Capítulo 15
Rebeca
― Você é louca? ― Cat briga comigo depois de saber tudo que passou. ― Eu não consigo acreditar, Rebeca!
Eu que não consigo acreditar.
― Cat, estou cansada, esgotada. Não quero mais falar sobre isso.
Estou acomodada em minha casa depois de ter acordado em uma cama macia, redonda. A princípio não sabia onde estava, mas quando me dei conta, estava na parte inacessível do puteiro para alguém como eu.
Aí veio a lembrança da proposta e eu só pensava que o tal cliente apareceria e me tomaria à força.
Fugi, o que não fora difícil já que os seguranças do lugar gostavam de mim.
― Desculpa, amiga. É só que eu me preocupo com você ― diz, sentando-se ao meu lado, fazendo-me um carinho que eu recebo com prazer.
― Eu sei, Cat. ― Ela segura minha mão. ― Já passou.
― Ainda dói a cabeça? ― pergunta-me e eu nego, lembrando-me da pontada que senti antes de apagar. ― Liguei para Alessia assim que deixaram na portaria um envelope para você. Como eu não conseguia falar com você, recorri a ela que me contou que você tinha sido demitida por uso de drogas dentro do estabelecimento.
Claro que eu passaria pela problemática.
― Você acreditou?
― Lógico que não! Mas eu sabia daquela porcaria que você estava tomando e que é cheia de efeitos adversos. ― Ela beija minha mão. ― Eu temi que você...
Me emociono ao ver sua preocupação por mim quando eu não fui totalmente sincera com ela.
― Eu estou bem, de verdade. Reconheço que abusei um pouco, mas também foi muita coisa junta.
Ela abre um sorriso e olha para mim e eu já sei: lá vem merda.
― Como você manda Martinelli se foder? ― Sorri. ― Não sei como ele não enfartou. ― Seria cômico se não fosse trágico.
― Eu não o conhecia até hoje de manhã, Cat. Ele nunca teve a decência de sequer saber quem sou eu, olhar na minha cara. ― Ela revira os olhos como se aquilo fosse algo natural – contratar e não conhecer quem trabalha para si. ― Aquele babaca intragável, nojento, contador de história barata, veio tentar me convencer sobre algo que eu não concordo, não quero, não aceito.
Cat olha para as unhas e eu percebo que a constrangi.
― Cat, me perdoe. Você sabe que eu não te julgo nem nunca te julguei pelo que você faz. Mas eu já te disse inúmeras vezes que você precisa se valorizar, que você não é só um corpo que alguém paga para usufruir e depois some. ― Ela abre um sorriso de lado e confirma.
― Eu sei, amiga. Eu só não tive escolhas quando comecei ― não nego para não entrar em detalhes da minha vida pregressa, mas sempre há escolhas. ― Não pense que eu gostava de fazer o que eu fazia. ― fazia? ― Hoje tenho minhas regras e até escolhas. ― Contesta como se tivesse lido meus pensamentos. ― Só que eu gosto muito mais do dinheiro que eu recebo. Eu adoro comprar, ter. ― É a conversa de todas. ― Eu não sou desapegada como você.
Eu não sou desapegada, longe disso, entretanto eu precisei aprender se eu quisesse viver.
― Você é alguém iluminada ― termina e eu só penso que minha vida é uma grande mentira.
― Sou nada! ― Contesto. ― Acha que eu não queria ter uma vida melhor? Acha que eu não queria receber a grana da proposta e passar um tempo bem? O problema não é o sexo em si, mas o descaso de quem me convidou. O problema não está só no babaca que me colocou no mesmo patamar de um produto, ou como eu falei lá para o sapo-boi - delivery, onde ele liga e pede "boa noite, você pode me enviar a garota da limpeza para eu comer?" ― Faço toda uma encenação para ela que somente sorri. ― Também está no merda que tentou me convencer e ainda me despediu sem receber o que era meu por direito porque eu não acatei a ordem dele quando já havíamos negociado minhas atribuições. ― Ela crispa os lábios lamentando. ― Sim, mandei ele se foder e mandaria de novo. Aliás, eu mandei ele pegar o dinheiro que era meu por direito e enfiar naquele traseiro gordo que ele tem. ― Cat cai na gargalhada, negando.
Sinto um ódio mortal. Irada.
Ainda não consigo acreditar que recebi a visita ilustre do dono daquele puteiro elitizado com a proposta de satisfazer um homem que gostou da minha aparência. E que eu deveria me sentir lisonjeada por ter chamado a atenção de um cliente da sua casa tão prestigiada.
E acabei sendo demitida saindo com uma mão na frente e outra atrás depois de trabalhar quase duas semanas seguidas, quinze horas por dia.
Sinto uma pontada na cabeça somente ao lembrar de todo, mesmo sob o efeito do medicamento que eles injetaram em mim. Não que eu tivesse visto ou até sentido, mas acordei com um curativo na veia provando que me deram algo.
― Posso entrar em sua intimidade? ― Nego. ― Mesmo assim vou perguntar ― como se eu já não soubesse. ― Foi seu ex? Foi seu ex que te deixou assim, com medo de sexo?
Medo de sexo?
― Eu não tenho medo de sexo, Cat. Só não quero que alguém ache que meu corpo está a venda por qualquer preço.
― Qualquer preço? Trinta mil por uma noite somente?
― Poderia ser um milhão que eu continuaria a dizer não. ― Cat revira os olhos exageradamente. ― Esse povo, Cat, acha que por ter dinheiro, pode tudo. Nunca ouviu um não, não respeita os limites, nada. Eu não sou um produto que alguém compra, usa e depois joga fora.
― Assim como eu?
― Cat, cada um faz da sua vida o que quiser. ― Não vou repetir essa conversa, até porque estou de saco cheio. ― Você se sente bem vivendo assim? Porra, seja feliz. Eu não! E como eu respeito seu modo de vida, respeite o meu.
― Calma, Rebeca ― Ela levanta as mãos. ― Eu só estava brincando.
Eu não estou legal.
― Desculpa ― peço, chateada comigo mesmo por ter sido indelicada com minha única amiga.
― Tudo bem. Eu sei o que você sente. ― Ela se levanta e pega a bolsa. ― Eu também me senti assim insultada, na primeira vez que eu recebi uma proposta.
Até que aquilo ficou normal e virou aceitável.
― É triste saber que há pessoas tão frias. E mais triste ainda ver pessoas que para agradar a esses, prejudicam a outros. ― Ela confirma. ― Acho que de tudo que me aconteceu, o que mais me irritou foi saber que um homem se utilizou de meu chefe para negociar uma noite comigo. Não teve sequer a decência de aparecer ou dizer mesmo o nome, que somente queria que eu esperasse o motorista dele me buscar! Ah, fala sério, Cat. Eu não nasci para essa vida. O que eu quero para mim é muito mais.
― Que mais é esse, amiga? Não quero menosprezar até porque você sabe o quanto eu te amo e torço por você, mas...
― Mas o quê? Será que é muito querer, no futuro, um homem trabalhador, dedicado, educado e respeitador? Não sonho nem com um príncipe, muito menos em alguém nadando em dinheiro. ― Quem, nadando em dinheiro, se interessaria por alguém como eu? ― Não sendo acomodado e sendo meu exclusivamente já está de bom tamanho.
Ela solta um longo suspiro.
― É o que todas nós queremos, amiga. Claro que eu não rejeitaria um homem lindo e rico. ― Quem não? ― Mas por que no futuro?
Num futuro que eu possa sair sem medo de ser pega, descoberta.
― Porque o último príncipe que eu achei que tinha conhecido, se transformou em um sapo papudo, venenoso, asqueroso. Então, estou meio que correndo de qualquer coisa homem que possa aparecer em minha vida.
Inspiro fundo e me acomodo melhor na cama. Eu deveria me levantar para fazer algo que possa ganhar dinheiro, mas estou com tanto sono acumulado que só penso em dormir.
― Vejo que está com sono e cansada ― assinto. ― Eu vou deixar você, mas promete que me liga caso aconteça algo. ― Confirmo.
― Se eu não atender é porque eu estou trabalhando.
― Vai trabalhar amanhã?
― Pretendo.
― Onde?
― Ainda não sei, até porque eu vou ligar para Alberto, um dos chefs que trabalha na cozinha. Ele me contou que às vezes é contratado para cozinhar em festas, recepções, eventos e por diversas vezes me chamou, mas como eu ainda estava em fase de adaptação no trabalho, não aceitei. Vou ligar para ele e ver se ele não tem espaço pra mim.
Ela assente.
― Ah, esqueci de te entregar. ― Ela puxa algo da bolsa. ― Alguém deixou essa encomenda pra você na minha portaria.
― Pra mim?
― É.
― E quem tem seu endereço? ― Estremeci.
― Amiga, esqueceu que você deu meu endereço lá na boate? ― Não sei.
Me arrepio só com a ideia de ser de Micheli.
Será que ele me encontrou aqui?
― Abre logo, menina.
Tremendo, eu abri e qual não foi minha surpresa.
"Prezada Rebeca
Espero que esteja melhor.
Sinto pela sua demissão, afinal, você foi uma grande profissional durante o pouco tempo que trabalhou aqui conosco.
Segue o pagamento pelo mês trabalhado e um adicional pelo infortúnio, além do medicamento que o médico receitou.
Estimo melhoras e boa sorte nas suas próximas conquistas.
Atenciosamente
Alessia Gatti."
Pego aquele maço de dinheiro, contando rapidamente e vejo que eu recebi muito mais pelo adicional do que o que eu tinha direito.
Deve ter sido a consciência doendo.
― Eles me pagaram ― digo, mostrando o dinheiro para Cat que sorri e ainda me abraça.
― Viu que Martinelli não é tão ruim.
― Não foi ele quem mandou. Foi Alessia. ― Ele não faria algo assim.
― Ela não faz nada sem a ordem dele. ― Não sei o que dizer. Não acredito que um homem como Martinelli possa ter voltado atrás. Bem, não importa. Eu que não iria reclamar. Aquilo era mais que a obrigação.
Não quero esmolas, quero o que é meu por direito.
― Bem, amiga. Vou embora. Ferrante avisou que vem almoçar comigo ― e me deixa, indo se encontrar com o tal amante que só a vê como um objeto.
E eu... Eu me acomodo melhor na cama, envolta em lembranças.
***
Eu não sabia onde estava mamãe nem vovó, mas o ensaio da bateria era tão alucinante que não me preocupei.
Eu sambei.
Meus pés não se cansavam mesmos nos saltos plataformas que haviam me entregado. Era como se meus pés tivessem vida própria.
O senhor que estava à frente do ensaio, nos incentivava - éramos muitas que não perdia o rebolado.
Mas algo me chamou a atenção. Era um homem. Um homem lindo. Seu olhar sobre mim me despia. Seu sorriso sutil entregava facilmente seu desejo por mim.
Por mim?
Ele deveria estar na casa dos trinta, e eu dezessete.
E deveria ser novo ali, já que eu nunca o tinha visto antes, se bem que eu não era de frequentar semanalmente a escola de samba
Temi? Não, afinal, qual garota não gosta de chamar a atenção de um homem mais velho. Então, se eu já estava empolgada, agora eu dançava para chamar a atenção dele. Para ele.
Seu sorriso se iluminou. E o meu também.
Foi quando a música parou e o tumulto me fez o perder de vista. Até o procurei, mas quem eu encontrei foi a mamãe e o tio Jamil que estavam a minha procura para voltar pra casa.
Lamentavelmente.
Bom fim de semana para todas e até terça-feira, se Deus quiser
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro