~ Parte I ~
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Dedico este conto a todas as pessoas que já se sentiram tristes e vazias ao ponto de pensar em suicídio, e também a uma grande amiga minha CassiaFernandesc3 que graças a Deus entrou na minha vida, quando eu estava assim; triste e vazia.
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A luz do dia invadia o quarto pela pequena brecha entre as cortinas, um pequeno ruído havia me acordado. Encontrava-me em uma sala fria, mas eu reconheci o cheiro amargo daquele lugar, de outras vindas involuntárias.
A primeira coisa que vi foi o céu nublado daquela manhã, fazia frio e o cinza das grandes nuvens antecipou a chuva que logo começaria a cair. Eu apertei os meus braços um contra o outro, meus olhos ainda estavam relutantes quanto a se manterem abertos.
Não era o céu e aquilo também não era o inferno, muito embora se parecesse.
O cheiro amargo do ambiente embrulhou meu estômago.
Tudo que eu me lembro da noite anterior, era do vento gélido, que cortava minha pele como um soco forte que vinha de alguém raivoso, disparando suas investidas sem dó.
Eu tentava segurar o líquido viscoso que teimava em escorrer do globo ocular esquerdo, me sentia fraca e patética, pois dentro de mim tudo havia acabado. Era a gota d'água. Eu tinha perdido até mesmo a esperança, que jurara ser a última a morrer. Naquele momento eu caminhava pela rua e me perguntava se aquelas pessoas que vez ou outra passavam por mim conseguiam ver o caos em minha volta, era óbvio que não. Eles aparentavam estar inteiros, e vendo de fora eu também parecia, mas não estava e tinha esgotado todas as minhas chances de redenção. Eu me mantive num lugar escuro e vazio, porque a dor não merecia plateia, os espectadores eram desguarnecidos de empatia.
Cada vez que eu respirava, tentava me manter forte...
Não era fácil estar ali naquele momento, prestes a fazer algo que daria fim a todo o vazio dentro de mim.
Depois de horas caminhando sem saber ao certo para aonde ir, parei em cima da ponte, lá embaixo a água azul parecia um grande vidro limpo de tão calmo e límpido que era. Olhando fixamente para lá senti-me seduzida; um fim triste como aos meus olhos a minha vida era a muito tempo, eu estava num estado de desistência profunda, então simplesmente pulei, não parei para pensar, eu só pulei.
E na manhã seguinte, era realmente assustador que eu estivesse em cima de uma cama, num hospital, viva. Lembro-me desse dia claramente...
— Ora, parece que finalmente você acordou! — a voz soou leve, vinda do meu lado esquerdo.
Virando-me, vi minha "colega de quarto" fitando-me com seus olhos cor de mel.
— Você está dormindo a muitas horas — ela falou novamente. — Pensei que estivesse morta.
— Eu também — respondi com ironia.
Me remexi na cama, notando que não havia sequer um arranhão em mim. Isso era louco demais.
Fechei e abri os olhos novamente, mas era real.
— O médico que veio aqui mais cedo — falou ela, tamborilando com os dedos. —, disse que você estar viva é um milagre.
Eu resmunguei uma espécie de grunhido quase inaudível, sem uma palavra dizer.
Um homem vestido de social adentrou o quarto, se aproximando da garota ao meu lado. Os dois se pareciam muito, a mesma cor do olhos e tom de pele.
— Filha — ele a chamou de forma afobada —, como se sente?
— Eu me sinto bem — fitei ela sorrir amarelo. — Mas poderia estar melhor, se o senhor permitisse que eu fosse embora daqui.
Ele balançou a cabeça para os lados antes de responder:
— Já conversamos sobre isso — ele disse de forma dura. — Está doente, não pode sair por aí, pelo mundo afora.
— Papai — ela choramingou. — Estou morrendo aqui, em cima desta cama!
Vi o exato momento em que ele se levantou furioso e saiu do quarto aos resmungos.
A garota me fitou, dando um leve sorriso de lado. Ela era jovem e bonita. Passou a mão direita sobre a cabeça raspada e nesse momento seu semblante se desfez.
— L.M.A — falou, vendo que eu ainda a observava.
— O quê? — perguntei confusa.
— Leucemia mielogênica aguda — ela riu ao falar, mas não era um riso de alegria. — Você já ouviu falar? Acho que não, é raro. Com tantos outros cânceres no mundo, o meu tinha que ter a palavra raro na mesma frase — ela riu novamente. — Não é mesmo irônico?
— Ou falta de sorte — deixei escapar por entre os dentes.
Ela me olhou por um tempo antes de responder:
— Não acredito nisso.
— Sinto muito — disse envergonhada e realmente sentida por ela.
— Tudo bem, eu estou bem, já fiz quimioterapia e tudo mais que poderia ser feito.
— Quem me dera estar morta agora — deixei escapar novamente.
— Meu Deus, porque iria querer isso? — ela me fitava extremamente séria.
— Deixa pra lá.
Ela se inclinou na cama antes de dizer ainda séria:
— A vida é bela.
Naquele momento vi que nosso debate iria longe.
— É? Tirou isso de um filme? — questionei, sentando-me. — Você está doente e acha que a vida é bela? Também quer morrer?
Ela me olhava com uma expressão divertida na face.
— Eu não quero morrer, não mesmo, oh, Deus sabe o quanto eu desejo estar viva, mas as pessoas morrem, faz parte da vida.
Eu não disse nada, mas ela continuou.
— Por que você está aqui? Digo, nesse hospital, qual é sua bomba-relógio?
— Como assim?
— Você está no andar do câncer...
Aquelas últimas palavras me atingiram em cheio.
De repente meu coração começou a bater mais forte, como quando eu corria sem destino, apenas porque queria me sentir livre, naquele momento até minha respiração se acelerou. Levantei-me então da cama, passei pelo leito da garota de pele morena e magra que me olhava intensamente, seguindo até o corredor. Olhei para os lados.
Todo mundo ali estava agitado, e alguns apreensivos.
— Oi — falei assim que avistei uma enfermeira. — Poderia me dizer porque estou aqui?
Ela me olhou dos pés a cabeça, analisando-me.
— Você é a garota que se jogou da ponte, não é? — perguntou, mas antes que eu pudesse responder ela falou novamente. — Volte para o seu quarto, está de observação, um médico irá falar com você.
— Eu estou bem, não posso ficar aqui!
— Prefere um hospital psiquiátrico? — ela me perguntou colocando a mão sobre a cintura rechonchuda. — Porque eu posso cuidar disso agora mesmo.
Girei rapidamente meus calcanhares e voltei para o quarto a contragosto.
— Por que tentou se matar? — a mesma garota que não fechava a matraca, perguntou assim que me viu entrar. — Me desculpe, é uma pergunta muito pessoal, não é? Afinal, eu nem te falei meu nome... Por sinal é Cássia.
— Júlia — respondi.
— E então, Júlia? Por quê?
— Tentei me matar porque queria morrer...
— Isso é óbvio. Então, por que queria morrer?
— Tem razão, é uma pergunta pessoal demais — falei fria.
Eu sempre odiei dar explicações.
— Sinto muito, mas é que eu simplesmente não consigo entender como você pode fazer isso. Para mim simplesmente não dá — ela me olhava fixamente. — Não consigo pensar em um único motivo, pois olhe bem para mim... morrendo, aos poucos, definhando diante dos olhos de todos aqueles que eu amo, mas ainda assim eu acredito do fundo da minha alma que a vida é bela, seja lá o que se passa aí dentro de você, apenas siga em frente, a vida não dura para sempre, é certo que isso aí no íntimo também não durará.
Eu nada disse e ela continuou:
— Pegue aquele caderno ali — Cássia apontou para frente. Numa mesa, um pouco distante havia um livrete de capa rosa.
Caminhei até lá, pegando o caderno. Ao entregá-lo, ela perguntou-me:
— Conhece as sete maravilhas do mundo?
— Não.
— Entre todas, o que eu gostaria muito de conhecer é o Coliseu na Itália — ela falou. — Acha que eu poderia? Não — disse com lágrimas nos olhos —, mas você poderia.
— Não mesmo — respondi, arrumando motivos. — Não tenho dinheiro para viajar, e sou brasileira, não falo nenhuma língua além do português, como eu iria me virar?
Cássia me olhou como se não acreditasse no que ouvira.
— Então você teria que trabalhar nisso, e daí? — ela sorriu. De perto, pude ver a coloração amarelada de seus dentes. Provavelmente devido aos remédios que volta e meia tinha que tomar. — Ter sonhos nos mantém vivos — ela disse por fim.
Eu acho que nem sempre eu fui assim; houve um tempo, claro, que eu esperava mais do mundo, que eu tinha sonhos. Nada mais parece igual quando se está cansada na alma. Talvez todos nós devêssemos manter aquele espírito benévolo que possuímos quando éramos crianças.
Se eu pudesse voltar no tempo quando a meta do dia era apenas acordar e me preocupar com as brincadeiras que iam me divertir mais.
Ah! Se pelo menos a esperança ainda fosse minha companheira. Pensei.
— No que pensa tanto?
— Eu? — perguntei retórica. — Em como pode ser assim, você mesma disse que está morrendo. Não deveria odiar algo?
— Eu não odeio o mundo por estar doente, não odeio as pessoas, ou Deus, por permitir que eu morra tão cedo. Porque eu sei que tudo faz parte de um plano.
— Ah, entendi — falei com tom provocativo. — Você é dessas pessoas...
— Não, e sim — ela fez uma rápida pausa, puxando ar para os pulmões. — Eu tive uma vida boa. Todo mundo tem fases ruins, mas sempre segui em frente, é bem simples.
— Para você que sempre teve uma vida boa, talvez.
Ela deu de ombros.
— Falar assim não é justo. Consegue imaginar quantas pessoas eu poderia conhecer, quantos lugares eu poderia ver se tivesse saúde ou apenas um pouco mais de tempo? — perguntou retórica. — Sabe quantas pessoas só este ano entraram nesse mesmo hospital e desejou ter mais uma chance?
— Eu sei disso, infelizmente não muda o vazio que sinto, ou a angústia.
— O vazio sempre irá existir, até que você preencha ele com algo que te faça se sentir viva. A angústia irá embora quando você encontrar sua motivação — Cássia fez uma pausa meditativa. — Já ouviu falar dos Doutores da Alegria? Ajudar pessoas que realmente precisam de você te faz se sentir útil.
— Acho melhor esquecermos isso — eu respondi.
Os motivos que me trouxeram até ali pareciam querer cair por terra.
— Tenho 16 anos e meio — ela falou do nada. — E você?
Eu me deitei na cama, antes de responder fitei o céu lá fora, pela janela que ficava ao meu lado. Um pequeno arco-íris havia se formado no céu cinza, era tão lindo de ver e tão improvável com aquele tempo. Estava sendo um dia louco. Eu sobrevivi a uma queda de mais de 10 metros de altura, sem saber nadar, sem sofrer um arranhão sequer e aqui estou, conversando com uma garota esperançosa.
— Tenho 23 — falei.
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