Capítulo 17
Matteo
Chegamos pontualmente às oito da noite na casa de Andrea. Mesmo para algo informal e somente para poucos convidados, tudo estava exageradamente arrumado para o que seria uma festa de boas-vindas.
Graziella, linda em um vestido longo, decotado e com uma abertura na perna que ia até a metade da coxa, recebia elogios ao recepcionar os convidados. Seus pais também recebiam os cumprimentos mesmo um pouco afastados, deixando que a filha fosse o centro total das atenções.
Nos aproximamos – eu, mamãe, papai e Lucca. Ela, educadamente, falou com cada um deles até parar diante de mim.
A partir daquela noite, estaríamos oficialmente comprometidos. Uma formalização de algo que já estávamos destinados. Agora era esperar o tempo para o noivado e o casamento, algo que deveria acontecer em, no máximo, seis meses.
― Oi, Matteo ― seu beijo em meu rosto próximo aos lábios é uma demonstração do papel que vamos interpretar a partir de agora. ― Feliz em te ver ― diz, limpando provavelmente a marca do batom em meu rosto.
― Você está linda, Graziella ― elogio. Ela realmente era uma mulher linda, atraente.
― Obrigada. Você também. ― Ela entrelaça seu braço ao meu e entramos no salão onde se daria o jantar de recepção.
A mesa grande, decorada com flores e velas de um excelente bom-gosto, cabia cerca de trinta pessoas. Mesmo que aquela novela fosse conhecida por todos da corporação, tia Paola tinha parentes muito próximos que sequer tinham conhecimento do que nós erámos além de ricos latifundiários dono da melhor vinícola do país.
A maioria já estava ali apreciando das entradas e petiscos, regado ao nosso vinho da safra de 88, uma das melhores.
Graziella, como uma perfeita anfitriã, apresenta-me a alguns de seus parentes, cumprimento outros enquanto fala de suas últimas semanas.
― Fui convidada para abrir a coleção de inverno de uma rede de lojas. Gostaria da tua opinião antes de dar uma resposta ― pergunta-me mesmo sabendo o que, tanto eu quanto o pai dela, pensamos.
― Já sabe o que eu penso sobre isso, Graziella. Não acredito que a imagem de esposa de empresário seja compatível com alguém que se despe diante de câmeras ― respondo calmamente entre cumprimentos cordiais.
― Roupas de inverno geralmente são compostas ― alega como se aquilo fosse me convencer.
Meu sorriso não fora de alegria e eu demonstrei através do meu olhar.
― Desculpa. ― Fala. ― Vou declinar o convite.
― Melhor. ― Ela aperta meu braço ao ver um casal que acabara de chegar. ― Você poderia continuar com essa vida de modelo, mas optou por outra. Essa outra que exigirá muito de você. Mama já não aguenta participar de todos os eventos que a ela lhe é exigido assim como sua mãe ― lembro-a de suas atribuições.
Mama é a nossa maior propaganda. Mama é a cara do nosso negócio. Ela é quem vai a todos os eventos sociais, sendo beneficentes ou não e cansou. Precisamos agora de um rosto jovem, bonito e conhecido.
― Eu sei, tenho consciência disso ― fala como se aquilo fosse ser um sacrifício. Graziella é fútil e adora ser bajulada por todos à sua volta.
― Você terá muito trabalho, Graziella ― digo, enquanto cumprimento os recém-chegados. ― Estamos aumentando ainda mais nossa zona de atuação – temos construtoras e imobiliárias. Estamos pensando em investir em uma empresa de táxi aéreo e logística.
E com elas, melhorar a forma de lavar o dinheiro sem precisar tanto dos outros. Claro que quando crescemos, todos crescem, é natural. Acontece que desde que eu assumi a vinícola e estou sendo preparado para assumir a direção da máfia, quero mais.
Sou ambicioso, sem sombra de dúvida, e mesmo que a organização seja uma máquina perfeita, onde todos ajudam, nos deparamos com peças que precisam de reposição, assim como foi com Antonio, e nem sempre conseguimos alguém para substituir de nossa confiança, colocando sobre as costas de outro já sobrecarregado aquilo que ficou perdido. Acontece que quando um cresce de mais, outro se sente inferiorizado e aí que começam as divergências. É como qualquer empresa onde o funcionário vira gerente e o seu coordenador acha que tem mais competência e em vez de lutar para ter mais espaço, começa a boicotar...
Tampouco acho que concentrar tudo em minhas mãos é eficiente. Isso seria burrice, mas diversificar, aumentar as oportunidades, acalma o desejo desenfreado de sempre querer mais, principalmente dos mais jovens, esses que não medem as consequências de seus atos.
― Meu pai comentou ― sussurra.
― Imaginei ―mesmo consciente que deve ter sido algo por cima.
O jantar foi regado a conversas tolas e sem conteúdo onde as mulheres dominavam o assunto. Como alguns ali não tinham o menor conhecimento dos nossos negócios escusos, nos abstemos a conversar sobre amenidades e coisas do dia a dia.
Uma garçonete chamou-me a atenção: morena, cabelos escuros presos em um coque, nariz arrebitado e um sorriso sem exagero serve-nos, lembrando-me daquela moleca que me insultou. Às vezes eu sentia um ódio visceral por tudo que ela me fez; outras vezes eu me via rindo sozinho ao lembrar da sua audácia. Só que hoje, eu sentia estranhamente compadecido por saber que uma garota como ela pode ter sido abusada, e consciente que sendo estrangeira não teria forças contra seu agressor, por isso ela se isolou.
E naquele instante, eu desejei que fosse ela ali, atendendo-nos. Eu, provavelmente, faria ela me servir, olhando em meus olhos depois de pedir desculpas por ter me insultado. Quem sabe eu a enviasse de volta ao país de origem dela. Sabendo de seus traumas, eu não exigiria sexo, ou sim, não sei. Um corpo daquele, naquela mistura perfeita café com leite era por demais atraente.
Lucca deve ter razão: eu estou ficando louco.
Depois do jantar, Graziella me chamou para caminhar pelo jardim. Não que eu estivesse com disposição de ouvi-la já que sua voz era por demais irritante, mas aceitei de bom grado.
― Acho que precisamos conversar de forma sincera e objetiva ― Não que eu tivesse gostado do tom, mas não posso negar que me impressionei com seu jeito autoritário de falar, até porque estávamos sozinhos.
― Diga. Sou todo ouvidos.
― Nós sabemos o que há por trás dessa nossa obrigação. ― Será que ela não era tão burra assim? ― A família, depois da morte do vovô, nunca aceitou de bom grado seu pai assumir a liderança da máfia. ― Não é burra quanto eu pensava. ― Ele não é um Mancinni de sangue, coisa que todos que fazem parte da cúpula são. Entretanto, vovô deixou para seu pai a liderança já que sua única herdeira era tia Francesca. Claro que ele poderia passar a liderança para meu pai, seu sobrinho, e quem sabe fosse esse seu desejo, entretanto sabemos que papai é fraco demais para tomar determinadas decisões que somente alguém como seu pai, você, é capaz.
Graziella era esperta.
― Não sei se considerar seu pai fraco seja a melhor definição. ― Ironizo. ― Seu pai não é o conselheiro à toa.
Ela solta uma risada irônica.
― Estratégia para manter a todos que não concordam quietos. ― Nunca que poderia imaginar que Graziella era uma mulher assim – astuta, fria e inteligente, bem diferente da burra, infantil e imatura que passa impressão. ― Nosso casamento é somente uma forma de acalmar ainda mais os ânimos.
― Estou impressionado, Graziella. ― Não menti. ― Aonde você quer chegar com isso, porque é fato que eu assumirei tudo e eu tenho o sangue dos Mancinni nas veias.
Ela pega minha mão e passa a unha pela veia do meu pulso.
― Eu sei, mas ainda é jovem demais. Muitos dinossauros que estão ali não querem um garoto liderando-os, ou seja, teremos muito do seu pai ainda. ― Interessante e verdadeiro de uma forma nua e crua. ― Eu e você só é a certeza que nossos pais estão unidos. Isso foi planejado pelo seu avô que sentia a resistência de antemão quando pensou em colocar Giancarlo na liderança.
― Não sei ― não concordo nem discordo mesmo sabendo que ela está coberta de razão.
De frente a mim, olhando em meus olhos já que ela de saltos altos chega à quase minha altura – 1,86m – diz:
― Eu gosto de você, de verdade. Gosto do seu jeito, de sua forma autoritária, gosto de ver a forma como age, pensa, faz. Você é a antítese de meu pai e uma versão ainda mais aprimorada do seu. ― Naquele momento eu percebi que Graziella era uma mulher tão ambiciosa quanto eu. E eu não sabia até que ponto.
― Se sabe quem eu sou, recomendo cuidado com suas palavras. ― Eu precisava pôr um freio em sua ambição. Alguém como ela pode ser até perigosa o que não seria um defeito se seu veneno não for despendido em mim.
― Eu poderia seguir minha carreira de modelo. ― Alega. ― Eu poderia me afastar de tudo isso, contudo, estou aqui, ao seu lado, para te fazer um homem ainda mais temido.
Ri.
― Se vamos falar sério, que tal começarmos com sua carreira que foi comprada pelos seus pais ao pagar fortunas para colocá-la nas melhores passarelas? ― Seu sorriso desaparece. ― Se vamos falar da sua carreira, que tal lembrar do fiasco que foi suas passagens pela atuação, mesmo que em propagandas, que é de conhecimento de todos, de empresas cujo empresários atuam em nossa organização. ― Ela chega a crispar os lábios.
Ela tem que saber que é do meu conhecimento cada passo que dá.
― Pode ser que você tenha razão, Matteo. ― Muda até o tom de voz. ― Não vou dizer que muito do que eu conquistei não tenha sido comprado. Mas eu gosto disso – de comprar, ser bajulada, paparicada. Meu lado fútil e ambicioso gosta desse poder que eu tenho e que eu vejo que terei mais se ficar ao seu lado. ― Interessante e irritante ao mesmo tempo.
― Gosto da sua honestidade, Graziella, mas não gosto de pensar que estou sendo ameaçado, coagido ou sei lá o que você pretende.
Ela volta a erguer a cabeça, querendo medir forças comigo.
― Não quero que pense que serei uma esposa como minha mãe – alienada, fútil e tola todo o tempo. ― Continua seu discurso. ― Quero ser como sua mãe – forte, que é ouvida e respeitada pelas decisões mesmo que diante de todos, pareça ser uma mulher dominada e subserviente.
Olha as garras.
― Minha mãe é ouvida porque ela sabe principalmente quando falar e o que falar. ― Vamos deixar minha mãe fora disso. ― Minha mãe é a imagem da família perante a sociedade. Ela é respeitada porque se dá ao respeito, porque sabe se comunicar. ― Minha mãe é uma mulher totalmente diferente de tudo que Graziella é. ― Mas continue, Graziella. Coloque as cartas na mesa. Vamos lá! Quero ouvi-la, saber o que pensa, o que quer, o que deseja.
É bom saber o que aquela mulher quer de verdade por trás da capa de bonequinha.
― Eu não quero ser humilhada na frente de ninguém como você fez com meus pais. ― Ela estava magoada.
Pobrezinha.
Pouco me importa.
― Então não me humilhe, fale por mim ou tente me sobrepor em qualquer coisa que eu não a humilharei. ― Ela se desarma assim como eu. Começar um relacionamento, mesmo que de fachada, como se fossemos dois inimigos não é algo que eu queira ― Eu a quero ao meu lado. Uma mulher que além de linda é forte, inteligente e dedicada à família, à casa e aos negócios que competem a ela. E creia, agora você se mostrou alguém bem capacitada para isso. Acho que juntos, podemos ir ainda mais longe, mas não com essa imposição. Ganhe seu espaço, ganhe minha confiança e eu não tenho porque te excluir em nada da minha vida.
Ela abriu um sorriso de quem recebera um grande elogio, o que de fato era.
― Quero também outra coisa. ― Sempre é assim... quer mais, e mais.
― Diga-me o que deseja e eu pensarei se posso ceder.
― Fidelidade. ― Não que eu pensasse em traí-la, mas tampouco pensei em ouvir essa exigência. ― Eu tenho certeza de que sou linda, gostosa e pretendo satisfazê-lo em suas necessidades tanto quanto eu quero ser. Eu não gostaria de saber que você busca fora de casa aquilo que deve ter comigo. Não quero sonhar em ser mais uma mulher cujo marido transa na rua, tem amante enquanto a esposa, em casa, aceita de olhos fechados tal situação como se fosse algo natural. ― Sorri. ― Não quero ser uma mulher colocada de escanteio. Quero ser a mulher.
Ela se aproxima, põe a mão em minha cabeça, fazendo um carinho.
― Eu sei que durante todo esse tempo, você saiu com prostitutas. Nunca houve qualquer mulher em sua vida, por mais breve que tenha sido. E eu me guardei para você, por incrível que pareça.
Não posso contestar, até porque eu nunca soube. Mas é sabido que durante sua estada em vários países fora da Itália, ela ficou muito tempo sem qualquer companhia, e participou de festas e encontros muitas vezes reservados. Não que eu procurasse saber, até porque se eu transava com outras, ela tinha esse direito.
Mesmo eu sendo machista, não sou retrógrado.
― A princípio, Graziella, eu não tenho porque te negar isso. Gosto de sexo, muito, mas não sou mais alguém inconsequente que age pelos hormônios. Eu sou um homem, não um adolescente. ― Olho para ela de cima a baixo. ― Você continua sendo uma mulher muito gostosa e eu continuo te desejando do mesmo jeito.
Ela cola seu corpo ao meu, encostando seus lábios.
― Entretanto ― ela me olha nos olhos sem entender ―, por conta dessa sua exigência, durante todo o tempo que estivermos juntos até a data de casamento, não teremos nada. Continuarei a buscar em outras mulheres aquilo que minha noiva imaculada só terá depois do casamento.
Ela arregalou os olhos desacreditada.
― Você não pode estar falando sério! ― briga, afastando-se de mim.
― Quero que você entenda bem que nada que você exigir, vai conseguir com essa sua imposição. Eu não pensei em me casar e ter amantes, até porque eu nunca tive outra mulher que não fosse somente para transar mesmo que eu e você não tivéssemos qualquer compromisso.
― Eu mato, Matteo. Juro que eu mando matar essa mulher ― odeio ameaças.
― Mande. A mim, elas não importam. Mate a todas se assim desejar. ― Desdenho sabendo que aquilo a irrita.
Graziella tem que saber que as coisas comigo tem que ser do meu jeito. Meus pais são os únicos que não recebem ordens minhas, e Lucca até recebe, mas pode facilmente desobedecer, o que é raro, diga-se de passagem. Graziella não. Nem ela, nem ninguém.
― Agora vamos voltar para a casa. Não quero seus pais me infernizando e querendo adiantar algo que já está às portas.
Ela para, olhando em minha direção, ainda estarrecida.
― Mais alguma coisa, namorada? ― cínico.
― Não, senhor meu futuro marido ― ironiza e mesmo que eu odeie, o aceito de bom grado tanto que estendo minha mão para que ela a pegue.
― Temos tudo para dar certo, Graziella. Somos, antes de tudo, família. Sangue do mesmo sangue. Você vai continuar interpretando, sorrindo, acenando como quem desfila profissionalmente, mesmo que seus pés estejam te matando. Você só não pode esquecer que eu não preciso de você para ser algo que eu já sou. Então ― sussurro em seu ouvido assim que entramos no salão. ― Seja inteligente como teu pai e você só ganhará ainda mais, muito mais do que você já tem.
E dou um beijo em seu rosto, despedindo-me dela.
***
― Você não vai fazer isso mesmo, vai? ― Lucca está tentando me convencer a não o fazer.
Há dias que Marco está na cola de Rebeca. Todos os dias ela, sai de casa antes das seis da manhã e volta perto das oito da noite. Nunca tem itinerário fixo, apenas leva doces variados para vender em feiras, portas de escolas, e algumas vezes ela deixa em alguma lanchonete. Sua rotina não inclui diversão, somente quando a amiga aparece, e mesmo assim se restringe a ir à praça e comer comida de rua.
Mora em uma vila com algumas casas, sendo que a dela é a primeira. O lugar não é tão perigoso como eu imaginava, mas tampouco fica longe da pior região, onde há brigas constantes por espaço, por isso Marco me recomendou a não ir com um dos meus carros.
"O senhor não gostaria de atrair olhares ao parar com uma Ferrari" e como eu quero ir sozinho, e não chamar a atenção, vou com um Fiat 500 ano 2016.
― Matteo, você está ficando irracional ― Entro no carro ignorando meu irmão. ― Eu vou com você.
― Não! ― Ele para. ― Prometo não demorar. Marco, esse carro tem localizador, não tem? ― Ele confirma. ― Eu ligo pra você caso precise de ajuda.
Saio dali estranhando o câmbio, o tamanho do carro, a falta de potência, a aceleração que não responde e para piorar, uma chuva torrencial que a medida que seguia para o sul, diminuía gradativamente, mas o estrago nas ruas já estava feito.
Eu já tinha planejado tudo: me apresentaria, diria que fora eu o responsável pela proposta, que não gostei da forma como ela me respondeu, a obrigaria a pedir desculpas e se ela fosse amável como a perua depenada disse que ela era, eu a mandaria de volta ao Brasil acaso fosse o desejo dela.
Era pouco antes das sete quando cheguei à Villagrazia. Infelizmente, antes de pegar à direita, eu não vi a porra de um buraco já que a pista estava toda cheia de água, o que fez estourar o pneu, obrigando-me a encostar.
― Caralho! ― reclamo, xingo e tenho ainda mais raiva de mim e daquela criatura, somente por eu estar ali, passando por aquela situação. ― Merda!
Irritado, pego o celular para chamar Marco já que não pretendia trocar porra de pneu de carro nenhum, xingando Lucca que todo tempo dizia que não ia dar certo, até que ouço uma voz me chamar.
― Matteo! ― e ao olhar, vejo o motivo da minha irracionalidade ali, diante de mim.
Ela à luz do dia, sem olheiras e vestida de calça jeans que só beneficiava seu corpo, camiseta azul clara e tênis, ainda estava mais bonita.
― Oi, Rebeca ― e desliguei o telefone.
São 23:37 do sábado... Dois capítulos por semana como prometido.
Xêro e um bom domingo pra vocês
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