Falem De Mim - Capítulo 3
Primeiro Ato - Reputação - Cena 3
A faculdade havia se tornado um lugar misterioso com o passar dos dias, digno de cenários de filmes de suspense. Em pouco tempo poderíamos mudar o nome da Universidade de Auckland, para Silent Hill. Naquela semana foi recorrente surpreender pares de olhos me espreitando e sussurros precedendo minha chegada. Eu não ouvia nomes, mas sentia o desconforto.
O silêncio quando era notada. A espera para que eu deixasse a sala. O segmento debochado da conversa assim que eu saía.
Estava tudo lá e eu não entendia o porquê, contudo procurei não me incomodar, já que aquilo tiraria todo o foco do meu segundo teste. O mais crucial dos testes. Aquele em que eu estava muito confiante. Tudo por causa de um certo coreano que escrevia poesias lindas e concordou em salvar minha pele me emprestando seu texto.
Talvez eu estivesse um pouquinho nervosa pelo o fato de que esse mesmo coreano disse que iria assistir meu teste. Só um pouquinho mesmo. Mas aquilo também não tiraria minha concentração.
Na verdade estava tudo indo perfeitamente bem. Eu já tinha decorado todo o monólogo e conversado bastante com Kim Namjoon para entender todos os sentimentos que ele colocou naquele pedaço de papel que deveria ser um rascunho, – o que foi uma das muitas vantagens de ter encontrado seu poema. Consegui o seu número de telefone – meu figurino estava a postos e eu estava sorridente depois de ensaiar mais uma vez minha apresentação na sala de acústica dos espetáculos. Uma pena que meus ouvidos não possuíam esse tal revestimento acústico e eu fui capaz de ouvir a voz de Bianca quando ela passou ao meu lado assim que pisei no pátio interno.
- Nicole não se importa em dormir com o namorado dos outros. Ela sempre dá mole pra todo mundo.
E daquela vez não eram sussurros, eram acusações diretas.
Franzo o cenho refreando minha caminhada, vendo-a sumir para dentro de alguma sala junto com suas amigas.
Jacob, seu mentiroso!
Eu ainda tinha uns vinte minutos antes de ter que me emergir completamente na minha bolha pessoal a fim de sumir dentro do meu monólogo. Então aproveitei para tirar algumas satisfações. Jacob também era da área de Artes Cênicas, mas ele se voltava bem mais para o cinema do que para o teatro. Sendo assim não foi difícil encontra-lo. Bem na porta da sala de reprodução de vídeo junto com seus amigos.
- A gente tem que conversar – sou direta e séria, fazendo um sinal pra que ele me acompanhe.
Sob os olhares de seus amigos nós nos afastamos dali e antes mesmo de parar num lugar mais reservado confronto-o:
- Você espalhou por ai que nós dormimos juntos?!
- O que?! Claro que não. Que papo é esse? – me encara com suas sobrancelhas unidas.
- Pois é o que a Bianca anda dizendo por ai. Que eu dormi com o namorado dela. Vocês ainda estão juntos e você mentiu pra mim – cruzo os braços sob o peito. Apertando o papel com a letra de Namjoon contra o meu corpo – Eu confiei em você.
- Mas nós não estamos juntos. Nosso namoro terminou mesmo. Eu falei sério – ele também cruza os braços.
- Ouvi ela dizer que vocês ainda estavam saindo – rebato descrente.
- Nós saímos duas vezes pra conversar. Isso foi na semana antes da festa. Ela foi minha namorada por muito tempo, não podia simplesmente terminar do nada. Então a gente saiu e conversamos mais duas vezes. Pra ela ainda tinha jeito, pra mim não dava mais. Eu não menti pra você Nick.
- Talvez você não tenha deixado isso tão claro assim pra ela – inclino minha cabeça, um tanto irônica.
- Talvez – da de ombros – mas se nós estivéssemos juntos, nós estaríamos juntos. Acho que é meio óbvio, não é?
E eu não consigo conter um risinho idiota. Aquilo até que era verdade.
- Melhor você conversar direito com ela e me tirar de vez dessa história...
- Mas o que é que você tem a ver com isso? Nós só fomos a uma festa juntos, não foi nada demais.
- Não é o que ela está falando. Aparentemente nós nos beijamos hard e você com certeza transou comigo porque me levou pra casa.
- A gente se beijou? – ri debochado – Aquilo foi um beijo? Pensei que você fosse melhor Nicole.
- Cala a boca. – faço uma careta, batendo forte no seu braço – Sério, me tire fora dessa. Já não bastava o sem noção do Patrick e seus comentários fantasiosos sobre a nossa intimidade pra Deus e o mundo. Eu nunca me dei bem com a Bianca e quero o mínimo de contato possível.
- Tá legal. Vou esclarecer algumas coisas com ela e essa história acaba aqui – aperta minha bochecha até que eu abra um sorrisinho – Relaxa estrelinha. Pensa só que você ainda vai ser minha Audrey Hepburn. Nossas carreiras profissionais já estão traçadas.
- Ainda não me convenci – reviro os olhos, relaxando os braços ao longo do corpo – Tenho que ir me trocar agora. Converse com ela – friso as últimas palavras ao me distanciar.
No mesmo corredor da turma audiovisual um grupinho atento prestava atenção em nós dois, mas eu praticamente corro para o backstage a fim de me preparar. Um friozinho na barriga arrepia minha nuca e eu penso em Kim Namjoon.
(...)
Eu estava toda vestida de branco no centro do palco. Uma calça comprida e uma blusa que ia até meus joelhos. Seda esvoaçante. As mangas longas cobriam metade das minhas mãos e a minha maquiagem era quase pálida, se não fosse pelas bochechas rosadas. Afinal eu precisava de um toque de calor. Meus cabelos estavam soltos e arrumados no início da apresentação e o holofote amarelado quase me cegava. Eu só conseguia ver as cadeiras vazias através das minhas pálpebras semicerradas. Não sabia se em alguma delas ele estava lá, mas esperava que sim.
Quando comecei a falar minha voz era suave e tudo dependia da minha expressão corporal. Eu não poderia começar e terminar aquele texto no mesmo lugar, então precisei das três luzes de palco e transitei por ele inteiro para poder contar minha história. Meus braços fizeram a maior parte do trabalho e eu quase dancei. Indo de uma estação para a outra.
- Passando pelo extremo frio do inverno. Até que cheguem os dias de primavera. Até que as flores desabrochem. Por favor, fique naquele lugar um pouco mais – paro exatamente no lugar onde iniciei a minha apresentação. O lugar que tinha uma marquinha bem pequena no chão – Por favor, fique lá.
Finalizo olhando diretamente para o meu professor de Produção de Espetáculos. Meus olhos um tanto fechados, faziam meus cílios perceptíveis e dourados para mim devido à luz amarelada forte que atingia em cheio minha cara de queixo erguido.
Ao contrário do meu primeiro teste àquele eu termino calma e serena. Completamente diferente do que deveria, já que me movimentei bem mais do que da primeira vez. De alguma forma só o que tinha sobrado era um sentimento meio agridoce. A dor de seguir em frente, com a esperança do reencontro.
- Ãhmmm... – o diretor de arte começa – Isso foi um texto autoral?
- Não é meu, mas sim de uma pessoa muito talentosa que eu conheço – coloco as mãos nos bolsos da calça.
- Arriscado senhorita.
- Os senhores queriam uma surpresa – sorri.
- Certo – meu professor responde descontraído – É um pouco vago pra mim quem você é agora. Não é um poema que possa se apegar a um só gênero. Ainda mais com você vestida desta maneira.
- É porque eu sou um sentimento... Me chamo saudade.
Os dois anotam algumas coisas rapidamente – meu professor com um sorriso mínimo de canto – e não me fazem mais perguntas.
(...)
Saio do teatro com minha mochila pendurada num ombro só e prendendo meus cabelos com um elástico velho. Pouco a diante Namjoon estava encostado num dos pilares grandes que cercavam o pátio, assim que nossos olhos se reconhecem nós abrimos um sorriso à medida que nos aproximamos.
- Eu não tinha ideia de que você era tão boa – seu tom parecia impressionado. Um pouco mais exagerado do que eu imaginava vindo de alguém tão misterioso quanto ele era para mim – O que você fez com o meu poema foi inacreditável. Você parece a Vivien Leigh ou a Ingrid Bergman. Sabe? – afirmo freneticamente com a cabeça. O sorriso um pouco maior por ele citar uma das minhas maiores inspirações artísticas – Foi como assistir um clássico instantâneo. Incrível!
- Ainda bem que não te desapontei. Apesar de confiante, fiquei bem preocupada porque você disse que assistiria. Não queria fazer uma besteira grande com algo tão lindo quanto o seu texto. – ele nega com um leve aceno de cabeça, como se dissesse que besteira era o que eu estava dizendo. Faz de conta que ele não sabia o quão incrível era - Eu não conseguia ver você do palco, então não tinha como saber se estava gostando pela sua expressão, mas eu senti seu par de olhos o tempo inteiro. Da próxima vez não me queime com sua visão de raios-X.
- Desculpe, eu fiquei mesmo um pouco vidrado – ri ao passar a mão pelos próprios cabelos. Sua roupa era estilosa e aparentemente confortável. Kim Namjoon era o garoto dos casacos. Ele tinha muitos casacos e cada um era usado com uma combinação diferente de bege, cinza ou preto – Você já sabe se ganhou o papel?
- Bommmmm... – faço um mini suspense juntando as mãos em frente ao peito – Eles não tinham como escolher outra pessoa.
Dou risada, mas era mais por conseguir faze-lo rir do que por ter sido engraçada de verdade.
- Por favor, não pense que eu sou arrogante ou qualquer coisa do tipo – me apresso em dizer assim que começamos a caminhar lado a lado, sem a mínima pressa.
- Eu não penso isso – coloca as mãos dentro dos bolsos do casaco que dessa vez era branco, mas a calça era bege.
- É paixão sabe? A certeza de estar fazendo algo que eu sempre quis fazer. Algo que eu acredito que nasci pra fazer. Sei lá – dou de ombros.
Ele me olha com um sorriso fechado, mas extremamente charmoso. Com suas covinhas fundas e seu queixo acentuado. Eu sempre achava que não tinha tempo o suficiente para apreciar seus detalhes. Agora que ele me olhava eu não sabia se media o tamanho e a profundidade das suas covinhas ou se descobria qual era o ângulo da curvatura dos seus olhos asiáticos. Acabo reparando na nossa diferença de altura. Mesmo que eu não fosse baixa ele ainda era muito mais alto.
- Te assistindo hoje esse foi exatamente o pensamento que não saia da minha cabeça – faz uma pausa, se aproximando um pouco mais de mim para um grupo de pessoas passar ao nosso lado. Nossos braços se encostam – Que você estava fazendo lá em cima o que nasceu pra fazer.
Pisco meus olhos fascinados algumas vezes na sua direção. Crendo e sendo descrente simultaneamente.
- Eu nem sei como te agradecer. Por me ajudar, me emprestar seu poema... Pela encheção de saco na biblioteca – rio baixo, passando o indicador pela testa para afastar meu cabelo – Eu, sei lá... – paramos de frente um para o outro bem onde nossos caminhos divergiam. Ele ia para o prédio de exatas e eu para o refeitório – Poderia te abraçar agora.
Pobre Nicole. Você não disse que não ia flertar?!
Mas, Namjoon era um saquinho de surpresas.
- Você pode me abraçar quando quiser.
Ao inclinar levemente a cabeça na minha direção, completamente sedutor, eu acabo perdida nas medidas precisas de seu nariz pequeno e seu maxilar um tanto quanto delicado. Era uma matemática difícil e nem era pelo fato de eu ser totalmente de humanas.
Estávamos um pouco mais perto agora, minhas mãos roçavam ligeiramente o tecido do seu casaco. Com mais um passo eu estaria envolvendo-o na minha promessa, porém, estava indecisa. Sua cintura parecia fininha, o que era ótimo para rodear os braços, mas seus ombros pareciam largos para me apoiar. Talvez eu pudesse tirar proveito do seu pescoço, só que meus braços poderiam bloquear meu nariz bem ali naquela região. Era melhor agarrar os ombros e cheirar o pescoço. Parecia um bom plano. Ergo um pouco a cabeça e me preparo para ficar nas pontas dos pés.
Bem na hora que ia dar o primeiro passo uma garota e um garoto passam ao nosso lado com risinhos bobos. Sua fala desperta nossa atenção.
- É essa aqui... – ela diz e ele me mede da cabeça aos pés.
O clima vai embora como num passe de mágicas e eu pigarreio meio sem graça.
- Eu... Tenho que... – Namjoon começa e eu apenas afirmo sem que ele precise terminar – Parabéns pelo papel – me dá mais um vislumbre da sua covinha.
- Obrigada por... Tudo – encolho os ombros e aceno.
Vejo-o caminhar para longe, até a hora que meu estômago ronca alto e eu vou apressada até o refeitório comprar alguma coisa para comer. Distraída, subo as escadas ainda pensando no meu quase abraço. Um contato físico completamente inesperado com um coreano. Um coreano lindo e poético. Assim que empurro uma das portas pesadas sinto todos os olhos em mim e por mais estranho que possa parecer eu não estava acostumada com aquilo. Não ali, no meio da cantina. Eu busco por alguma explicação plausível e lá está ela, bem no meio do lugar chamando a atenção de todo mundo.
Entre todas as mesas havia uma lata de lixo com dois pedaços de madeira dentro. Pregaram dois cartazes grandes em cada uma delas com os seguintes dizeres:
"Aqui jaz a reputação de Nicole Colvey"
"A vadia da Universidade de Auckland"
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