Capítulo 42
Rebeca
Eu pensei que aquele dia seria mais um dia como qualquer outro. Minha vida, naquele último mês se resumia a trabalhar, ouvir Cat contar sobre suas atuações na boate e lutar contra as lembranças de Matteo.
Deus, eu sentia tanta falta dele. Às vezes eu desejava reviver um minuto do meu conto de fadas só para acalmar meu coração que ainda sangrava. A falta que ele me fazia era proporcional ao ódio que eu tinha dele e de mim. E era esse ódio que eu alimentava para ter forças para me levantar pela manhã e seguir sem pensar nele.
Cat, às vezes, tentava tocar em algo relacionado a ele, geralmente por algo que seu amante sabia, mas eu a cortava. A proibi de comentar algo sobre a família dele e ainda ameacei sumir da Sicília acaso ela ousasse falar algo a respeito. Eu precisava da ajuda dela para o esquecer, e não para me lembrar dele.
Entretanto, eu tomei um susto quando vi aquele homenzarrão atravessar a rua vindo em minha direção. Cheguei a pensar em correr, fugir, mas vendo o tamanho das pernas daquela criatura, ele me alcançaria rápido. E honestamente, ter mais um problema com outra máfia é realmente não ter nenhum amor a si mesma, e como minha amiga me disse, o melhor a fazer é obedecer.
Foi então que eu o vi. Meu coração disparou diante da presença dele mesmo ao longe. E com medo de ele se aproximar, eu me transformei. Não tinha mais medo de fugir. Não tinha nem medo de enfrentar Lucca. Eu ia mostrar que estava bem alimentando a raiva dentro de mim.
― Bom dia, princesa ― Lucca me cumprimenta assim que se aproxima, me dá um beijo na testa como se fôssemos amigos. ― O que está fazendo aqui?
O que eu estou fazendo aqui?
Calma, Rebeca. Lembre-se quem ele é e que quem te sacaneou foi o outro.
― Trabalhando ― Queria dizer que diferente dele eu ralo honestamente, mas mordi a língua. ― O que o senhor faz aqui?
Ele abre um sorriso desdenhoso.
― Senhor está no céu, e estava passando por aqui quando te vi. ― Que mentira! ― Por que está trabalhando? O dinheiro que eu te dei já acabou?
Olha o que vai responder, Rebeca.
― Não, doutor Lucca. Eu ainda tenho quase todo o dinheiro que o sen... você me deu. ― Até que usei um pouco porque na primeira semana que eu terminei a mentira do relacionamento, fiquei muito mal e não tive condições de trabalhar. ― Eu preciso me sentir útil. Não gosto de depender de ninguém.
Ele olha para mim como se aquilo fosse algo de outro mundo.... Trabalhar? Se sentir útil e não depender de ninguém? Deve ser realmente algo incutido em minha mente quando fui abduzida.
― Posso? ― ele aponta para a bandeja com todos os doces perfeitamente embalados e eu assinto. Esse homem tem problemas com açúcar. ― E aí, como você está?
Será que ficaria feio se eu o mandasse para o inferno?
― Bem. ― Não quero me estender, sonhando que ele vá embora.
― Você não voltou ao médico depois da internação para um check-up. ― Fala sério! ― Será que eu posso acreditar que você vai tirar uma hora para ir ao médico essa semana? Não posso sonhar em te ver doente novamente, e mesmo ainda linda, percebo que está mais magra.
Só me faltava essa.
― Vou tentar, doutor Lucca ― respondo gentilmente enquanto ele desfruta de mais uma trufa.
― Já pedi para tirar o doutor, o senhor e todos esses tratamentos formais, Rebeca. Nesse exato momento sou apenas um transeunte que parei para comer algo tão saboroso quanto seus doces ― ele abre um sorriso, pisca o olho e pega mais um. ― Além disso, nós já saímos e nos divertimos muito como bons amigos.
Até você fazer uma chacina na porta da minha casa e se mostrar um monstro pior que todos que já conheci, e olha que de monstro eu conheço de enxurrada.
― E aí? Posso acreditar que você vai fazer um check-up, comprar umas roupas mais bonitas, se dar o luxo de viver um pouco? Já sabe que pode me ligar a qualquer hora na falta do que for.
Comprando a pobretona aqui ou arrumando para presente?
― Qual o seu problema? ― Eu já estava ficando de saco cheio de tanta hipocrisia. ― É consciência pesada que te atinge para me tratar assim? Ou foi seu irmãozinho filho da puta que resolveu me monitorar ao longe e está te usando como usou a mim? ― Ele arqueia as sobrancelhas mostrando uma leve irritação. ― Não podem simplesmente me esquecer? Eu sei que nessa merda vocês mandam, mas caralho, não podem me ignorar? Fazer de conta que sou um inseto que no dia que vocês quiserem, me esmagarão.
Rebeca, você pirou de vez! Pediu pra morrer.
Lucca pega mais um doce depois de fazer um bico, e o come como se eu tivesse sido uma brisa, porque se eu realmente fosse um inseto, o incomodaria.
― Bem, eu tenho um monte de problemas e você não está neles, posso garantir. ― Ele falava como se aquilo fosse uma conversa normal. ― Além disso, eu não sofro de consciência pesada por nada do que eu faço, fiz ou pretendo fazer. Esse tipo de sentimento, se é que eu posso dizer, não me pertence.
Você é um monstro que gosta de sê-lo.
― Só não gostei de ter chamado minha mãe de puta. ― Seu tom mudou para algo mais firme. ― Então, passando para avisar que você pode xingar meu irmão de canalha, idiota, imbecil ou qualquer outra palavra que lhe vier a mente, já disse que com ele você se entende, até porque eu também acho, mas não coloque minha mãe no meio. ― Aquilo foi uma ameaça?
Merda, Rebeca, é a mãe dele. Ela pode até ser a genitora desses delinquentes, mas ainda é a mãe.
― Desculpa. ― Reconheci meu erro mesmo com raiva por tê-lo cometido. Paciência.
Ele abriu um sorriso que seria lindo se eu não soubesse o caráter do seu dono.
― E com relação ao inseto, se eu pudesse imaginá-la como um, pensaria em você com uma borboleta linda, rara e que precisa de proteção. ― Ele aponta para si mesmo. ― E eu sou um grande filantropo.
Era impressionante seu cinismo.
― Não preciso de sua compaixão. Não preciso que tenha pena de mim e muito menos de seu dinheiro.
Ele abre a carteira e tira algumas notas de cem euros como se aqueles doces valessem aquilo tudo.
― Não tenho a menor pena de você, Rebeca. Aliás, pelo que já fez e pela coragem de falar como você fala, pena é a última coisa que eu sentiria por você. ― Completa. ― Dinheiro, todo mundo precisa mesmo quem tem sobrando. ― Babaca. ― E sabe de uma coisa, adoro seu atrevimento, princesa, e juro que se não fossem as condições adversas, torceria para te ter como cunhada.
Condições adversas? O que seria isso a não ser eu ser pobre, filha de ninguém, fodida e fugitiva?
― Você tem alguma embalagem para eu levar tudo? ― Aponta para a bandeja com todos os doces expostos. ― Aquela coisa que está me esperando no carro brigará se eu não levar nada para ele.
Sorri.
Gosta do meu atrevimento? Então toma essa, idiota. E de propósito, viro a bandeja deixando todos os doces caírem.
― Ups, caiu. ― Falo cinicamente e ele olha para os doces perdidos no chão e então me encara com um sorriso de Alice.
Esse prejuízo foi gratificante.
Ele riu. Riu?
― Que pena! ― Diz e eu não sabia quem era mais cínico. ― Matteo iria adorar matar a saudade de seu doce tão tentador, mas seu medo por mim fez tremer essa mãozinha que eu imagino ser muito macia e acabou por deixar cair guloseimas tão saborosas.
― Não é. ― Eu não sabia para onde tinha ido meu juízo, e ainda silenciei minha consciência. ― Quem sabe se você não aparecer assim, tão de repente, ainda mais acompanhado do imbecil do seu irmão, coisa que concordamos, isso possa não acontecer.
Ele soltou uma gargalhada ruidosa.
― Gente, eu adoro você, de verdade. ― Sério isso! ― Você tem sangue de mafiosa nas veias, como se tivesse nascido pra coisa.
― A vida me fez assim. Sou apenas uma sobrevivente. ― Rebato e ele confirma.
― Bom, prometo que da próxima vez não a assustarei e ainda a convidarei para almoçar. Infelizmente estou com pressa agora. ― Ele me entrega o dinheiro e eu até penso em negar, mas pego e ainda conto nota por nota como se eu estivesse confirmando o valor, isso o faz rir ainda mais. ― Pena de você...? Nem em pensamento ― sussurra e me dá um beijo no rosto se despedindo.
Juro que tive vontade de rir, mas não dei esse gosto. Lucca poderia ser ruim, mas eu gostava dele, do jeito dele. Infelizmente o irmão era meu pesadelo.
***
Aquela semana começou cedo com alguém tocando batendo à minha porta. Eu já estava acordada, me preparando para sair quando abri a porta e me deparo com uma mulher vestida de branco.
― Bom dia. ― Cumprimenta e eu mal-educada por estar sendo incomodada aquela hora do dia, ignoro. ― Senhorita Monteiro? ― Quem porra queria saber? ― Trabalho com doutor Bianchini.
― Não conheço ― e tento fechar a porta.
― Por favor, senhora. Meu chefe me mandou coletar sangue da senhora para fazer exames. ― Merda. Lembrei-me de Lucca e sua ordem que eu não cumpri.
Foda-se.
― Eu não pedi ― digo, sabendo que aquilo poderia ter como consequência a visita inesperada daquele infeliz.
É isso que você quer? Não, mas foda-se.
― Imagino, mas sabe como é que é? ― A enfermeira chega a tremer a voz.
― Não, não sei. ― Respondo ironicamente dando uma de desentendida. ― Infelizmente não a conheço, não conheço nenhum doutor Bianchini, e muito menos permitirei que tirem sangue de mim.
Olho para o carro estacionado do lado de fora e vejo o logo da clínica que eu fui internada.
Merda! Pior que eu sei que isso tem dedo de Matteo, não de Lucca. Quem sabe seja por isso que estou mais arredia em obedecer.
― Por favor, senhorita. Meu patrão me pediu que eu não saísse daqui sem levar sangue para análises laboratoriais. E juro que meu emprego depende disso. ― A garota parecia aterrorizada com a possibilidade de não o conseguir fazer. ― Por favor.
Gente, como esses mafiosos de merda podem interferir tanto em minha vida.
― Vai ser rápido?
― Não mais que dez minutos.
A enfermeira aferiu minha pressão, minha temperatura, verificou meu peso, e ainda me fez um monte de perguntas antes de encher três tubinhos de sangue. Terminou informando que eu deveria receber o laudo em no máximo quatro dias como paciente anônima dando de ombros com o fato de sequer colocar uma identificação na ficha, ou mesmo pedir algum documento fosse algo comum.
"Michele deixou bem claro o acesso que eles tinham a todo o sistema de justiça [...] Isso é o que há de mais fácil" Se o sistema de justiça era fácil, imagino que é mamão com açúcar o sistema de um laboratório de sangue.
Depois daquilo, eu saí para trabalhar, e por incrível que pareça, a garota ainda me ofereceu carona, contente por eu tê-la ajudado quando sequer esperava que meu sangue valesse alguma coisa.
Parecia mais um dia como qualquer outro. Parecia...
Quando eu voltei para casa, me deparei com Marco, o tal motorista que me ofereceu carona quando saí da fazenda desolada da primeira vez que transei com o energúmeno, mostrando o quanto tudo foi manipulado por ele.
Quanto mais eu descubro as coisas, mais raiva eu tenho por ter sido tão idiota.
Ele veio me buscar para me encontrar com Lucca, que para não me assustar, mandou seu capanga me levar. Até pensei em dizer não, mas ele ameaçou me levar nem que fosse arrastada.
Então, fui do jeito que estava: suja, fedida e descabelada.
E para onde Marco me levou? Para um salão onde havia quatro mulheres de prontidão me esperando para me produzir.
Dessa vez eu sequer pensei em negar. Qual mulher não quer ser mimada?
Elas me arrumaram deixando-me linda a ponto de eu sequer me reconhecer. Claro que eu adorei, mas não daria esse gosto para o infeliz até mesmo quando ele entrou no salão a minha procura e não mediu elogios ao me ver.
Ignorei.
― Posso saber por que isso? ― Ríspida.
― Não posso convidar minha protegida para jantar? Ainda mais depois que ela me obedeceu ao fazer os exames que eu tanto pedi? ― Pediu?
Ele abre um sorriso de lado.
― Vá a merda, Lucca! ― Ele caiu na gargalhada ignorando minha grosseria.
― Ao seu lado? Com todo prazer. ― E ainda ironiza.
Sabe o que mais eu detestava em Lucca? Era que ele era o oposto de Matteo. Seu senso de humor era irritantemente alto e eu tinha virado um alvo.
Acho que eu era um problema para os irmãos Mancini. Ambos não gostavam de ser desafiados e eu parecia que era o maior desafio deles. Matteo fez de tudo para me levar para cama. Lucca era.. não sei o que eu era. Acho que ele queria me provar que me dobrava sem impor sua maldade mesmo impondo suas vontades.
― Toma ― ele me passa a chave do carro. ― Adoro que dirijam para mim ― e caminha em direção ao lado do carona.
Sério isso? Eu poderia até me sentir empolgada em dirigir novamente aquela máquina potente que ele tinha, só que eu havia virado um desafio, e estava começando a ter prazer nisso tanto quanto ele.
― Estou um pouco lenta, enjoada e fraca com a quantidade de sangue que retiraram de mim hoje de manhã ― e devolvi jogando com uma força desnecessária a chave do carro.
Minha consciência já não me acusava de louca suicida. E aquele sorriso cínico me encorajava.
Ele ligou o carro. Ele acelerou aquele motor maravilhosamente potente...
Senhor, amado. Juro que eu pensei que iria morrer. Lucca dirigia como um louco. Ele era o louco suicida que me levaria junto.
Agora eu entendia porque Matteo não deixava o irmão dirigir para ele. Eu já tinha me arrependido de não ter aceitado ser sua motorista. Tentava fazer de conta que estava tranquila enquanto segurava meu cu na mão, principalmente depois que ele fez um cavalo de pau numa rua estreita.
Contive meu grito de desespero.
― Peguei o caminho errado ― diz, quando acelera, pegando a rodovia principal e costurando a pista cortando todos. ― Está tudo bem?
Bem mal.
― Perfeitamente bem ― respondi ao fazer um esforço hercúleo em não permitir a voz sair tremida.
Aquele sorrisinho estampado no rosto era uma afronta.
Nós jantamos em um restaurante agradável, sofisticado e discreto em um bairro residencial de Palermo. Quem olhasse de longe, parecia que éramos dois amigos quando tudo não passava de um grande fingimento, ao menos para mim. Ele pediu uma garrafa de vinho premiado da vinícola que ele fez questão de dizer que pertencia a família dele, e diferente do irmão, ele sorriu ao me ouvir dizer que o vinho era horrível e amargo demais.
― Pior que é mesmo ― concordou mesmo tomando-o toda sozinho.
Claro que na hora de voltar, ele me mostrou a chave perguntando silenciosamente se eu dirigiria. Lógico, se sóbrio era maluco, imagina bêbado.
― Imagino que depois de bem alimentada, sua fraqueza deve ter desaparecido, não? ― Mais uma batalha vencida, doutor Lucca.
― Sim, estou melhor, obrigada. ― Juro que peguei a chave como se ela fosse uma tábua de salvação.
Dessa vez e para minha sorte, não havia ninguém na minha rua quando eu cheguei, e Lucca me fez o favor de não me acompanhar até em casa, se mandando assim que entrei.
Me chamem de safada... mas eu adorei a noite.
***
Eu voltei do trabalho um pouco mais cedo que o normal naquela tarde. Estava me sentindo um pouco cansada, sonolenta demais a ponto de desejar dormir, tanto que foi isso que eu fiz.
Acordei com alguém batendo a porta. Aliás, ultimamente isso tem sido um pouco mais constante.
― Já vou. ― digo, irritada com o fato de ter sido acordada quando eu nunca durmo. ― Doutor Bianchini? ― O que um médico como ele estaria fazendo ali, na minha casa?
― Boa tarde, Rebeca. ― cumprimenta-me entrando quando sequer eu o convidei. ― Precisamos conversar sobre o resultado de seu exame.
Merda! Vou morrer.
Antepenúltimo capítulo.
Não sei vocês, mas adoro Lucca e Rebeca juntos.
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