Capítulo 04
Assim que Christopher saiu, eu entrei.
A água batia nos meus lábios, e eu sentia o ardor massacrante lembrando-me de cada segundo da noite anterior. Meu corpo todo estava fraco e dolorido. Olhando-me no gigante espelho que havia lá, pude avaliar todo o meu corpo desnudo. Notei o grande hematoma que havia se formado nos meus pulsos, pescoço e boca. Aquilo fez meus olhos se preencherem de lágrimas, que logo saíram sem eu perceber.
Retirei-me do banho envolvida em um roupão, caminhando a passos arrastados e cuidadosos, já que todo ou qualquer movimento brusco atiçava a minha dor. Sentei-me sob a penteadeira de cabeça baixa e comecei a me pentear, absorta de tudo em minha volta.
Quando ergui novamente a visão, me assustei de imediato com o reflexo de Christopher no espelho da penteadeira. Eu nem me recordei de que ele ainda podia estar no aposento. Mas para o meu pavor, ele estava.
Galavar abotoava o colete mostrando o seu olhar vazio, sem receio algum, e em reposta a isso escondi meu corpo, abatida, fechando o roupão imediatamente.
- Como se sente? - Perguntou de forma mais serena, deixando-me completamente confusa.
Permaneci em silêncio, pois qualquer um que me visse naquele estado seria capaz de notar que eu não estava bem. Era uma provocação mesquinha. Foi então que graças a minha quietude ele se virou e andou até mim, apanhando meu rosto, mas eu recuei arregalando os olhos arisca.
- Não tenha medo, não vou fazer nada.
- Mais do que já fez?
- Você me obrigou a fazer aquilo. O que pensou quando teve a coragem de me afrontar dessa maneira? - Sua expressão havia mudado outra vez, dando espaço ao mesmo olhar frígido. Surpreendendo-me Christopher agarrou a minha mandíbula violentamente, e no mesmo instante cerrei os olhos em representação a aflição - Eu vou avisar mais uma única vez. Ninguém mexe no que é meu, e você agora é minha.
- Por favor, não me machuque mais - Supliquei - Meu rosto dói muito e eu mal consigo respirar - Tive que me rebaixar a ele sem nem um tipo de receio ou aquelas malditas feridas iriam aumentar e se tornariam maior que qualquer orgulho.
Quando pensei que o clamor seria em vão, ele gritou por minha governanta enquanto me libertava de seu contato.
- Mercedes! Venha até aqui.
- Sim senhor, o que deseja - Ela respondeu entrando com atenção no quarto.
- Ajude Dulce a se arrumar, e suma com essas marcas do rosto dela - olhando para mim mais uma vez antes de sair ele ordenou - A espero para o café.
Assim que sua presença foi retirada por completo, Mercedes me agarrou em seus braços, aterrorizada, com os olhos já mareados
- Menina, por Deus, o que houve?.
- Eu o odeio. Odeio com todo o meu ser - Afirmei, segurando-me ainda mais a ela, enquanto me desmanchava em lamentações de desespero.
"Christopher ainda não havia saído completamente de perto do quarto, e pôde ouvir muito bem o que sua esposa disse a empregada -Ela fez por merecer - pensou ele - Como ousava humilha-lo daquela maneira? -. O homem saiu do meio do corredor com uma incógnita que lhe atormentava a mente. - Quem fez Isso com Dulce? - Não importava quando seria, mas ele ia descobrir".
Mercedes puxou o espartilho com bastante força e o encaixou na minha cintura, mesmo sob as minhas reclamações. Selecionei um vestido da cor bege com detalhes em renda para usar e arrumei a pintura do rosto conseguindo camuflar os sinais da agressão. Christopher com certeza ficaria satisfeito com a minha capacidade em ser falsa.
Arrumando um semblante pacifico, desci as escadas e andei até a sala de jantar. Quando cheguei, todos já estavam sentados em seus lugares. Galavar, os seus pais, uma moça de cabelos pretos bem lisos e um rapaz alto e magro bem ao lado dela. A pele dele não era tão clara quanto a dos outros, mas seus cabelos castanhos e rosto com traços bem finos o embelezavam bastante.
- Bons dias - Cumprimentei os presentes, tentando ser o mais gentil possível. E ao contrário da minha casa, eles responderam agradáveis.
- Sente-se aqui - Ordenou Christopher, puxando a cadeira que estava ao seu lado.
O café estava servido e os empregados me agradaram com todos os cuidados. Mercedes me servia com o olhar revezado entre Christopher e eu. Ela estava descrente da naturalidade em que ele atuava perante sua família. Eu a olhei acalmando-a e só depois disso a mulher se conformou. Era incrível como sempre decifrávamos nossos olhares.
Comi devagar, pois certas comidas me doíam graças ao incômodo que estava sentindo no golpe sobre a minha boca. Por sorte, tudo era delicioso e macio. Decidi então me pôr a conhecer os integrantes da família Galavar.
A primeira pessoa que avistei e me intrigou foi a moça de cabelos negros, que não tirava por nem um segundo o seu sorriso genuíno.
- E você, quem é? Não me lembro de tê-la visto - Questionei apontando minha vista para ela.
- Desculpe não ter dito antes. Meu nome é Maitê, mas pode me chamar de May. Sou irmã do seu esposo - Ela tinha um sorriso realmente muito agradável e uma voz tão suave que não me deixava crer que teria saído do mesmo ventre que o leviano - E este aqui - falou apontando para o rapaz ao seu lado – É Thomas, amigo de meu irmão.
Eu já tinha escutado falarem aquele nome tão peculiarmente. Ele era da família Amorim, ricos também, um dos amigos que participava das leviandades de Christopher. Sempre os dois estavam ligados quando eu ouvia as histórias a seu respeito. Sorri mesmo que forçadamente para ele tentando ser a mais educada possível.
- Prazer senhora. Realmente meu amigo teve bom gosto, sua mulher é muito bela.
- Deixe seus elogios para depois, Thomas, precisamos sair agora, temos muito o que fazer.
Christopher o abordou com uma rispidez venenosa e ambos não se tardaram em deixar o local, se levantando às pressas. O rapaz parecia recear o comentário que o amigo lhe apunhalou. Galavar não gostava de mim e isso eu sabia bem, mas se mostrava muito possessivo, nem um pouco diferente do que transpareceu na nossa noite de núpcias. Principalmente por me intitular como propriedade.
Por uns instantes me perdi em pensamentos admirando os dois irem embora, até que Maitê me despertou.
- Dulce, o que acha de darmos uma volta pela mansão? Precisa conhecer sua nova casa - Ela segurou a minha mão com agilidade e me arrastou para fora - Não dê importância para os meus pais. Eles nunca falam - ressaltou quando já estávamos longe.
- Percebi - respondi com um leve sorriso sincero.
May era boa e doce e estar ao seu lado me trouxe uma paz inexplicável. Foi reconfortante.
Depois de andar por algumas horas, comecei a conhecer toda a extensão dos jardins que eram contemplados por um lindo espaço botânico repleto de diversos estilos de plantas e flores. Em meio ao passeio conversamos sobre muitas coisas que me faziam sorrir, ela tinha um senso de humor excelente. Aquilo me fez esquecer os momentos de tortura que passei com Christopher.
O dia estava quente e abafado, já havíamos percorrido muitos lugares e o cansaço já estava tomando de conta de nós duas. Depois de uma longa corrida cheia de risos encontramos uma sombra tentadora abaixo de uma árvore que calculei estar ali há muitos anos, e nos sentamos para descansar.
A grama baixa e o cheiro de verde invadiram meu olfato e naquele minuto respirei fundo e confortável.
- Nossa! Meus pés estão em chamas - rezinguei.
- Gostou da excursão? - Maitê perguntou aos risos, olhando a minha face de destruição.
- Oh, Sim. Tudo aqui é bem bonito, mas vou querer pés novos - reclamei novamente, desta vez massageando os pés com as mãos para voltar a sentir o sangue correr neles.
Enquanto falava mais sobre o fato de meus pês estarem adormecidos, Maitê gargalhou freneticamente até o som da sua risada se abafar, e a expressão feliz do seu rosto sumir.
- Dulce o que foi isso? - Ela apontou exaltada na direção da mancha escura na minha boca. Com o suor a pintura devia ter saído. Meu olhar se esvaziou quando pensei que estava sendo revelada.
- Nada demais. Esqueça.
- Não me diga que quem fez isto a você... - May pausou, repensando angustiada com a suspeita - Foi meu irmão? - Me detive por uns minutos até minhas lágrimas responderem antes de mim.
- Sim, foi ele - Aquilo me cortava por dentro só em relembrar.
- O que? Aquele arrogante vai me ouvir agora! - Antes que ela se levantasse para sair segurei seu braço fazendo-a se sentar novamente de forma brusca.
- Não faça nada. É melhor deixar isso de lado - percebendo a resistência em seu olhar, tentei reforçar o pedido - May, esqueça isso... por mim.
- Mas você não pode permitir algo assim, Dulce. Seja lá qual for o motivo, não existem justificativas para um ato tão insolente - mesmo querendo abrigo nos braços dela, continuei persistindo no seu silêncio.
Maitê me lançou um olhar penoso, segurando minhas mãos, inconformada e derrotada.
- Posso lhe fazer um pedido? - Assim que concordei com a cabeça ela continuou - Se isso acontecer de novo, me conte por favor, ou eu irei agora mesmo atrás dele.
- Tudo bem, eu direi a você.
Depois que a convenci de se manter silenciosa, ela me abraçou me reconfortando das dores que senti nos braços de seu irmão. Maitê em apenas um dia tinha se tornado a irmã que eu nunca havia tido na vida. E graças a isso senti que não estava completamente sozinha naquele lugar tão sombrio.
****
Retornando para a casa, me deparei com um estábulo nas proximidades e aquilo me fascinou instantaneamente. Era o que mais gostava de fazer. Convidei May de imediato para ir comigo até lá e logo que chegamos fui direto ao capataz para que ele pudesse selecionar os cavalos mais mansos para darmos um curto passeio. Cavalgar realmente me acalmava de tal forma que eu conseguia esquecer tudo.
Percebi que Maitê não tinha tanta habilidade assim como eu, mas nos divertimos bastante na tentativa de mantê-la esguia e formosa.
Chegamos na mansão próximo das dezessete horas, e mesmo com o início da noite banhando nossos corpos, rimos uma da outra quando ela foi lançada a frente pele animal. Fomos pegas de repente pelo olhar insistente de alguém que nos observava atento, com o semblante fechado.
Descemos dos cavalos e os entregamos ao homem responsável pelo estábulo, sem dar muita atenção para a presença desagradável que nos cercava. Christopher se aproximou de nós duas cruzando os braços em surpresa.
- Meu anjo, vejo que se divertiu esta tarde. Gosta de cavalgar?
- Gosto muito - Sorri em agradecimento ao capataz, e segurei o vestido, iniciando os passos - Bem, tenho que entrar. Vou me aprontar para o jantar.
Maitê concordou em me acompanhar, também ignorando totalmente a presença do irmão.
****
Enquanto escovava os cabelos, sentada frente a penteadeira, vi outra vez refletido no espelho a figura do leviano de braços cruzados a me analisar. Ignorei e prossegui no que fazia. Christopher adorava surpreender as pessoas e eu adorava vê-lo longe.
- Perdeu alguma coisa aqui? - Indaguei agressivamente ainda penteando o cabelo.
- Gentil como sempre não é, minha querida.
Ele girou a cadeira sem avisos e me apanhou em um beijo íntimo. Esse movimento e a sua atitude me fizeram derrubar a escova de cabelo das mãos, assustada. Christopher beijou-me com anseio e embora eu tenha tentado me esquivar e empurrá-lo, nada lhe fez efeito, nem sequer pude movê-lo. Ele era muito mais forte que eu. Mesmo assim, tentei mais algumas vezes me largar de seu corpo, até que ele enfim conseguiu me domar completamente.
Nós não tínhamos nos beijado até então. No casamento o que selou a união foram beijos dados na testa um do outro, e na noite do abuso ele não me fez carícias, e isso incluía beijos.
Comecei a sentir uma sensação estranha rondear meu corpo com o passar dos segundos. Os seus lábios eram quentes, aconchegantes, experientes a cada movimento. Sua língua dentro de mim me fez tremer e aquilo já estava me deixando em nervos. Não podia acontecer. Quando consegui me soltar lhe dei um golpe no rosto com a palma da mão e ele fixou o olhar duro sobre mim, enquanto sua mão segurava o local atingido.
- Você é desprezível! Nunca mais volte a fazer isso!
Saí do quarto às pressas, antes que ele decidisse revidar. Deixando um Christopher furioso para trás.
****
Na mesa de jantar, o último a chegar foi ele. O leviano sentou-se ao meu lado de uma maneira fria, nada estranha, e fez os cumprimentos de obrigação antes de começar a comer. Eu não conseguia entender o que havia acontecido no quarto. Ele de repente me beija como se nada houvesse acontecido. E aquele Beijo. Ainda conseguia sentir o seu sabor no meu paladar, me causando arrepios. O que há de errado com você, Dulce? Esse homem te espancou até não poder mais!
Meu corpo me dizia isso, e eu estava dolorida, confusa, carente. Uma mistura perigosa para alguém vulnerável como eu. Tentei manter o foco no corte que fazia na carne que estava prestes a ingerir.
Após o jantar, todos se direcionaram até a sala para jogar conversa fora e manter uma socialização típica das famílias tradicionais. Os homens falavam sobre economia, guerras, tributos e fortunas. Nós mulheres fazíamos bordados trocando modelos e opiniões. Meus sogros conversavam baixo, como que em segredo. Christopher não participou, pois estava no escritório a ler pilhas de papéis. Mas não demorou muito para que alguém fosse capaz de lembra-nos de sua existência. O seu amigo Thomas entrou na sala distribuindo saudações.
- Boa Noite. Como estão? - Os presentes responderam secamente, e foi aí que percebi que a família não apoiava a amizade dos dois. Só o suportavam pelo fato de suas famílias serem sócias - Olá, bela e mais nova integrante dos Galavar. É sempre um prazer revê-la - disse se aproximando e beijando minha mão antes que eu pudesse recusar.
- Agradecida pelo elogio, mas creio que já me viu o suficiente pela manhã. Maitê, vamos - Ela se ergueu segurando uma risada pelo meu fora lançado a ele e me seguiu até os corredores dos quartos no andar de cima.
Mas como me retirei às pressas do aposento, recordei que havia esquecido meus bordados sobre o sofá e então decidi que voltaria para buscá-los. Pedindo que ela me esperasse um pouco, desci e andei na direção desejada.
Ao me aproximar da sala notei que Christopher e Thomas conversavam sorridentes e para não ser vista pelos dois escondi-me o máximo que pude, fazendo com que não notassem a minha presença. Como estava em um lugar estratégico consegui mesmo que sem opção ouvir a conversa o bastante para compreender que combinavam mais uma de suas noitadas.
- Então meu amigo, onde será esta noite?
- Consegui duas belas mulheres dispostas a nos divertir. Elas estão na casa de Emanuel, e nos aguardam. Vamos?
- Claro. Só me espere um segundo enquanto pego meu casaco.
- Fiquei animado, fazia dias que o trabalho não me deixava curtir!.
Percebendo que seria desmascarada, corri de volta ao corredor antes que pudessem me ver e deduzir que eu ouvi a conversa. Mas Christopher era um tanto malicioso. Ele me segurou antes que conseguisse chegar próximo de Maitê.
Minhas pernas ficaram gélidas e trêmulas.
- Anjo, já não devia estar na cama? - Questionou franzindo o cenho com ironia.
- Como você consegue ser tão hipócrita? Chama-me de anjo depois de ter me espancado até cansar os braços - Ao ouvir meu debate ele me apanhou pelos pulsos e me arrastou para o nosso quarto.
May que me aguardava um pouco mais a frente viu toda a cena e se desesperou consciente.
- Largue-a Christopher! O que pensa fazer?
- Não se meta, Maitê. Este assunto não é seu - Com um chute ele cerrou a porta, mesmo sob os gritos insistentes dela com o pedindo para que ele abrisse. A tortura ia se repetir. Foi só o que consegui pensar. Vou ser castigada novamente, mesmo ainda estando tão dolorida.
- Não pense que vou aceitar que me levante a mão outra vez! - Reforcei cerrando os dentes.
- Você quer que eu a relembre do porque lhe dei a surra? Eu poderia te devolver e destruir o seu nome e o da sua família - Seus lábios pareciam tremer em ira enquanto cuspia aquelas palavras - Mas ainda tento ser gentil, e recebo farpas suas a cada novo contato.
- Faça o que quiser, não me importo com o que pensa. Quero que vá para o inferno - Quem ele pensava que era para me exigir correspondência de suas falsas gentilezas quando aquilo tudo não passava de um jogo sádico.
Christopher avançou para cima de mim num salto, jogando-me na cama e puxando o meu rosto para si. Ele me beijou. Novamente, tentei fugir, sem obter sucesso. Meu corpo parecia querer corresponder a ele. Eu não poderia jamais aceitar que meus estímulos mecânicos me fizessem perder a noção da razão por um simples rosto e corpo bonito, porém, maquiavélicos.
O que estava havendo comigo? Já não me contorcia mais. Estava parada somente recebendo o beijo dele sem revolta e os seus movimentos de língua, braços, que me enlaçavam com ardor.
Christopher então se afastou devagar, separando nossos lábios com cuidado e me encarou.
- Percebe anjo? Pode ser muito agradável, é só você ser menos atrevida.
- Idiota - Eu o joguei para o lado, me levantando irritada enquanto ele sorria em deboche da minha tentativa de limpar a boca.
- Outra hora continuamos a conversa, por agora tenho compromissos pendentes.
Com a mesma postura rigorosa ele levantou, pegou o seu casaco, e sumiu.
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