A luz da Janela
A Luz forte da janela parecia me queimar com os seus raios brancos intermitentes, verdadeiras mãos pálidas que pareciam querer arrancar os meus olhos das órbitas. Eu conseguia sentir suas mãos longas e compridas com garras enormes subindo pelo meu pescoço. Elas se demoraram no meu queixo e seus dedos compridos entraram no meu nariz, subindo pela cartilagem até o osso. Senti quando se dividiram em dois e se aprofundaram pela minha garganta, se expandindo como água e me impedindo de respirar, uma unha afiada parecia estar cutucando meu crânio pelo lado de dentro. A outra mão se aventurou pelos meus olhos, puxando os cílios um por um como penas, descascando minhas pálpebras lentamente, finalmente arrancando meus olhos de dentro dos buracos enquanto os nervos pendurados balançavam. Talvez por trás das mãos existissem uma profusão de bocas igualmente pálidas com dentes afiados prontas para mastigar meus olhos como se fossem duas pequenas uvas.
Abri novamente meus olhos e consegui ver a janela, ainda no mesmo lugar, o vento batia inocentemente por entre as cortinas criando o mais pacífico cenário. Mas era tudo normal demais, calmo demais, perfeito demais. Era como olhar para uma foto e tentar virar ela em todas as direções possíveis para tentar ver algo escondido atrás de alguém. A foto tinha apenas uma dimensão colada no papel, e a janela igualmente parecia feita de papel. Pisquei meus olhos rapidamente e todas as vezes que ficava no escuro ainda conseguia ver o brilho da janela como um quadrado de luz no meio das trevas. Apertei meus olhos com força tentando me proteger, os repetidos apertos formavam imagens por dentro das minhas pálpebras fechadas, tons terrosos de verdes e vermelhos explodindo em círculos como fogos de artifício. Sempre que eu acreditava ter discernido uma imagem, ela desaparecia da minha mente.
De olhos fechados eu tentava desesperadamente procurar um significado naquela fina camada de pele, como se algo fosse se desdobrar debaixo da pele esticada, as linhas talvez fossem se misturar em línguas estranhas e pequenos avisos sobre o futuro fossem se desenrolar. Por mais que eu apertasse, meus olhos fechados não me traziam os seus segredos e eu fiquei parado enquanto a luz entupia minha garganta e as mãos arranhavam meu crânio. Eu tinha que levantar, proteger o mundo das coisas terríveis que se escondiam dentro desse lugar, mas como eu iria explicar para pessoas cínicas e desacreditadas que os maiores terrores que elas poderiam imaginar se escondiam atrás de uma parede de vidro e cortinas?
Eu me levantei e andei em direção a janela. A rua embaixo seguia normalmente, o sol brilhava forte e tudo parecia desesperadoramente normal. Eu deveria gritar para todos fugirem, qualquer um próximo demais desse lugar certamente encontraria um destino terrível. Mas nenhum deles me ouviria. Eu pensei em me jogar. Abri a janela e me sentei na borda, o vento batia forte no meu cabelo e enquanto eu estava lá, metade dentro e metade fora, eu podia sentir como se meu interior estivesse sendo rasgado, como se eu estivesse travando uma terrível luta dentro de mim. Me imaginei caindo em direção ao asfalto, centenas de vezes em centenas de momentos. Eu consegui sentir todos os ossos do meu corpo se quebrando, rasgando e queimando na queda, cada posição trazia um desfecho diferente, em algumas eu apenas me machucava, em outras eu morria antes de chegar ao chão, mas em todas eu sofria injúrias terríveis e irreversíveis. Era como se o tempo funcionasse de forma diferente, como se ele estivesse tentando me puxar para uma das suas realidade possíveis que se desprendiam todas diante dos meus olhos.
Por fim eu pisei dentro do apartamento de novo e respirei fundo, a água na minha garganta parecia ter saído e eu finalmente pude respirar. A janela não me queria, ela deixou isso bem claro. Ela era a enorme boca de uma criatura primordial, esperando sua vítima, e por sorte, essa vítima não era eu.
Eu apenas não entendia, não queria entender. Eu nunca fui o protagonista de nada na minha vida. Juntei todo o meu esforço e inteligência para sempre tomar a decisão mais fácil, sempre me esquivar de qualquer responsabilidade, qualquer problema. Não botaria a mão no fogo por ninguém, não faria nada por ninguém, e não quero que ninguém faça nada por mim. Eu sou dispensável, invisível, prático, e eu conquistei tudo isso com muito trabalho. Quando eu penso que por algum motivo, eu fui amaldiçoado para fazer parte dessa narrativa terrível, eu sinto vontade de amaldiçoar os deuses responsáveis. Eu fugi do meu destino, de tudo que pudesse me definir como uma pessoa, eu cultivei dedicadamente uma vida medíocre e não nutri nenhum sonho que pudesse ficar no caminho da minha paz.
Não havia nada que eu quisesse. Nem promessas de riquezas ou trabalhos difíceis, não queria relacionamentos ou filhos que me importunariam por anos, não busquei nenhum tipo de amizade ou companheirismo, todo o contato humano me enjoava, não há motivo para querer se entrelaçar com outra pessoa, sofrer suas dores e ouvir sua interminável lista de problemas. Nenhum ser humano é capaz de possuir algo que eu cobice. Todos eles podem me trair, podem me machucar, podem me abandonar, e qual é o motivo, de me arriscar em algo que pode dar errado? Qual confirmação eu poderia ter, de que a pessoa que eu admiro não poderia se voltar contra mim sem aviso.
Eu não posso controlar as pessoas. Elas me odeiam, todas elas, me encarando com seus olhos pequenos como se eu fosse um animal selvagem, mas o que eu posso fazer? Eu detesto todas elas, será que elas não percebem que são estúpidas? Elas me encaram e sabem que eu sou um verme, sabem que eu sou inútil e egoísta. Elas riem de mim, sentem pena de mim, tentam me mudar, como se fosse minha culpa ter nascido assim. O meu destino é ser repetidamente pisado, atormentado e humilhado, e eu não quero fazer parte disso. Eles insistem que não são culpados, como se eu tivesse escolhido a minha reclusão, mas todos eles queriam que eu não existisse, e nada tira da minha mente a ideia de que minha morte trará perfeito divertimento para todos na face da terra.
E ainda assim, sendo fruto da imundice, uma mera larva roendo da carcaça do homem comum, não sendo digno nem para ser devorado por essa criatura terrível que me encarava na janela; cá estava eu, o centro, a estrela qual todos esses terríveis problemas circundavam, o epicentro do caos e da destruição, e todos os meus pesadelos se tornaram realidade ao mesmo tempo, todas as esperanças que eu tinha de uma vida simples e em paz, foram trocadas por um deus invisível e impiedoso, e eu senti meu sangue implorar por vingança.
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