Capítulo 14
Matteo
Os barcos pesqueiros estavam ancorando quando eu cheguei naquela manhã. A brisa suave era a promessa de um dia agradável e ensolarado, típico fim do verão.
Em silêncio, somente com dois de meus soldados que me observam de longe, já que estou sem Lucca, caminho em direção a um grupo de pescadores que estão descarregando seus barcos depois de dias em alto-mar.
Lucca ficou de me encontrar na fazenda depois de comemorar mais uma despedida de solteiro – a minha por acaso – mesmo que sem mim. Só não reclamei porque ele ficou de acertar meu encontro hoje à noite com aquela morena ousada que não saiu da minha memória. E mesmo que me cause uma certa raiva, não posso deixar de sorrir com a surpresa que ela terá ao me ver em minha fazenda, esperando-a.
― Doutor Matteo Mancinni? ― Um senhor de cabelos grisalhos, sem camisa, calça dobrada até a altura dos joelhos e chinelos, caminha em minha direção e ao estender sua mão para me cumprimentar, retorna, provavelmente ciente de suas condições de higiene como se eu me importasse.
E eu me importo, mas sei ser político, e nesse momento, eu estou precisando dele.
― Sou eu. O senhor deve ser Franco Bertini.
― Sim, doutor.
― Conseguiu recuperar a encomenda? ― Ele olha para os lados observando quem poderia nos ouvir. Franco vem de família de pescadores, que com muita dificuldade, conseguiu criar uma pequena frota de barcos pesqueiros.
― Sim, senhor.
― Alguma peça foi danificada?
― Não senhor. Condicionamos toda a mercadoria e a separamos entre nós. ― Infelizmente, com as denúncias e investigações, tivemos que mudar a forma de receber as drogas. E a forma temporária mais adequada foi pelo mar usando um grupo de pescadores inocentes. ― Posso trazer?
― Por favor. ― Eu o vejo caminhar para um dos maiores barcos atracados no pequeno cais quando sinalizo para um dos meus homens.
Só espero que os caminhões frigoríficos já tenham chegado ou ao menos estejam próximos.
Odeio atrasos.
Quatro homens caminham em minha direção, trazendo consigo um caixa grande. Por cima há peixes de todos os tamanhos, entretanto ao abrir espaço, os pacotes do pó branco perfeitamente acomodados, tomam todo o espaço.
Abro um pequeno furo e provo da droga, constatando aquilo que fora negociado – cocaína da melhor qualidade.
― Quantas caixas dessas?
― Dezesseis, senhor. Quatro caixas em cada barco.
― Assim que seus homens descarregarem, vocês receberão seu pagamento ― digo e estendo minha mão, ignorando o cheiro de peixe que empesteia o ar.
O primeiro caminhão baú refrigerado para o mais próximo da praia. Mesmo que não tenhamos a necessidade de levar os peixes, nós encomendamos tudo para acaso haja alguma vistoria breve nas rodovias por policiais que não fazem parte da nossa organização.
― Papa ― falo, assim que ele atende minha chamada. ― Encomenda recebida e enviada para nossos distribuidores.
― Perfeito, filho.
― Problemas com o carregamento? ― Como poderia ter se isso só foi do nosso conhecimento – meu, do meu pai e do Lucca.
― Não, assim como imaginamos.
Saio somente quando o último caminhão deixa a praia, e parto em direção à vinícola, em meu Lamborghini, ouvindo clássicos da ópera italiana na voz de Luciano Pavarotti.
Chego ainda cedo ao escritório. Uma reunião com nossos agrônomos me toma metade da manhã, e o tempo que sobrou, com os três enólogos à frente da vinícola. Aqui, não deveria haver qualquer coisa relacionada a máfia. Tudo que se conversa é sobre vinhos, uvas, comercialização e distribuição. Provavelmente eles sabem que nossa família está por trás da Cosa Nostra, afinal, nossos ancestrais não tinham o menor constrangimento de dizer que faziam parte. A máfia era algo elitizado, respeitado e desejado.
Hoje é marginalizado, mesmo que haja pessoas da mais alta sociedade entre nós, usufruindo das benesses que nós oferecemos. Mas isso tem um preço
Sempre tem.
Era perto do almoço quando meu irmão chega atrasado. O acordo foi me encontrar aqui ainda no meio da manhã para debatermos os acordos comerciais e ele chega perto do almoço.
― Boa tarde, Lucca. ― Cumprimento-o mostrando meu grau de irritação. ― Posso saber por que está chegando agora?
Não que eu mande em Lucca, mas mesmo que ele seja folgado, ele é bem responsável com os horários dos compromissos.
― Tive problemas. Não pude vir antes. ― Não gosto da forma como ele diz, mas também não entro em detalhes. Meus problemas já são suficientes para entrar nos dele, salvo quando ele pede conselho ou mesmo ajuda.
― Tudo certo para hoje a noite? ― Ele nega. ― Como assim? ― Não imagino o que pode ter acontecido para ele não ter fechado uma porra de uma transa com aquela morena.
― Ela não aceitou ― diz e eu juro, por tudo que há de mais sagrado, que eu jamais pensei nessa possibilidade.
― Como assim ela não aceitou? ― Ainda estava inerte.
― Não quis, não aceitou ― dá de ombros mostrando desdém quando eu sei que ele está travado, escondendo alguma coisa. ― Ela disse que não é profissional para isso.
Olho para meu irmão que não consegue esconder o desconforto que está sentindo e eu somente sorrio desacreditado.
― Bom, vamos trabalhar? ― Muda de assunto, deixando-me intrigado. ― É sério, Matteo! Rebeca não está disponível.
E eu só penso quando foi que eu ouvi uma mulher rejeitar uma grana fácil? Nunca.
― Você fez o que eu mandei? ― Ele assente, soltando um suspiro. ― Ela te viu? ― Nega.
― Eu fiz exatamente como você me pediu, Matteo. Eu estava dentro do escritório de Martinelli, assistindo pela câmera do palco toda a negociação enquanto passava as diretrizes por telefone.
― Quanto você ofereceu? ― Ele solta um suspiro extremamente irritado.
― Repito: eu fiz o que você me pediu, Matteo. Exatamente como você me pediu. Ofereci trinta mil como você sugeriu de teto máximo, começando por dez para saber até que ponto ela seria fácil de ser persuadida, comprada... Não! Nem por trinta, nem por um milhão.
Ri.
Juro que eu ri desacreditado da petulância da garota.
― Como uma porra de uma faxineira, que não deve ganhar nem mil euros por mês, pode negar uma proposta de trinta mil? ― Não tem o menor cabimento.
― Negando ― diz, como se aquilo fosse simples, comum.
― Você gravou? ― Se eu não conhecesse meu irmão, passaria despercebido a forma como contraiu os braços.
― Não. ― Mentiu.
― Não minta! ― Estendo minha mão. ― Quero assistir à negociação.
― Matteo, por favor. ― Sequer me mexo e ele solta um longo suspiro antes de me entregar o celular. ― Espero que leve na esportiva, mano.
Levar na esportiva, mano? Já sei que vou me irritar.
A câmera, mesmo que de longe, tinha uma boa resolução, e quando fora aproximada, era possível ver com clareza o sorriso cínico da garota.
Ela estava ouvindo tudo aquilo com uma ironia impressionante, mesmo que estivessem negociando.
― Trinta mil. ― Ouço a proposta de Martinelli e percebo o quanto o cara é um imbecil de primeira. Ali, ele mostrou desespero.
Qualquer um ficaria desesperado em te agradar, Matteo. Você não é um cara que leva na esportiva nada.
― Eu não estou num cardápio de delivery onde o cliente com fome, abre o aplicativo, escolhe e paga para que eu vá em sua casa me dispor à sua vontade.
Meu irmão solta uma risada e somente meu olhar o fez calar.
― Adorei ela ― sussurra como se tudo não passasse de uma piada.
A vejo o quanto ela estava a ponto de perder o controle. Suas faces rubras não eram de vergonha, mas de raiva, mesmo assim ela se controlava. Observo suas mãos que estão trêmulas e por um segundo, penso que ela vai bater em Martinelli.
No entanto, foi ele quem perdeu os controles.
― Eu precisei intervir nesse momento, Matteo. ― Lucca diz apertando a tela do celular, pausando o vídeo. ― Não aceitaria que ele a machucasse. Não é nosso modus operandi.
Mesmo com raiva, eu sabia que ele tinha razão. Ninguém é obrigado a trabalhar para nós, conosco, e uma prostituta tem direito a escolha.
Mas ela não é uma prostituta.
― Ela não é ninguém que possa nos prejudicar, pôr em risco nossa organização.
Volto a assistir ao vídeo com meu irmão já ao meu lado.
― Minha boceta ele não terá nem por dez, trinta, cem. Ele que vá à puta que pariu.
Ela pode não ser um risco à nossa organização, mas respeito é algo que eu exijo.
― Como essa filha da puta fala algo assim? ― Meu irmão abre um sorriso torto e pela cara, vem algo pior.
― Ela não sabe quem você é, ou no que você está envolvido.
― Não me venha com desculpas, Lucca. Martinelli deixou bem claro que tipo de cliente eu sou.
Ele faz um bico e ainda ergue as sobrancelhas questionando.
― Pegue meu dinheiro, Martinelli, enrole-o e todinho e enfie no seu cu ― não pude deixar de sorrir com a audácia da garota, mas isso foi por questão de segundos. ― E diga ao seu cliente perigoso que ele pode fazer o mesmo com o dinheiro dele, que por sinal, por ser muito mais, vai ser bem mais grosso, bem mais prazeroso.
A raiva que eu senti foi tão grande que eu apertei o celular do meu irmão, trincando a tela.
― Porra, Matteo! Meu iphone é novo ― reclama como se tivesse direito.
― Foda-se. Vou matar essa menina ― e quando eu digo, eu cumpro.
― Não vai não ― retruca com rispidez, tão irritado quanto eu. ― Você viu que ela tentou ser ouvida e até foi educada no início da conversa. Infelizmente, Martinelli não aceitou a resposta dela e por pouco não a agrediu. E olha que eu já tinha mandado ele parar quando ela rejeitou o dinheiro.
― E acha certo falar o que ela falou?
― Eu não acho errado ― responde. ― O corpo é dela, a vontade é dela. Se faz tanta questão de transar com ela, chame-a para sair ― como se isso fosse algo que eu quisesse. ― Se quer tanto se anunciar ou mesmo fazê-la pedir desculpas pelo quê mesmo...? ― ironiza. ― Se apresente, porra!
Volto a assistir a filmagem e vejo quando ela cai no chão. Martinelli, diante dela, ignora assim como Alessia que fazem de conta que nada aconteceu, até que meu irmão apareceu em cena para ajudá-la e a pega nos braços levando para sei-lá-onde.
― Morreu? A filha da puta morreu?
― Não. Por isso eu demorei a chegar. ― Justificativa nada plausível
― E agora resolveu ser o bonzinho. ― Sua expressão de desprezo me irrita ainda mais. ― Todo irritadinho porque uma bocuda sem educação me humilhou.
― Como ela te humilhou, Matteo, se nem sabe quem é você. ― Fala, depois de soltar um longo suspiro. ― Ela só se defendeu depois do tanto que insistiram que ela deveria se vender.
Eu odeio essa garota... e odeio mais ainda reconhecer que meu irmão tem razão. Posso ser um filho da puta, mas sou altamente racional.
― O que ela teve? ― Não que eu estivesse interessado.
― Ela teve um pico de pressão alta, provavelmente causado pelo estresse e pelo...
― Pelo?
― Nobesio. ― A garota ainda se droga usando anfetaminas. ― Há duas semanas que ela trabalha sem parar, Matteo. A pessoa que a substituiu ficou doente e provavelmente seja por isso que ela usou de subterfúgios para ficar acordada. Alessia me falou que Cat, a pessoa que a indicou, garantiu que ela não usava drogas, além de ser uma excelente profissional.
― Limpar vaso sanitário tem profissionalismo? ― ironizo.
― Não sei, tem? Pergunte a mama o quanto ela exige dos empregados para manter nossa casa impecável ― Meu irmão resolveu defender a garota. ― Ela foi demitida, você viu, mesmo que Alessia tenha me confessado o quanto ela era superprestativa. Todo mundo elogiava o jeito dela de encarar o trabalho: sempre sorrindo e alegre como se aquilo fosse a melhor coisa que acontecera em sua vida, e que por um capricho seu, ela perdeu.
Não tenho pena.
― E onde você colocou essa infeliz?
― Ela foi medicada lá mesmo, mesmo eu insistindo em pagar um hospital.
― Pagar um hospital?
― Você é o culpado pela situação dela. ― Como se eu me importasse com isso. ― Era o mínimo que eu deveria fazer.
O mínimo? Ela não deveria receber nada.
― E aí você se apresentou?
― Não. Infelizmente depois de eu ter solicitado um quarto para que ela ficasse ao menos confortável lá mesmo para descansar, ela acordou e fugiu.
Entrego o celular para ele, ou ao menos o que sobrou dele.
― Sabe que eu não vou deixar isso barato, não sabe? ―Aviso. ― Ninguém me insulta assim e sai ileso.
Ele nega, ainda olhando para o aparelho.
― E vai fazer o quê? Baixar o nível para um assassino de mulheres porque ela disse não?
― Já matei mulheres. ― Lembro-o que para nós, o sexo não faz diferença.
― Matamos. ― Se inclui. ― Nós sabemos o quanto há mulheres perigosas por aí. Mas essa aí não é ninguém, Matteo. É uma pobre coitada que caiu na sua graça.
Ela não caiu na minha graça. Acontece que agora é uma questão de honra eu me mostrar a ela.
― Imagino que você deve ter investigado alguma coisa sobre ela. Eu o conheço para saber que você não deixaria passar em branco. ― Ele se senta na cadeira e põe as porras das pernas em cima da minha escrivaninha. ― O que descobriu sobre ela?
Ele solta um suspiro longo demonstrando toda sua irritação.
―Rebeca Monteiro, vinte e um anos, brasileira. Chegou aqui há pouco menos de quatro anos com o visto de estudante, inclusive está vencido e quem sabe por isso ela não consegue um emprego que pague mais. Sem perfil em qualquer rede social, sem e-mail, telefone, nada. A garota é quase um fantasma. ― Ele tira de dentro do bolso um papel dobrado. ― Única foto que tem dela é essa de passista, tirada há cinco anos, no carnaval do Rio de Janeiro.
Pego a foto e me impressiono pelo que vejo. Que ela era bonita, eu sabia, mesmo com uma roupa que em nada lhe favorecia, mas vestida como ela estava, naquela fantasia minúscula ou pintado no corpo, era impressionante.
Ela tinha um corpo incrível.
― Gostosa pra caralho! ― Lucas comenta aquilo que eu já tinha reparado. ― A famosa falsa magra com tudo no lugar: seios duros, perfeitos, cintura fina, quadril largo, bunda redondinha, pernas bem torneadas sem exageros.
― Onde ela mora? ― pergunto, ainda observando a foto.
Se eu já queria comê-la, agora eu queria muito mais.
― Onde ela mora, Lucca? ― Ele nega. ― Você quase me deu todas as informações pertinentes a essa infeliz e não sabe o endereço?
― Não, não sei, mas eu mandei Marco comprar o medicamento que o médico prescreveu e ainda exigi que Alessia escrevesse uma carta com o pagamento que ela tinha direito, e depois deixasse na casa dela.
― Pagamento esse que você deve ter desembolsado? ― Estava na cara que ele cobriu a dívida do sovina do Martinelli.
― O valor era tão ridículo que me fez mal saber o quanto se paga para uma pessoa que trabalhava quinze horas sem parar.
Uma pessoa que está ilegal em outro país, ou passando muito necessidade, tem que se submeter a tudo. Mas por que ela não aceitou a proposta?
― Por que isso, Lucca? Por que essa bondade? ― Lucca não é do tipo que ajuda as pessoas sem pensar em receber algo em troca.
Aliás, ninguém da família.
― Gostei dela, Matteo. ― Nego desacreditado. ― De verdade. ― Ele abre um sorriso tímido. ―Se nosso grupo tivesse mais pessoas com o comprometimento dela, convicção, não teríamos tantos problemas de delação, subornos e coisas do tipo. Rebeca parece ser uma mulher frágil, e até acredito que seja, mas que não volta atrás no que acredita.
― Todos tem um preço, Lucca.
― Eu sei. Só que o preço dela é muito alto, mesmo que seja para uma simples faxineira.
Acho que vocês vão se apaixonar pelo Lucca .
Eu já o amo
Xêro
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