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Capítulo 20

Estávamos relaxados e distraídos quando a carruagem parou. Me inclinei afastando o tecido que escondia a pequena janela ao meu lado, observando com fina amargura o grande portão de ferro. Aquele lugar se assemelhava a muralhas de guerra. Uma muralha que me aprisionou por anos, e eu não me referia fisicamente. Apesar de tantos dias e noites turbulentos ali havia sido meu lar. Os pensamentos foram dispersos assim que o cocheiro recebeu permissão para continuar seu trajeto. Christopher pousou sua mão quente e acolhedora sobre a minha, demonstrando empatia pela situação em que estava prestes a enfrentar. Minha respiração pesou e imediatamente soltei todo o ar que havia sido preso em meus pulmões. Um arfar libertador. Olhei para ele em despedida assim que o veículo parou novamente. Já estávamos frente a escadaria principal. Meu amado sorriu suavemente, antes de tocar meus lábios.

– Assim que terminar o que pretende fazer, vá até o meu escritório na cidade e me procure para voltarmos juntos, tudo bem? – Confirmei com um leve movimento na cabeça antes de descer e ele partir.

Olhei para todo o meu redor recordando por alguns segundos a última vez em que estive naquele lugar, trajando um vestido de noivas exuberante e assustador. O jardineiro assim que me viu, cumprimentou-me sorridente e amigável, mas também parecia bastante surpreso. Todos ali eram gentis comigo, de maneira sincera, menos os meus pais.

Endireitei a coluna para ganhar confiança e caminhei até o primeiro cômodo. Na sala de visitas, as empregadas mostraram a mesma expressão do homem que cortava as flores no lado de fora. Elas abraçaram-me calorosamente e eu as correspondi com alegria. Era bom lembrar de todos que tornavam tudo mais fácil e suportável.

– Soltem-na – O ruido áspero e familiar da voz de minha mãe ecoou por todo o lugar. Rapidamente fui deixada sozinha, sem despedidas.

Tudo voltou a ficar solitário, exceto pela presença de Blanca caminhando com firmeza e segurança, como sempre o fez. Ela posicionava o corpo de uma forma imponente.

– Bons Dias.

– Sempre agindo de maneira informal com os empregados, não é, Dulce Maria? Espero que seu marido não seja incomodado com esse tipo de comportamento.

– Christopher tem muito mais com que se preocupar, mamãe.

– Que surpresa você vê-la aqui – ela desdenhou da minha resposta, continuando a caminhar e falar – Qual o motivo da visita repentina?

– Apenas fazer exatamente o que mencionou. Visitá-los. Até porque tenho bem certeza de que soube dos últimos acontecimentos comigo. – Meu peito ardeu dolorosamente pelo descaso que sua feição transmitiu.

Aquela mulher me gerou e deu-me a vida, como eu podia odiá-la de fato? Era a minha mãe e tudo o que mais almejei foi seu carinho, abraço e segurança. Christopher deixou bem claro que nem um dos dois ousou perguntar ou ir me ver no período em que estive desacordada.

– A única coisa que soube foi que você, mais uma vez, agiu de maneira desastrosa. Que todos falavam de seu possível divórcio e que por pouco não sujou nosso nome – repugnou – Será que nunca vai aprender a fazer as coisas corretas?

Naquele segundo já estava a sangrar e me questionar repetidas vezes do porquê de ter ido ali. No meu mais íntimo sentimento idealizei a ideia de que talvez eles não soubessem ou estivessem fora do país. Tentei justificá-los de todas as maneiras possíveis antes de ouvir com tanta clareza aquelas duras palavras.

– Como pode ser assim, tão cruel? – Questionei em vão, segurando a lágrima teimosa que insistia surgir – Como pode dizer esses absurdos? O que eu fiz para que me odeie com tanta intensidade?

A mulher me encarava com expressões duras e inelegíveis. Não consegui traduzir o que ela pensava ou sentia naquele momento. Sua postura permaneceu a mesma, intacta e impenetrável. Blanca me olhava com atenção, mas ao mesmo tempo mantinha sua posição superior e contida, até que enfim parou próximo a uma escultura qualquer que enfeitava o ambiente tacando-a no chão.

O som dos estilhaços da cerâmica me deixou ainda mais estarrecida. Foi ali que ela decidiu descontar a sua ira e insatisfação.

– Simplesmente você nasceu – Pigarreou com desprezo – Eu devia dar um varão ao seu pai. Um homem forte e sucessor, e olha o que me apareceu! Uma menina insolente, irresponsável e que não se parece em nada comigo. Apesar dos meus encasáveis esforços.

Fiquei paralisada e descrente. Tudo aquilo parecia ser uma peça de teatro elaborada com rigor.

– E para piorar – continuou seu desabafo – graças a você não pude mais conceber outros filhos.

– Sinto muito por ter sido algo tão desastroso em sua vida, mamãe – retruquei com os olhos mareados de dor –Mas sou tão desafortunada quanto a senhora, já que não tive como escolher nascer do ventre de um ser humano como você. Incapaz de amar e ser amada.

– Está se achando tão especial, Dulce Maria? Sei que perdeu seu filho no acidente, e sei também que já se passou um bom tempo desde que tudo aconteceu. – Insinuosa, desviou da escultura quebrada e caminhou até chegar frente a mim com ar de curiosidade e deboche – Já está grávida novamente? Pode ser que ao menos nisso se pareça comigo. Ser estéril.

Aquela suposição encerrou a conversa entre nós. Não existia mais interesse algum de permanecer naquele lugar. Como as de uma criança, minhas lágrimas se tornaram incontroláveis. Para esconder tamanha ofensa e menosprezo, sai dali às pressas e encarando o chão, sem conseguir olhar nada ao meu redor. O único destino que ansiava era novamente ver o portão de ferro.
De repente meu corpo foi traumaticamente freado pelo homem que acabara de chegar. Levantei o rosto visualizando meu pai.

– O que diabos está acontecendo aqui? – reclamou segurando-se para não ir ao chão – Por que corre dessa forma, Dulce Maria?

Tentei limpar-me, mas era impossível.

– Não ouve nada, meu pai. Já estou de saída.

– Como assim, de saída? O porteiro acabou de me informar que chegara a poucos instantes... E por que choras?

– É apenas os efeitos de rever dona Blanca. Nada que seja novo entre nós.

Meu pai conhecia a esposa, então não era necessário muitas explicações.Tentei sair novamente, mas ele insistiu em continuar uma conversa.

– Todos soubemos que estava doente, mas tive muito trabalho e não consegui ir visitá-la. Como está agora?

– Estou bem, e já me recuperei por completo.

– E seu casamento? Christopher está feliz, satisfeito com tudo? – era incrível como o assunto na minha casa, para comigo, se resumia sempre ao meu estado matrimonial.

– Se quer realmente saber, sim, estamos ótimos, papai. Christopher é um excelente marido. Não me falta nada, tenho tudo que quero e vocês estão muitos mais ricos por conta desta união – recitei em tom de ironia – Agora, preciso mesmo sair daqui.

Retomei a compostura e fugi da presença de ambos.
No jardim, gritei para o cocheiro, acenando e deixando evidente a minha pressa. Adentrei a carruagem desfazendo alguns laços que prendiam meu vestido na parte da frente. Precisava de ar. Estava sufocando nas minhas próprias angústias. Durante todo o trajeto chorei e gemi inconformada.

Não sei como consegui crescer naquele lugar. Minha infância havia sido solitária e triste, e naquela tarde Blanca deixou claro todo o seu desprezo pela minha existência. Agora fazia sentido todas as situações e maus tratos.

Quando cheguei ao prédio exuberante e formal, me recompus por breves minutos enquanto seguia pelo corredor que daria acesso ao escritório. Assim que abri a porta, Christopher estava sentado atrás de pilhas de papéis, concentrado, porém ao notar minha chegada ele estava pronto para sorrir quando percebeu a expressão estampada em meu rosto. Assustado, saltou da cadeira e me tomou nos braços.
Ao sentir seu calor e batimentos acelerados, desabei. Seus braços me envolveram ainda mais conduzindo-me até o sofá.

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