Segredos
– Sr. Holmes, o porto não funciona mais e todos os caixotes, caixas, materiais e peças, estão sendo revistados; os materiais suspeitos, recolhidos; e o restante, enviado para os continentes de origem, de onde foram extorquidos para o contrabando e de onde nunca deveriam ter saído. – Um dos vários policiais, que estava trabalhando no porto nesta missão, explicou para Sherlock assim que ele chegou, mais uma vez, com Watson e Rita em busca da caixa.
Ao ouvir tais explicações, o detetive levou a mão à testa enxugando-a nervosamente. Olhou tudo ao redor, no momento sem saber o que fazer.
– Posso mandar que procurem por ela agora, se assim desejar. – O policial falou em um tom urgente – Reúno todos e passo as características da caixa assim como o Sr. me informou.
– Claro... Claro. Faça isso o mais rápido que puder! Obrigado. – Holmes cumprimentou o homem com um forte aperto de mão e este, sem perder tempo, virou-se já chamando os demais oficiais para realizarem a busca por todo o porto.
– O que pretende fazer agora Holmes? – Watson falou apenas para que o amigo ouvisse, sendo objetivo – Tem que haver alguma forma de encontrarmos essa caixa! E se ela realmente não estiver mais aqui?
– No creo que esto está acontecendo!... – Rita inquietava-se.
– Espere! Até agora, as caixas foram enviadas para quais continentes? – Sherlock perguntou chamando o policial com quem havia falado. Ele ainda tinha algum vestígio de esperança mesmo sabendo que seria como procurar uma agulha no palheiro, já que havia a triste possibilidade de o tesouro não estar mais em Londres. Ainda assim, permanecia determinado a caçar este problemático objeto.
– Muitos dos materiais estão sendo enviados primeiro para a América Sr. Holmes. A maioria desses materiais fora contrabandeado do Brasil, como constamos nas papeladas.
– Brasil?! – Rita espantou-se – Más fica del outro lado del Atlântico!
– Muito bem. Podem voltar ao trabalho. Não sairemos daqui até que tenham revistado todas as caixas que ainda restam. – Holmes informou.
Passada uma hora, nem sinal da caixa espanhola até que dois homens foram vistos aproximando-se do trio que também se ocupavam na procura. Os homens caminhavam em direção a Rita que enrijeceu.
– Rita. Informaram-nos que estava aqui. – Um deles, de nome Mett, levemente corpulento, de feições amigáveis e cabelos e barba grisalha, começou – A procuramos muito! – Falou mais baixo.
– No deviam estar aqui! – Rita respondeu em sussurro.
– Rita, quem são esses dois? E esse frangote? – Holmes inquiriu curioso e extremamente antipático.
– Auto lar, Sr. Holmes! – O outro, robusto e jovem, de nome Greg, respondeu à provocação.
– Hablen luego lo que quieren! – Rita pediu ainda falando baixo; apenas para os dois homens.
– Como sabe meu nome? – Holmes quis saber ainda mais curioso e agora inquieto.
Ambos, Mett e Greg, esbugalharam os olhos percebendo que haviam falado demais.
– Te explicaré des... después mi amor! – Rita puxou os dois para longe de Sherlock e Watson.
– Ora, mas o que está acontecendo aqui?! – Sherlock falou irritado.
– Isto sim é que é algo suspeito... – Watson, que apenas observava, falou reticente observando Rita e os dois rapazes mais afastados.
– Este seu comentário me acalmou bastante, meu caro. – Sherlock ironizou desgostoso.
– Desculpe-me, mas há alguma coisa estranha nisso tudo.
– Isso não vai ficar assim não. Descobrirei o que Rita está me escondendo. – Falou Holmes determinado.
– Mas Holmes, você não pode esquecer que também não está contando tudo à ela... – Watson falou, arqueado uma sobrancelha para o amigo.
– Isto não vem ao caso, afinal, ela não sabe que escondo algo. Estou fazendo tudo de acordo com meus planos. E nem pense em apoiá-la desta vez! Mantenha segredo Watson!
– Claro! Pode ficar tranquilo. – O doutor fez um gesto diante da própria boca como se estivesse fechando um zíper – Holmes, - Watson franziu o cenho olhando de relance para Rita e os homens – E se ela estiver planejando...
– O mesmo que eu?... – Holmes completou pensando a mesma coisa – Não pode ser!
– Será?...
– Mas não podemos descartar a principal hipótese de que ela não está planejando a mesma coisa que eu; e isso não me é nada agradável, caro Watson.
– Certamente. – Watson concordou com ar cansado – E mais probleminhas pela frente.
Ambos foram interrompidos por um policial que caminhava apressado e ansioso em dizer:
– Sr. Holmes, Dr.Watson, a caixa não está mais aqui.
– O quê?! Procurem melhor! – Holmes ordenou sem querer acreditar no que acabara de ouvir.
– Temos que ir a América, Holmes. Então, vamos já. – Watson concluiu com sua habitual praticidade.
– Vocês procuraram na sala dele? De Ruán? – Holmes inquiriu em um estalo de ideia.
– O almoxarifado... – Watson começou – Sim! Mas é claro!
– Já vimos, senhores, e não há mais caixa nenhuma lá. – O oficial informou sem rodeios.
– Leve-me até lá. Até a sala. Anos como detetive, com certeza dizem-me alguma coisa a mais. – E caminhando até Rita, pigarreou chamando-a:
– Vamos até o almoxarifado. – Holmes falou levemente mal-humorado. Sentia-se ofendido em vê-la conversando com aqueles homens que ele nunca havia visto antes.
– Oh, si! Voy contigo. – A espanhola lançou um olhar significativo aos dois com quem conversava, antes de virar-se para seguir com Holmes – Querido, encontraron?... – Rita perguntou esperançosa já com um brilho nos olhos.
– Hum, não. Eles dizem que foi levada realmente para o Brasil. Mas quero investigar minuciosamente a sala em que seu pai ficava. – Sherlock falava pontual, mostrando sua insatisfação com os segredos da mulher.
– Cierto... – Rita sentiu-se incomodada em Sherlock ter mencionado indiretamente seu, não mais considerado, pai.
– Não tem nada a me dizer?... – Holmes perguntou indiretamente, de maneira rápida, o que Rita bem sabia onde iria chegar.
– No. No tengo. – Ela sorriu levemente.
Seguiram então os três, Sherlock, Rita e Watson, e mais um oficial, para o almoxarifado como pediu o detetive.
Assim que entraram, foi o oficial o primeiro a falar:
– Como vê Sr. Holmes, não há mais nada aqui.
– É o que você pensa. – Sherlock respondeu já caminhando para o birô que permanecia no mesmo lugar quando o viu pela primeira vez, antes com sua cadeira ocupada pelo magnata maior líder da máfia espanhola, Ruán Valdéz.
– Vê alguma coisa Holmes? – Watson questionou aproximando-se.
– Ainda não... – Sherlock abria as gavetas do birô, agora vazias.
– Ya estoy me acostumbrando con la idea de hacer esta viaje al Brasil. Lo que me preocupa es que todo este tesoro caya en manos eradas. – Rita comentou pensativa.
Sherlock batia com o nó dos dedos nas paredes e remexia as estantes afastando-as. Jogou sua bengala várias vezes para cima, batendo no teto ouvindo-o atentamente, atrás de um mínimo sinal de pistas, e assim, fez a maior bagunça na sala das papeladas, finanças e depósito.
– Sherlock! No estás vendo? No hay nada acá. – Rita dirigiu-se ao detetive, depois de algum tempo, que nada falou.
– Não se preocupe. Se eu bem o conheço, ele sabe o que está fazendo. – Watson falou amigável à espanhola.
Holmes agora engatinhava por todo o ambiente, também batendo no chão com a mão fechada e pondo o ouvido rente ao piso em busca de algo diferente, oco. Em sua investigação, aproximou-se novamente de onde estava o birô e se posicionou quase todo em baixo dele. Bateu algumas vezes repetidamente no chão, ouvindo atentamente ao barulho que era produzido e parou de súbito. Sua expressão era rígida. Compenetrada. Agia como se ninguém o estivesse observando.
O único oficial que os acompanhou e que ainda estava na sala, meneou a cabeça negativamente achando tudo aquilo uma completa loucura. Pensava que aquele detetive não passava de um ser estranho que não sabia o que estava fazendo, e assim, sentou-se observando, descrente, os movimentos de Sherlock Holmes.
No entanto, o detetive estava certo de que poderia encontrar algo ali, naquela sala e de fato suas suspeitas concretizaram-se. Entre suas insistentes batidas, ouviu o barulho diferenciado no chão e passou então a alisá-lo com as mãos espalmadas não só para afastar toda a poeira, mas principalmente para visualizar com clareza algum vestígio de onde era exatamente o piso falso e assim retirá-lo.
– Sherlock? Lo que estás alisando aí no chão?... – Rita questionou sem entender as mudanças de comportamento do detetive.
Ele não respondeu.
– No me ignores, Sherlock... – Rita falou entre uma ordem e um pedido já sabendo o motivo de tal comportamento do detetive: os dois rapazes.
– Holmes, também quero saber o que está fazendo. Responda-nos ou morreremos de aflição. – Watson insistiu sentindo-se nervoso.
– Há alguma coisa aqui... – Foi o que ele respondeu apenas, em um murmúrio.
Sherlock estava agora totalmente em baixo da mesa alisando o piso lentamente, apesar de sua feição ser a mais agitada. Gotas de suor escorriam pelo seu rosto atrapalhando sua visão e suas sobrancelhas uniam-se em apenas uma linha acima dos olhos. Sua face era rígida e os olhos tão expressivos, vidrados no chão, refletiam o quão compenetrado estava.
Porém, se este devido acontecimento não estivesse sendo extremamente tenso e preocupante, com tamanha aflição e ânsia por parte de todos; esta seria sem dúvida uma das hilárias cenas vividas por Sherlock Holmes, pois um detetive empoeirado engatinhando por uma sala, batendo no piso para depois alisá-lo debaixo de uma mesa, por entre tamanho caos de estantes e gavetas espalhadas, não era algo visto corriqueiramente, muito menos seria considerado algo digno de alguém em sua mais perfeita sanidade ou praticidade, mas era assim que ele trabalhava e assim que se tornara o justo detetive de nome mais conhecido e respeitado; de riquíssimas capacidades dedutivas e atos imprevisíveis que jamais nenhum outro detetive faria ou entenderia.
Com seus olhos clínicos, enxergava o que ninguém conseguiria ver. E esse era seu dever e também maior paixão.
Ou fardo.
Subitamente levantou-se e com a ajuda de Watson, afastou o pesado birô para logo voltar a agachar-se no chão dando batidinhas leves, até que seus dedos ágeis encontraram o lugar exato do piso falso sutilmente saliente que logo foi retirado por ele já com a respiração entrecortada pela ânsia; pelo desejo ardente que tinha em solucionar este caso que foi tão perigoso e significativo.
Todos se aproximaram curiosos e extasiados, com os corações incontrolavelmente latejantes, vendo agora o mesmo que o detetive. Este por sua vez, permitiu-se esboçar um fraco, porém sincero sorriso, misto de vitória, alívio e orgulho.
A antes oculta por tanto tempo, misteriosa e problemática caixa, estava agora tão clara e evidente como os raios de sol de uma bela manhã. Puderam ver e admiraram incrédulos por longos segundos, o tampo de madeira com os "R's" gravados por toda a borda e o brilho opaco do cadeado em ouro maciço.
Rita sorriu debilmente; seus olhos brilhantes em lágrima ao ver que finalmente a verdadeira caixa espanhola, sua por direito, fora encontrada.
Instantes depois...
– Mas como vamos abri-la? – O oficial que estava com eles, perguntou depois que retiraram a caixa do esconderijo no chão e a depositaram com dificuldade, devido o peso, em cima do birô.
Esta era uma pergunta óbvia, que na qual ainda não haviam parado para pensar. Certamente mais preocupados em como achá-la.
– Deve haver alguma maneira de-- - Holmes começou pensativo, mas foi logo interrompido por um impaciente Watson:
– Sim. Há um jeito, Holmes.
– Pero, co-- - A pergunta que Rita começara foi abafada pelo estrondoso e violento som do golpe desferido por Watson com sua espada sobre o belo cadeado de ouro, que em um piscar de olhos foi quebrado caindo pesadamente no chão.
O oficial sem demora apanhou-o guardando-o no bolso discretamente e saindo sorrateiro.
Rita assustou-se com o gesto inesperado do doutor e pôs as mãos sobre a boca enquanto Sherlock agradeceu:
– É sempre bom saber que posso contar com você, meu caro. – Holmes sorriu levemente assustado.
– Já demoramos demais para chegarmos até aqui. Certamente Ruán guardava esta chave com ele. Ele não iria falhar neste ponto.
– Você tiene razão, Watson... – Rita concordou e dirigiu-se à caixa abrindo-a para em seguida abafar um gritinho de surpresa com a quantidade de tesouro que possuía. Nunca havia visto tanto dinheiro junto.
– Nossa!... – Watson deixou escapar esta exclamação envolvendo-se pela beleza do que via, e como na falsa caixa dias atrás, antes da visita ao Lago Mirror, o esplendor das barras, joias, diamantes e moedas refletiam nos olhos cintilantes do doutor.
Sherlock estava igualmente admirado; seu rosto iluminado pelo dourado predominante dos incontáveis objetos extremamente valiosos. Olhava cada peça admirando-as sem pressa e sem ambição; sabia o destino que aquilo tudo iria tomar, sendo a espanhola igualmente justa, de bom coração; e segurou uma pedra vermelha bem moldada retirando uma lupa pequenina do bolso analisando-a.
– Puramente verdadeira. – Falou pondo-a novamente na caixa antes pertencente ao contrabandista Ruán – Com tamanho tesouro, é compreensível a obsessão de Valdéz; - não mais se referiu como sendo o pai da espanhola – tornou-se escravo do próprio ouro, da própria ambição. – Sherlock falou sério.
– Sí. Él sucumbiu à riqueza que lo cegó... Antes, yo pensaba que este era un tesouro de familia y solamente quería librarme de las falsas acusaciones, y tener mi parte por derecho, pero es claro para mí ahora que esta fue más una de sus mentiras. Esto todo no pasa de dinero sujo! – Rita expôs seus pensamentos em desabafo.
– Somente uma pedrinha destas vale milhões. – Watson falou pouco ouvindo o que o amigo e a espanhola diziam, ainda distraído com o que via.
– ESTO – Rita aumentou o tom de voz sendo enfática e segurando um punhado do tesouro na mão e olhando para Watson – no vale la vida de mi amable madre, no vale la vida de mi hermano que también corroeu-se em louca ambição y ni vale la vida del padre que yo admirava y pensaba tener! – Os olhos castanhos da mulher cintilavam cheios de angústia e pesar. Watson assentiu baixando a vista encabulado, enquanto Sherlock apenas observava aquela mulher tão forte da qual se apaixorana.
– A custo de qué Ruán Valdéz conseguió esto todo?! – Rita continuava – Este dinero para mi – ela jogou o punhado de ouro que tinha na mão de volta na funda caixa cheia de objetos precioso fazendo um grande tilintar – no tiene valor.
Sherlock pousou sua mão no ombro da espanhola que concluiu olhando para a caixa:
– Hay cosas en neste mundo que los hombres ni deveriam saber que existem – deu uma pausa – até conoceren el real valor de la vida.
Com estas últimas e doloridas palavras, Watson fechou a tampa da caixa espanhola, ocultando todo seu brilho de falsa beleza. Segurou uma das mãos de Rita desculpando-se para falar em seguida:
– O que você decidir, será o que tem que ser feito.
Sentindo-se reconfortada com a compreensão recebida, afagou a mão do doutor com um leve sorriso e olhando para Sherlock, informou:
– Ya sei lo que iré hacer, mi amor.
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Só teremos mais dois capítulos para o final :')
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