar. – se cuidem.
- Pode deixar! – Assim foram em direção a porta e ao se despedirem cruzaram a rua em direção ao cinema.
Luzia pegou as sacolas e algumas coisas que estavam desorganizadas na cozinha, percebeu a pedra em cima da mesa, uma pedra muito bonita por sinal, ergueu as sobrancelhas e logo pensou consigo que poderia ser mais um dos hobbys do filho e ao se aproximar, reparou que o objeto desviou levemente. Acusou o sono por ter visto isso, não era possível, coisas assim não acontecem. Pedras se movendo. E em meio aos suspiros tomou a pedra para si e subiu até o quarto do filho e colocou o item em cima da escrivaninha e observou o quarto organizado, nem parecia ser do garoto que ela convivia. Limpo. Olhou novamente para o objeto que tinha uma cor semelhante ao ouro, porém mais clara. "quem dera fosse ouro!" deixou escapar.
- Você está bem, Mark? – perguntou Luís reparando no aspecto frustrante do amigo.
- Estou sim, relaxa. O Arthur e a Leticia vão chegar que horas no cinema?
- Acho que eles devem já estar esperando por nós. O Arthur me mandou mensagem.
- Eu nem mexi no celular hoje, fiquei arrumando a minha bagunça, às vezes é bom estar distante da internet.
- Sim. Como você disse, às vezes. Sempre seria como voltar no tempo dos homens das cavernas.
- Imagina, a única preocupação é ter uma tanga e uma lança para caçar? Seria um sonho.
- Você está bem? Mesmo?
- Estou sim, Luís!
- Porque não é o que parece.
- Nem tudo é o que parece...
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