CAPÍTULO 6- SUSPEITAS
Sam's POV
Olhamos para cima. O primeiro andar não tinha mesmo janelas, isso significava que a gente iria precisar escalar até o segundo andar.
– Espere – pedi. – Antes coloque as luvas.
Eu as coloquei enquanto Dean seguia paralisado.
– Eu não vou fazer isso – reclamou. – Eu não sigo ordens de Rebecca.
– É o melhor a se fazer – falei. – E anda logo. Se a cena de crime está sob vigilância, quer dizer que ainda vão precisar coletar algo.
Eu comecei a subir a parede e abri a janela, entrando logo em seguida. Dean veio logo atrás de mim – e estava de luvas.
O interior da casa era claro, mas o chão estava coberto de sangue. Eu tirei o aparelho de captar energia da mochila e comecei a andar de um lado para outro. Atingiu o nível máximo.
– Com certeza há algo de errado aqui. Ou houve, vai saber – Dean comentou. – Olha esse chão! Tem sangue por toda a parte.
Eu assenti andando para o quarto. Estava normal, a cama nem estava desarrumada.
– Ela estava na sala quando aconteceu – falei. Isso era óbvio, mesmo se eu não tivesse visto o quarto, pois era na sala que o sangue estava esparramado.
Um rio de sangue seco, coagulando de maneira mórbida.
Rebecca's POV
– Bem, espero não estar te atrapalhando. Você poderia responder algumas perguntas para minha matéria? Se não puder, posso tentar com o próximo policial.
– Não, não. Eu posso te ajudar.
Eu sorri internamente: Claro que ele podia me ajudar...
– Que ótimo. Não tive experiências muito boas com policiais ao longo do meu trabalho. Dá para entender que não gostam de jornalistas, mas não dá para generalizar o nosso serviço. Não somos todos obstinados a atrapalhar as investigações de vocês.
Eu estava tentando incorporar a personagem, mas com muito medo de pisar em falso. Eu nunca tinha feito isso antes! Disfarces...
– Eles dificultaram seu trabalho? – perguntou educadamente.
– O problema maior é que na maioria das vezes me tratavam com tanta grosseria! Esse tipo de coisa estraga o dia da gente. Ainda bem que você me parece muito educado.
Eu sorri, fitando seus olhos. Eles não pareciam ser escuros, então deveriam ser azuis. Loiro de olho claro, o peculiar. Concentrei-me novamente.
– Então vamos começar! – avisei, pegando o celular de Sam e coloquei na função "Gravar". – Estou aqui com Hugh Dancy, o policial que está vigiando a casa de Karine Holmes, a vítima de um ataque brutalmente grotesco. Diga-me Hugh, vocês têm algum suspeito do ataque da vítima?
Ele entonou sua voz de modo a ficar mais rouca.
– Achamos que é algum conhecido da vítima, pois não houve sinal de luta nem arrombamento. Já interrogamos os mais íntimos e não achamos nada de proveitoso em seus depoimentos. Ainda não temos um suspeito específico.
– E o que os legistas falaram que pode ter sido a causa da morte? – continuei. Eu sorria de vez em quando para deixá-lo tranquilo, mas o que me deixava mais calma era que Hugh estava de costas para a casa, assim, caso Dean ou Sam aparecessem na sacada, o policial não poderia vê-los.
– Eles dizem que o assassino deve ter matado a vítima com o auxílio de equipamentos especializados, praticamente um profissional. A primeira legista comentou que poderia ter sido ataque de um animal também, por causa de como ficou o corpo... Muitas opiniões controversas sobre como aconteceu o crime, mas ninguém, de fato, considerou o ataque de animais, pois animais deixam rastros.
– Esse assassinato chocou muito os pobres cidadãos da cidade de Charlotte, tem gente até falando que pode ter sido maldição da família. O que a polícia acha sobre essas teorias sobrenaturais? – perguntei, fazendo cara de séria, mas com muita vontade de rir.
– Isso tudo é lenda e estamos trabalhando com transparência para que as pessoas parem de se apoiar em crendices. Trabalhamos com realidade. – Tive vontade de falar que ele não conhecia a realidade de verdade... – Comparamos o DNA desconhecido achado na sacada com todos os membros da família e não bateram as informações.
– DNA desconhecido? Então quer dizer que com esse DNA basta encontrar o suspeito certo?
– Com certeza – afirmou, surpreso. – É a principal pista. Se o assassino "profissional" não tivesse deixado essa pista, poderia ser impossível culpar alguém.
– A polícia tem ideia de como mais ou menos aconteceu o assassinato? Como uma 'reconstituição do caso'?
Hugh sorriu para mim.
– Por enquanto, cremos que aconteceu da seguinte forma: Karine chegou e trancou sua casa. Ela tomou um banho, colocou pijama e foi assistir à televisão. O assassino tocou a campainha, com alguma luva, e Karine abriu a porta. Como eu já disse antes, suspeitamos de alguém conhecido. A pessoa atacou Karine sem fazer barulho algum. Antes de ser morta a vítima deve ter conseguido dar um soco na cara do assassino, pois ele deixou que uma gota de seu sangue caísse no tapete, o lugar em que ele provavelmente escapou. É uma rua muito quieta, ninguém o viu entrar nem sair.
Eu assenti.
Eu sorri, desligando o gravador e o colocando na bolsa, abrindo a porta e jogando-a no banco ao lado do motorista.
– Obrigada, Hugh, suas informações foram muito úteis. Tenho certeza que conseguirei começar a matéria – Fechei a porta novamente.
Ele sorriu maliciosamente, gostando de se sentir útil. Nem sinal dos meninos. Eu teria que dar o próximo passo.
Dean's POV
Olhar a cena onde uma loirona gostosa como aquela morreu era muita dor no coração. Mas isso não me prendia por muito tempo: Eu estava preocupado com o que Rebecca estava fazendo em meu carro. Dei um sorrisinho de lado, apesar de tudo.
Sam iluminou as cômodas com a lanterna, tentando achar alguma coisa.
– Amanhã eu vou pedir para Angelina o endereço da melhor amiga da Karine. Tenho certeza que ela guarda segredos mortais – brinquei.
Sam revirou os olhos.
– Bem, primeiro a gente vai ter que inventar uma história para irmos – falei.
– Mas é melhor pensar nisso depois, quando estivermos com Rebecca. Senão a gente vai ter que explicar tudo... E vai ser muito complicado. Coisas que não pensávamos quando éramos em apenas dois: deixar para falar assuntos relevantes quando tiver os três no mesmo lugar.
Eu assenti e dei uma espiadinha entre as cortinas, para ver o policial e Rebecca. Eles estavam conversando, pelo jeito, mas o cara estava próximo demais. Pude ver Rebecca dando um sorriso e contornando o carro. O policial a seguiu.
– Uh – murmurei. – É agora que a pegação começa.
Sam bufou.
– Vamos logo com isso, Dean, e vamos embora.
Revirei meus olhos e ajudei meu irmão a procurar coisas suspeitas.
– Sam, não tem nada aqui – retruquei. – Vamos, que eu quero meu carro de volta.
Nós descemos por onde subimos e andamos bem rápido, tentando passar despercebidos no semi breu das ruas abandonadas, uns seis quarteirões direto.
– Pronto – falou Sam, ofegante. – Liga para meu celular e vamos acabar com isso.
Rebecca's POV
– É um prazer cumprir com minha missão de ser transparente com a população – respondeu, analisando meu decote.
Sorri. Eu podia apostar que foi mesmo um prazer para ele.
– Vai ficar muito tempo na cidade? – perguntou.
– Não... Apenas o suficiente para conseguir escrever a matéria. – Eu mordi meu lábio inferior. Estava caindo na rede... – Que tal se eu te passar meu e-mail? Aí você poderia entrar em contato caso viesse alguma informação noticiável. Se você não se importar, claro...
– Sem problema algum!
– Só um minutinho – disse, dando a volta no carro, sentindo-o atrás de mim.
Abri a porta do carona (co-piloto ou passageiro). Peguei um bloco de notas e uma caneta dentro de minha bolsa e escrevi o e-mail que eu inventei naquela tarde. Entreguei a ele, joguei as coisas no banco e fechei a porta. Hugh enfiou o cartão no bolso de trás da calça e eu me encostei ao carro de Dean, sorrindo maliciosamente.
Que diabos! Por que Sam e Dean não ligavam logo? Eu não tinha mais como distrair o policial!
Ou tinha... Mas teria que arriscar.
Sorri mais uma vez e passei a mão pelo tórax de Hugh.
Meu gesto pareceu ser a comporta para o desejo dele. Hugh lançou-se sobre mim, apertando tanto seu corpo no meu que eu pude sentir seu membro rígido em minha coxa. Agarrou minha cintura com as duas mãos e me beijou. E tudo pareceu o paraíso.
Eu estava na seca há tanto tempo que para mim qualquer beijinho seria o suficiente para ser bom, mas aquele beijo estava para lá de divino. E de repente minha escolha de servir como distração para que os Winchesters invadissem a casa não pareceu mais tola – e sim, perfeita.
Eu agarrei a nuca do rapaz e por um momento me preocupei com uma coisa: Se Hugh olhasse para cima, poderia ver alguém na casa, porque agora ele estava de frente. Eu o afastei e peguei em sua farda, nos girando. Agora eu estava de frente para a casa.
– Eu tenho medo de arranhar a tintura do carro – ofeguei, explicando. Nada melhor do que um beijo de tirar o fôlego.
Hugh se aproximou sorrindo e agarrou minha cintura novamente.
– Eu acho que você não arranharia a tintura do muro...
Ele me prensou contra o muro da casa enfrente a casa de Karine e me deu outro beijo. Eu retribuí com fervor.
Subi minha perna, colocando-a em seu quadril. Ele a agarrou como se sua vida dependesse disso. Enquanto ele pegava nas minhas coxas, eu apertei de leve os seus braços e fiquei maravilhada quando vi a altura dos músculos.
Eu esqueci minhas preocupações – esqueci-me de Sam e de Dean, esqueci onde eu estava, esqueci o que eu estava fazendo ali e o que eu vim fazer ali, esqueci meu nome, esqueci de tudo – quando Hugh começou a beijar o meu pescoço.
E foi quando o mundo caiu – ou, sendo menos dramática, quando eu pisei no chão novamente. Um toque soou pelo ambiente. Era um toque irritante, um toque... de celular. O celular de Sam.
– Desculpa – falei ofegante quando afastei Hugh e corri para pegar o celular na bolsa.
Eu me senti... descabelada.
– Alô? – murmurei ao telefone, tentando encontrar ar e controlar minha respiração.
– Já saímos daí – sussurrou Dean.
– Oi, Ash! – gritei, olhando para Hugh enquanto ele mexia em meu cabelo. – Desculpe, eu sei que estou atrasada.
– Mudei de nome – brincou do outro lado da linha. – Siga reto, vire na sexta rua à esquerda. Estaremos na esquina.
– Certo. Me espere para o jantar!
– Vou esperar – ironizou Dean. Revirei meus olhos. – Mas e aí? Soube distrair o cara bem? – perguntou, mas eu o ignorei.
– Tchau, Ash. – Me despedi. – Desculpe, Hugh. É a fotógrafa que veio comigo para registrar a matéria. Ficamos de jantar. – Eu encostei meus lábios nos deles mais uma vez e contornei o carro.
– Tchau. Espero cruzar com você de novo na delegacia...
– Espero que eu precise ir lá. – Pisquei. Seu olhar ainda estava obscuro de desejo, mas pude notar algo de desapontamento. Até nunca, bonitão.
Eu dei partida no carro e segui reto a rua por um longo trecho. Eu sabia que não dava mais para ver o carro lá da casa de Karine e relaxei, parando-o para retocar meu batom. Se Dean me flagrasse toda desorganizada eu estaria perdida. Quando vi que eu estava apresentável, segui reto e virei na próxima rua. Eles estavam sentados na sarjeta da calçada, com cara de tédio. Estacionei e saí do carro.
– Demorou – resmungou Dean. – Poderia ser mais breve com o seu amiguinho lá.
Eu revirei meus olhos.
– Ele deu bastantes coisas para se pensar, deveriam me agradecer também... Ele nem percebeu nada – defendi. – E como vocês foram?
– Muito bem. Temos muitas informações para trocar então – murmurou Sam.
Dean me analisou pelo retrovisor.
– O laço de seu vestido está torto.
– Ah! – arfei, arrumando-o rapidamente.
– Puxa, agora me conta o que aconteceu! – exigiu. Eu sabia que não ia ter jeito mesmo.
– A culpa foi de vocês, que não ligaram logo! Eu acabei de perguntar as coisas para o moço, eu não tinha nem ideia do que falar mais... Eu esperei mais um pouco e a gente conversou sobre coisas pessoais e eu passei o e-mail fictício para ele. Bem, eu pirei! Acabei deixando ele me beijar.
Dean riu.
– Acabou deixando ele te beijar. Explica isso.
– Certo, a gente estava lá se beijando até que vocês ligaram. – Dei de ombros.
Dean reagiu natural – estava, sim, achando graça. Mas Sam... ficou estranho, com cara fechada e sem dizer nada, no modo "pai controlador" que vinha vestindo desde que me aceitou na caravana.
– Tem alguma coisa, Sam? – perguntei delicadamente. Ele virou-se para me encarar e depois encarar Dean.
– Foi muito errado – disse Sam. – Você beijou o cara como distração!
Eu levantei as sobrancelhas.
– Aposto que você e Dean agarram mulheres mesmo sem precisar de distração. Fica calmo, Sam, eu não me importei. Senão não o teria feito.
Sam ainda parecia insatisfeito, apesar de Dean ter soltado uma risadinha.
– Dean – comecei. –, fale a verdade, alguma vez um de vocês já teve que servir de distração ou coisa do tipo?
– Uma vez o Sam teve que ir a uma festa com uma velhinha que era tarada por ele só para manter a fachada – confessou Dean.
– Mas eu não tive que beijá-la – retrucou.
– Só porque você não quis. A Rebecca também não precisava beijar o cara, mas ela quis. Entendeu a semelhança?
Sam suspirou, se recusando a concordar.
– De qualquer forma, o importante é que reunimos informações e amanhã podemos visitar a tal melhor amiga da Karine, se conseguirmos que Angelina nos passe o endereço agora no jantar.
Ninguém parecia discordar dos planos do irmão mais velho.
Dean estacionou o carro e nós três saímos no mesmíssimo instante. Foi engraçado.
Ao entrar na recepção, já dava para sentir o cheirinho de comida...
– Hmm – murmurou Sam.
– Olá, pessoal – disse Angelina assim que chegamos à área de refeição. – A comida está pronta!
Ela me olhou de cima a baixo e fez uma cara de esnobe, como uma boa interiorana.
Angelina's POV
Aquela prima de Raphael me irritava. Por que ela precisava se vestir tão vulgarmente para uma cidadezinha tão pequena e sem movimento? Ela iria jantar, e não a uma boate!
Eu arrumei a mesa para os três e arrumei a mesa ao lado para mim.
– Sentem-se aqui. – Indiquei a mesa. – Vou trazer o jantar.
– O que tem para comer? – perguntou Nicole impacientemente. Eu suspirei e forcei um sorriso.
– Frango com batatas – respondi. Ela sorriu.
Ela não parecia desgostar de mim. Para ser sincera, eu não tinha nada contra ela. Apenas não bateu o santo. Quer dizer, ela parecia inacessível demais. Soberba.
Eu servi os três e me servi também.
– Ei, Angelina, sente-se com a gente – ofereceu Nicole.
– Sério? – Afinal, eles eram hóspedes.
– Lógico! – concordou Raphael. – Eu não sei como não pedi antes.
Eu sorri como uma adolescente, pensando que ele talvez tivesse gostado de mim.
– Tudo bem, obrigada!
E o tal Robert nunca falava! Credo!
– Angel – começou Raphael –, lembra quando você falou que poderia me dar o endereço da casa da Olívia, a melhor amiga de Karine?
– Lembro – murmurei. Estávamos sós na cozinha e eu percebi que ele estava jogando charme. Sorri.
– Você poderia fazer esse favor? Amanhã, ou até hoje mesmo, iremos falar com ela – Raphael continuou.
– Ela não vai contar nada a vocês se vocês não falarem que são policiais... – desdenhei. – Ela não é uma das mais receptivas.
– Pode ficar tranquila, a gente dá um jeito. – Ele piscou para mim e parei para refletir: será que o flerte era só para conseguir informações? Ele usaria essa técnica com Olivia também?
Rebecca's POV
Estava muito na cara que Angelina estava morrendo de ciúmes de Dean, assim como estava na cara que ela me odiava e eu nem sabia o porquê.
– Rua da Catedral, número 16. É perto do centro – falou ela, por fim.
Por que mulheres quase sempre odiavam outras mulheres? Melhor, por que mulheres quase sempre odiavam as mulheres que acompanhavam homens bonitos? Está faltando a palavra sororidade por aí... Talvez fosse uma força da natureza ou talvez o santo de Angelina não bateu com o meu demônio.
Nem brinque com isso, pensei. Eu costumava brincar com coisas como 'demônios' quando eu não sabia que eles existiam de fato. Agora eu estava consciente de que eles eram reais – e de que um deles matou meus pais. Trinquei os dentes e perdi o apetite. Empurrei o prato.
– Acabou? – perguntou Sam.
– Sim.
Ele levantou as sobrancelhas.
– Bem, estarei lá em cima, esperando – eu disse.
Quase saí correndo para alcançar logo o quarto, mas quando cheguei lá me lembrei de que não estava com a chave. Com medo de voltar e os meninos vissem a minha cara, eu me sentei perto da porta e coloquei a cabeça nos joelhos. Pensar na morte dos meus pais me dava enjôo.
Sam's POV
– O que ela tem? – perguntei a Dean. Ele deu de ombros, com a expressão mais confusa do que a minha.
Eu terminei rapidamente de comer o meu pedaço e engoli minha Coca, percebendo que Rebecca nem tinha bebido a dela.
– Já vou também. Boa noite, Angelina. Prazer te conhecer.
Andei rapidamente até a porta do quarto, onde encontrei Rebecca encolhida no fim do corredor. Eu me aproximei calmamente até que ela percebeu a minha presença e se levantou em um rompante.
– Ah, eu, ah... Esqueci a chave do quarto – disse. Olhou para baixo e eu me aproximei, levantando seu rosto. Uma lágrima escorreu de seus olhos.
– O que foi? – perguntei.
– Ainda dói pensar na morte dos meus pais. Eu sem querer pensei nisso e senti que eu ia me descontrolar, então vim para cá...
– Eu sei como é – murmurei. – Mas com o tempo você aprende a superar isso. Eu prometo.
Peguei o seu rosto em minhas mãos e encarei seus olhos castanhos escuros. Ela deu um sorrisinho terno, completamente vulnerável por um momento. Vulnerável a garota mais forte que eu já tinha conhecido...
– Obrigada – agradeceu. Ela me deu um abraço e ouvimos um som estranho.
– Ham-ham – pigarreou Dean.
Rebecca e eu olhamos para ele no mesmo instante, ainda abraçados, e depois a vergonha nos consumiu tão rapidamente que nos soltamos na mesma hora.
– Tudo bem – começou meu irmão. – Podem continuar. Eu fico aqui fora caso queiram usar a cama...
Rebecca ficou em um estranho tom de vermelho e fuzilou Dean com os olhos, entrando no quarto. Dean deu um sorrisinho para mim e mexeu as sobrancelhas, entrando também.
Rebecca's POV
Dean era tão sem-graça. Eu juro que um dia eu daria o troco nele.
– Bem, o que fazemos agora? – perguntei, quebrando o silêncio.
Foi Dean quem respondeu.
– Poderíamos agir hoje. Ir ao endereço que Angelina passou. Ninguém aqui está com sono e precisamos agir. Depois que formos lá, você coloca a gravação que você fez para rodar e a gente reune as informações da noite.
Eu assenti.
– E o que a gente vai falar para ela quando chegarmos lá? Que nós somos agentes disfarçados? – provocou Sam, com um sorrisinho fofo. Escondi uma risada.
– Não, tenho uma ideia melhor. – O sorriso de Dean me deixou com medo. – A Rebecca pode ser uma velha amiga de escola.
– E vocês dois? – perguntei. – Será meio esquisito, né, chegar à casa da garota a essa hora da noite com dois familiares assim, em uma gangue.
Dean ignorou minha provocação.
– Eu serei seu cunhado – falou ele.
– Meu o quê? – perguntei, o olhar disparando de Dean a Sam. Sam também olhava para nós dois como se procurasse uma explicação. Ele estava com o rosto tão pasmo quanto o meu, isso eu podia apostar.
– Cunhado. – confirmou Dean. – Eu serei irmão de Sam, que é o seu namorado.
Fiquei momentaneamente sem ter o que falar.
– E por que essa é a melhor escolha de papéis? – questionei.
– Oras, porque justifica você andando grudada com seu namorado. Não justifica você andando grudada com seu irmão, primo, amigo, o que seja – tentou me convencer.
Infelizmente fazia sentido.
Mas encenar com um cara que eu não conhecia e nunca teria que ver depois me parecia razoavelmente aceitável. Encenar com Sam, que eu teria que encarar todos os dias, compartilhar quartos, talvez camas, por muito tempo – se não, para toda a vida... No mínimo, estranho.
– Ãhn, vocês são mais profissionais nisso, se for a melhor saída, eu estou de acordo – não quis estragar a dinâmica deles.
– Eu não sei... – disse Sam.
– Sam, aproveita. Se você não for namorado dela, eu serei. E nem darei chances a você – ameaçou Dean, sorrindo maliciosamente.
Eu não gostava do jeito que ele falava, como se eu fosse um produto, o último produto da prateleira. Tenho certeza de que ele levaria o papel bem mais a serio do que Sam – e isso me deixava com um pouco de medo.
– Certo – convenceu-se Sam, parecendo ter pensado o mesmo do que eu. – E os nomes?
– Os mesmos. Só deixamos os sobrenomes de fora – explicou o mais velho.
Assentimos e descemos as escadas, encontrando Angelina arrumando a mesa. Ela viu a gente descendo, mas seus olhos só focavam Dean. Sam e eu nos entreolhamos, rindo zombeteiramente de Dean. Este fez uma careta para nós.
Saímos da pensão e entramos no carro.
– Bem, Dean, na volta Sam irá dirigir e você virá aqui atrás – falei.
– Por quê? – Ele franziu o cenho.
– Oras, o carro é do meu namorado e não seu. – Eu pisquei para Sam, que soltou uma risadinha.
Dean revirou os olhos, mas suprimiu o comentário espertinho quando chegamos ao lugar. A cidade era um ovo.
– Uau – murmurou Dean. – É esse casarão?
Eu assenti. A tal casa de Olívia era mesmo enorme.
– Bem, então vamos – falei. – Não me desmintam em nada.
Descemos do carro e eu corri para o lado de Sam, pegando na mão dele. Eu estava envergonhada demais para olhar em seu rosto e ver sua reação. Toquei a campainha.
Passados dez segundos saiu uma garota loira e baixa da casa. Ela estreitou os olhos para nós.
– O que desejam? – perguntou.
– Olívia! – chutei, sem saber se aquela garota era mesmo Olívia. Ela arregalou os olhos e eu enchi meus olhos de água. – Sou eu, Nicole!
Ela abriu um pouco a boca e abriu o portão.
– Nicole? – disse, com cenho franzido.
– Sim, eu estudei com Karine no primário, me mudei ainda criança. Da última vez em que eu vim visitá-la ela nos apresentou – continuei. O rosto de Olívia se suavizou e ela sorriu.
– Sinto muito que tenhamos que nos rever nessa situação, então. – Ela abriu o portão. Visivelmente era educada demais para falar que não se lembrava especificamente de mim. Mas, afinal, eu era uma branca, morena e magra. Tenho certeza de que ela poderia me encaixar em algum rosto em sua memória perdida.
Eu entrei ainda de mãos dadas com Sam e Dean veio atrás de nós.
– Esse é o Robert, meu namorado, e aquele é o Raphael, irmão dele – apresentei. Sam sorriu para ela e Dean deu aquele sorriso malicioso que eu bem conheço. Revirei meus olhos.
– Desculpe se a gente já falou sobre isso, mas para onde você se mudou? – questionou.
– Para Natalia. Eu vim visitar Karine e quando cheguei aqui... fiquei sabendo da notícia. – Abaixei minha cabeça. – É tão triste... Eu precisava vir falar com você.
– Desculpe por não me lembrar de você, mas tenho certeza que nos demos muito bem na ocasião em que fomos apresentadas. Entre.
Por dentro, a casa era mais clara, mas os móveis eram antigos. Combinação perfeita. Eu sorri.
– Bela casa – murmurei. – Arquitetura e decoração antiquados.
– É dos meus pais. Na verdade, era... É que eu ainda não me acostumei. Eu vou mudar a decoração, só que estou fazendo isso aos poucos. Somente o meu quarto é modernizado – respondeu.
Eu assenti, sabendo como ela se sentia ao falar dos pais no passado. Senti um laço instantâneo entre nós.
– Sentem-se.
Eu me sentei em um sofá baixo abraçada a Sam e Dean sentou-se do meu lado direito. Olívia posicionou-se a nossa frente.
– Karine não merecia ter morrido assim – comentei e Olívia fez uma careta, concordando.
Com meu sexto sentido/percepção sobrenatural de mulher, foi um segundo de olhar para o rosto da outra garota e de sentir a atmosfera que pude notar um certo olhar de resistência. Estava tão palpável! Olívia era a melhor amiga de Karine – Certo. Mas tinha mais coisa aí.
– Realmente. Ainda me dói como tudo aconteceu – disse.
– Ela era tão... ela, né? Em um pedestal inalcançável. A gente brigava muito quando crianças. Mas a distância fez bem à nossa amizade – eu disse, fingindo limpar o meu olho cheio de lágrimas. A estratégia era só jogar defeitos que Karine pudesse ter e ver se Olivia fisgava.
– Realmente. Conviver com Karine demandava energia. Me mantive sua melhor amiga mesmo assim. Eu via as qualidades dela. – Ela sorriu como se recompensando a si mesma pelo bravo feito.
– Ela sempre me falou maravilhas de você. Que bom que você não a abandonou. Mesmo que algumas pessoas tenham. – Outro verde jogado. Todo mundo tinha pessoas que se perdiam em algum momento da vida, certo? Seja por tragédias, brigas, incompatibilidades.
– Ah, sobre o ex, você diz? Tenho certeza que Karina só falou horrores para você. Mas para ser sincera não dá nem para culpar ele. Eles não tiveram um relacionamento muito saudável.
Eu fiz uma cara de choque, interessada no assunto.
– Como assim? Achei que ele tivesse sido cafajeste com ela! – falei. Eu podia apostar que ela estava amando fofocar sobre a vida da amiga. E também podia apostar que Sam e Dean estavam assustados com o meu desempenho com Olívia.
– Bem, ela nunca valorizou o namorado. Ela vivia traindo... Não foi culpa exatamente dele. Mas ele também nem dava bola, porque na verdade ele nunca gostou dela, toda a cidade sabia! Se eu te falar que até Angelina já brigou de tapas com Karine...
– Angelina? – perguntei, olhando para Dean e depois para Sam. – Essa eu não conheci.
– É! A Angelina, que trabalha no hotelzinho da família dela, é irmã do namorado da Karine. A pequena Angel não gostou de saber que seu irmão era corno. – Ela riu de um jeito sombrio, como se estivesse se divertindo com a lembrança. – Lembro que Karine ficou tão brava que brigou com Felipe... Ai, Karine já me divertiu tanto...
Pela conversa, o Felipe é o irmão de Angelina. Eu dei uma risadinha. Dados ocultados, não?
– Mas Karine traía o Felipe e ele nem ligava? – perguntei. – Isso é estranho...
– Eu falei... Felipe nem gostava dela. Eles já viviam brigando porque ele sempre saía à noite sei lá para onde e nunca dava uma explicação decente. Ele falava que era apaixonado por ela, mas onde já se viu sair assim e não explicar aonde foi? Ela ficava chateada se ele saía e eu acho que foi por isso mesmo que ele começou a fazê-lo. Depois de um tempo, eles terminaram.
– Por que eles terminaram? – falei, curiosa. Os olhos de Olívia brilharam. – Karine me disse que era porque ele a fazia sofrer demais...
Dean's POV
Que porra Rebecca estava fazendo? Ela estava realmente falando mal da falecida? Enruguei meu cenho para Sam, que estava com o mesmo olhar de confusão que o meu.
Depois de um tempo (e muitas conversas entre as duas mulheres) percebi que Rebecca sabia o que estava fazendo. Eu imaginei que a Olívia ficaria toda sentimental, chorando 'Karine era minha melhor amiga, não merecia morrer desse jeito', mas ela estava rindo da mulher que morreu. Ela estava falando mal de Karine.
Arrisquei dar uma rápida olhada para Sam e ele estava com o rosto espelhado no meu.
Rebecca, agilmente, continuava a tagarelar com Olívia, descobrindo coisas rapidamente, com mais facilidade do que eu teria imaginado. Ela descobriu nome, endereço, personalidade do namorado de Karine, que não sabíamos antes que existia. Descobriu sobre a vida pessoal e geral. Ela era ótima!
– Eles terminaram porque um dia Felipe saiu à noite e brigou com um amigo de Karine. Foi só isso. Por isso que eu te falo que ele nem gostava dela! Karine terminou e ele aceitou tudo na boa? – Olívia bufou.
Rebecca balançou a cabeça.
Rebecca's POV
Talvez Felipe fosse um lobisomem, saía a noite e não queria explicar para a namorada que era um lobisomem. Mas um dia ele estava cheio das brigas inúteis dela e contou a verdade. Karine não acreditou, achou que era uma desculpa horrível e terminou com ele. Quando ele virou lobisomem, decidiu vingar-se. Era uma boa teoria.
– Karine sempre foi uma boa amiga – murmurei. – Mas me guardava muitos segredos!
Olívia riu.
– Não leve para o pessoal. Eu aposto que guardava até de mim.
Eu dei mais uma analisada na casa, buscando o que falar, agora que pensava que já tinha extraído todas as informações relevantes.
– Aceitam alguma coisa? Me desculpem se eu perguntei tarde demais... – ofereceu.
– Eu quero uma cerveja – disse Dean, sorrindo.
Eu olhei com censura para ele.
– O que foi? – disse.
Olívia deu uma risadinha.
– Deixa ele... Eu vou trazer uma para mim também. E você, Nicole? E você, Robert?
– Também quero uma cerveja - murmurou Sam.
Eu fiz uma careta.
– Eu não bebo cerveja – falei.
– Vou trazer uma coisa especial, então. – Olívia saiu da sala.
Dean me encarou.
– Uau! No começo eu pensei que você estivesse louca, falando mal da Karine. Mas você estava... certa! – sussurou Dean.
– Mulheres são perceptivas – contra-ataquei.
– Você não ficou com medo de ofender a garota? – perguntou Sam em voz baixa.
– Não. Estava na cara que ela não gostava tanto assim da Karine – respondi no mesmo tom de voz. Eles riram e Olívia voltou.
– Suas cervejas – Ela serviu os dois. – E o seu drink.
A bebida que ela me ofereceu era algo transparente com morango. Vodka? Saquê? Bebi um pouco com o auxilio de um canudinho.
– Nossa, é uma delicia – falei. Saquê. Ela riu tomando sua cerveja.
– Eu comecei a beber tomando isso aí – Olívia apontou minha bebida. – Depois evoluí.
Todos nós rimos e com o passar dos minutos eu desconfiei de que estávamos ficando tonto. Pelo menos, eu estava. A casa girava e eu estava com pensamentos muito loucos. Tentei me controlar. Fraca demais para bebida!
– Por que Felipe brigou com o amigo de Karine? – questionei de repente. – Desculpe as perguntas. Parece que me conectar com quem Karine era e com o que ela estava passando me faz sentir um pouco... mais tranquila sobre a morte dela.
Olívia deu de ombros.
– Eu entendo... Sobre a briga, eu acho que o amigo de Ka chamou Felipe de corno. Aí ele empolgou. Na verdade, Felipe empolgava por qualquer coisinha. Coisas de homens, brigar toda a hora. Eu gosto.
Eu assenti, formulando alguma resposta.
– O meu Robert também sabe brigar – murmurei, passando o dedo no rosto de Sam e olhando para seu rosto. Ele estava ajudando no meu teatro, me encarando de volta com um sorriso. – Os dois sabem.
Eu me virei para Olívia e acenei para Dean.
– Coisas de família – brinquei. – Aliás, por que você começou modernizando seu quarto? – perguntei de repente à Olívia. Eu deveria estar falando do caso, mas eu não conseguia. – Quero dizer, normalmente as pessoas modernizam a sala primeiro, porque é o lugar onde as visitas ficarão e tals.
Ela riu, percebendo meu estado etílico.
– O meu quarto é especial – falou. – É o meu lugar preferido. Quer ir lá ver?
Eu sorri.
– Lógico! Espere aqui, meninos, e se comportem.
Eu me levantei, deixando meu copo vazio na mesa de centro e Olívia me esperou chegar até ela. A cerveja dela também estava vazia e abandonada na mesa.
Assim que passamos pelo portal, que era um espaço sem porta, Olívia começou:
– Você e seu namorado são estranhos.
– Por quê? – murmurei ofendida.
Ela riu, abanando as mãos.
– Se eu tivesse um namorado daquele iria dar um beijo nele de tchau, de oi, de volto logo...
– Ele é tímido – respondi sorrindo, tentando não formar a imagem mental desse acontecimento. Talvez seria algo que eu até quisesse...
Subimos umas escadas.
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