3: Os outros condenados
- Tô dizendo. O planeta não taria ferrado de tanta gente se não fosse por causa do povinho daqueles dois. Só sabem fazer criança pra espalhar pelo mundo. E ainda tem quem faça em dobro! Se expulsassem os imigrantes do país, é óbvio que não seria necessário a Absolvição, e nós não estaríamos aqui.
Ainda estava claro. Os oito delinquentes que haviam acabado de deixar a nomeação tentaram abrir seus olhos, mas era difícil de enxergar algo, devido à forte luz que acabara de devorá-los. Mesmo com eles fechados, parecia que a estavam encarando. Se sentiam como se tivessem passado horas em um quarto escuro, escasso de qualquer fonte de luminosidade, e então, de repente, alguém surgiu, colocando o próprio sol diante de seus rostos. Conseguiam escutar uma voz masculina de fundo, gritando algo que não parecia nada tranquilizante. Uma forçada nas pálpebras, mandando-as sair do caminho, e os olhos voltaram a ver, com grande dificuldade. Estava tudo embaçado. Figuras sem forma eram vistas se movendo, em uma área aparentemente grande. Aos poucos, tudo ganhou foco, e os delinquentes perceberam onde estavam.
- Chegou mais gente! Olhem ali! – uma voz feminina, suave, indicou a presença de novas pessoas.
Assim que a visão voltou a fazer sentido, os recém-chegados notaram um grupo de jovens se direcionando a eles. Alguns com um olhar de curiosidade, enquanto outros, de desconfiança.
- Ótimo! Mais gente que foi condenada por causa dos japinhas – a voz era reconhecível, conseguiam dizer ser a mesma da pessoa que falara quando entraram no lugar.
- Continua com esse teu discurso xenofóbico que a gente acaba contigo, entendeu? - um jovem asiático, de descendência coreana, com um olhar irritado, direcionou sua fala ao garoto que falou anteriormente.
"Mais seis pessoas? Teremos que competir com esse tanto de gente?" – Ino pensou, enquanto fitava os novos rostos que o encaravam. – "Só tenho chance se eles se matarem e esquecerem que eu existo, talvez a melhor estratégia aqui seja tentar atrair o mínimo de atenção possível"
- Cacete, uma criança! – o jovem asiático chamou atenção para Ino, mas sua voz vinha de uma direção diferente da de onde havia falado anteriormente. Estranhando isso, foi quando os novos delinquentes perceberam que não se tratava de teletransporte, e sim que haviam dois garotos idênticos. Eram gêmeos.
"Gêmeos? Mas... isso não é possível. É proibido que qualquer pessoa tenha mais de um filho ao mesmo tempo"
- Eu sei, eu sei. Vocês devem estar pensando que é impossível existirem gêmeos, né. Mas é exatamente por isso que estamos aqui. Nossos pais conseguiram esconder o fato de terem tido gêmeos, por serem médicos, e vivemos sem ninguém descobrir nosso segredo. Bom... até esse mês.
- Caz, porra, cala a boca. Não é para sair contando a nossa história para qualquer pessoa aqui. Não lembra do que aquele interrogador disse? – o gêmeo que antes havia confrontado o garoto xenofóbico, apelidado de "Kraken", interrompeu seu irmão.
Os irmãos gêmeos possuíam algo que distinguia, facilmente, um do outro: sua personalidade. Foi visível pela breve fala dos dois de que "Primo" era o mais preocupado e cético, naquele cenário, enquanto "Caz" tentava tratar a situação com tranquilidade. Além da aparência idêntica, outra coisa similar entre os dois era a cor dos detalhes de seus uniformes. Ambos vestiam verde.
- É... cê tá certo. Mas, enfim... UMA CRIANÇA! – Caz tornou ao assunto que antes tentara abordar, jogando suas mãos abertas na direção de Ino, que se incomodou.
- Não pensei que ia ver ninguém mais novo que eu aqui – a menina com apelido de "Júpiter", responsável por anunciar a chegada dos novos delinquentes, comentou.
- Aí, que tal vocês relaxarem um pouco e deixarem de pressionar o menino? – V se intrometeu, tapando a visão de Ino, ao ficar em sua frente. – Tenho certeza que não deve tá sendo nada agradável pra ele estar sendo visto como se fosse um bicho de outra raça, então chega – V acertou o sentimento que Ino sentira naquele momento, o que o deixou aliviado por não ter que tentar se explicar para aquelas pessoas do motivo de estar ali.
- Até porque bicho de outra raça são esses daqui, né? – Kraken atacou os gêmeos mais uma vez, indicando, com sua cabeça, de que sua fala se tratava deles.
Primo se virou, rapidamente, na direção de Kraken, lhe dirigindo um soco, que acertou sua mandíbula, em cheio. Kraken cambaleou para o lado, até cair de costas, colocando uma de suas mãos na boca, enquanto a outra se posicionava na frente de Primo, como uma forma de pará-lo.
- Socorro! Guardas! Estou sendo atacado por esse delinquente, alguém me ajude! – Kraken gritou, como se esperasse por aquele momento, porém, depois de algum tempo sem nenhuma resposta externa, percebeu que ninguém apareceria.
Ino olhou para trás, notando uma grande parede de pedras, com o que parecia ser um portão em seu centro, mas sem nenhuma possibilidade de retorno. Estava tapado com rochas e mais rochas. Não sabia dizer se ele e os outros haviam surgido dali, e se tivessem, como era possível.
"Os guardas não vieram junto. Nos empurraram para aquela luz e nos abandonaram, sem nenhuma instrução do que devemos fazer... será que eles querem que a gente se mate? Será isso a primeira fase? Mas já? Confesso que não ter aquele quarteto de idiotas e o nariz do Graham colocados aqui ao nosso lado é algo para se aliviar" – Ino temeu que o local onde estava já se tratava da primeira fase. O fato de um delinquente ter acertado o outro, e nada ter sido feito, o assustava. Significava que o contato agressivo entre os delinquentes era permitido.
- Amigas, – Wish chamou a atenção de Faith e Hope, pegando na mão de ambas e as puxando para longe da aglomeração. – é melhor nos mantermos afastadas de toda essa confusão.
O cabelo loiro de Wish brilhava mais do que antes. Estava tão claro como ouro, e isso se devia por causa do sol que batia em sua cabeça, iluminando-o por completo.
Os delinquentes estavam em uma área aberta. Era possível sentir o calor do sol, ver o céu azul enfeitado de poucas nuvens brancas, e respirar ar puro, novamente. O suave vento que batia no rosto dos jovens era gostoso o suficiente para os dar uma sensação de liberdade, coisa essa que era completamente destruída ao observar as enormes paredes de pedras que cercavam todos, e os impediam de seguir para muito longe. A área permitida para ser tomada pelos jovens possuía um gramado bem cuidado, alguns bancos de pedra espalhados pelo local, e uma comprida árvore, com folhas volumosas, no centro de tudo, que resultava em uma extensa sombra.
- Se acha mesmo que alguém vai se importar por eu ter lhe dado um soco, você é um grande imbecil – Primo se dirigiu à Kraken, dando as costas para ele, em seguida.
Kraken se colocou de pé e avançou em Primo, mas uma mão de um braço forte foi colocada em seu peito, o parando.
- Que tal parar com isso? – Roma orientou Kraken, enquanto o segurava, com apenas uma mão. – Deixa os dois em paz, que eu tenho certeza que eles não te fizeram nada.
Kraken não estava satisfeito com aquela situação, mas não podia fazer nada. Roma era o dobro de seu tamanho, enquanto ele possuía apenas um corpo esguio, a cabeça raspada, e olhos castanho-claros que expressavam um ódio gratuito por tudo e todos.
- Que se foda – foi a única fala de Kraken, que se distanciou do grupo, sentando em um dos bancos de pedra, tomado pela raiva.
- Valeu – Primo agradeceu a Roma, sem muitas palavras, mas que já parecia ser o suficiente para demonstrar uma gratidão genuína. – Caz, vamos – os gêmeos se afastaram em seguida, tomando um banco não muito longe da entrada.
Com o afastamento dos irmãos e de Kraken, que vinham atraindo toda a atenção de Ino, o garoto notou os outros três delinquentes que estavam presentes ali.
"Essa é quem disse que não esperava ninguém mais novo do que ela aqui" – o menino fitou Júpiter, que passava um olhar de curiosidade, mas medo, ao mesmo tempo. – "Diria ter 15 anos. Apesar de nunca ter sido bom em adivinhar a idade das pessoas, normalmente consigo chegar perto. Ela tem detalhes verdes na roupa, como Roma e os gêmeos. Segundo o que a menina ruiva falou, na sala de espera, essa cor é a menos pior dos crimes que podem trazer alguém de menor para cá. Será que isso significa que nós deveríamos ficar mais perto dela? Ou mais longe?"
Um silêncio se manteve com a saída de alguns dos delinquentes da roda onde estavam todos. Se ouvia o vento batendo nas folhas da grande árvore, e apenas isso. Após notarem que mais nenhuma conversa surgiria, os jovens se dispersaram, indo cada um para uma direção, preenchendo alguns bancos do pátio, mas ainda deixando muitos livres. V foi o único a ir se sentar na grama debaixo da árvore, e Ino, deixado para trás, sozinho, foi assombrado pelo fato de não ter ninguém ao seu lado. Era apenas ele mesmo com quem podia contar, mas devido os seus últimos dias em casa, estava mais acostumado do que esperava.
"Não consegui ver o nome... digo, apelido, dos outros dois que já estavam aqui. Não colaborou o fato de ambos também não terem nem abrido a boca para falar. Aberto! Abrido não. Droga, sempre confundo. Ainda bem que meu pai não tá aqui pra ouvir isso. Ele era quem mais odiava escutar eu falando algo errado. Na verdade, ele odiava escutar eu falando qualquer coisa. Pelo menos o Kevin era bom em português e sempre me ajudava nas atividades. Mas voltando ao assunto da dupla calada, o garoto, de, sei lá, 17 anos? Parece o Roma. Só seu corpo na verdade. Os dois tem braços gigantes e seus músculos parecem que vão rasgar a jaqueta a qualquer momento. Se decidissem competir uma queda de braço, não saberia dizer quem ganharia. Tomara que as fases não exijam nada de força, porque, se exigirem, eu não ganho deles. A menina calada também parece ter 17 anos, ou por aí. Ela me assusta um pouco, já que tem um olhar frio, como o de V, e talvez seja tão estressada quanto Lotus. Diria que essas duas não se dariam bem juntas. Ou talvez fossem melhores amigas"
Ino se manteve no mesmo lugar desde que havia chegado, enquanto observava os delinquentes calados, apelidados de "Ares", o garoto, e "Eco", a garota. Então, ao concluir a análise, se dirigiu para a grande árvore, mais precisamente, na direção de V.
- Oi – Ino abordou V, que estava encarando algo, com grande atenção, o que o fez não notar a presença do garoto em sua frente. Ele, então, seguiu seus olhos, percebendo que fitava Ares.
- Caladão ele, né? – Ino tentou falar novamente com V, e, dessa vez, foi percebido pelo delinquente.
- O quê? Que que tu quer aqui?
- Eu... bom... – Ino foi penetrado pelo olhar frio e vazio de V. O fato do delinquente ter questionado seu estado, após a nomeação, e o protegido, brevemente, no pátio, o fez esquecer, por um momento, que ele o assustava. – Queria... agradecer por você ter falado antes.
- Falado o que, garoto?
- Ali, com os outros. Quando estavam falando sobre mim.
- Ah, é. Tá, tanto faz. De nada – V respondeu Ino, mais querendo o afastar logo dali. Queria continuar sozinho, e ele percebeu isso.
- Bem... tchau, então – Ino deu as costas à árvore, cabisbaixo, já que esperava conseguir conversar com alguém de verdade.
- Ei – V surpreendeu Ino, o chamando, ao mesmo tempo que se levantara. – Tu se lembra do que a menina ruiva falou?
- A Faith? Do quê? – Ino questionou, sem saber bem do que se tratava a pergunta de V.
- Ela disse que vermelho representa um dos piores crimes aqui. E eu tô de vermelho – V expôs um fato já conhecido por Ino, mas que ele ainda não havia parado para pensar. A criança também vestia vermelho, mas se considerava inocente, então não via maldade na cor, como talvez deveria. – Eu posso ser um perigo, e você veio puxar papo comigo.
- Eu só vim... – Ino foi cortado.
- Não. Você fica longe de mim. E deixa de inocência. Não confia em ninguém aqui, entendeu? Ninguém é teu amigo. Todo mundo pode fazer qualquer coisa pra passar por cima de tu. Afinal, o objetivo de todos aqui é o mesmo, e não é algo fácil de se conseguir, vai exigir sacrifícios. É cada um por si.
Ino se manteve calado, escutando V falar, até que nada mais foi dito e o delinquente se sentou novamente debaixo da árvore. O menino se afastou, pensativo do que acabara de ouvir, e ocupou um banco de pedra vazio.
Um tempo se passou, Ino não tinha certeza de quanto, visto que em sua cabeça tudo aparentava estar em câmera lenta, até que, ao olhar para o lado, viu duas pessoas juntas que não esperava. Lotus estava sentada em um banco, e Cabrón em sua frente.
- Qué tranza! – Cabrón se aproximou, estampando um sorriso, de orelha a orelha.
- Como é? – Lotus fechou o rosto e qualquer chance que o jovem tinha de tentar se acertar com ela se extinguiu.
- Eita, foi mal. Eu não quis dizer o que você entendeu, é que... eu esqueço que a maioria das pessoas não entende minhas gírias.
- O que caralhos você quer comigo?
- Ei, relaxa. Eu vim pedir desculpas. Não tem nenhum guarda aqui pra dar coronhada na gente, então me senti à vontade pra isso – Cabrón falou, com um tom brincalhão, mas que parecia não afetar Lotus.
- Aquele arrombado de guarda só estava esperando uma oportunidade pra bater em alguém, e por tua causa ele ganhou uma, e é obvio que ia ser em mim. Só me deixa em paz.
- Olha, primeiramente que nada teria acontecido se você não tivesse gritado – Cabrón comentou, o que mudou a expressão de Lotus, de cansada para incrédula. – E, segundamente, eu também levei uma coronhada. Ou seja, tá tudo quite, pô.
- Tudo quite? Tá me zoando? A culpa foi SUA por não conseguir ficar quieto que nem uma pessoa normal. Agora, primeiramente, vai se foder, e segundamente, vai tomar no cu. Me deixa.
- Eu tenho ansiedade, tá bom? – Cabrón continuou falando, e Lotus abaixou a cabeça, colocando suas mãos na testa, tentando se acalmar. – Tem momentos que não consigo ficar tranquilo, e acabo todo inquieto, sabe?
- Vaza, agora, ou aquele soco que o chinês deu no cabeça raspada não vai ser nem perto do que eu vou te dar – Lotus levantou a cabeça, advertindo Cabrón, e o encarou nos olhos, por um longo momento.
- Tá beleza – Cabrón disse, ao se afastar. – Era só dizer que não aceitava as desculpas – então murmurou, torcendo para Lotus não ouvir.
"É, eu realmente acho que isso tá demorando mais do que deveria, mas como não tem nenhum guarda pra perguntar, o que provavelmente não seria uma boa ideia, só resta uma opção" – Ino pensou, e decidiu tomar uma atitude, então foi até o banco onde as três amigas estavam, mas percebeu algo no caminho: um garoto jovem, possivelmente poucos anos mais velho que ele, encontrava-se isolado em um canto, sem ter se reunido com os outros, durante sua chegada.
- Oi – Ino dirigiu sua fala, não muito criativa, para Faith, e as três meninas se olharam, confusas com a presença dele ali.
- Ãhn... oi? – Faith respondeu Ino, incerta do que se tratava o assunto que o garoto queria abordar, e uma de suas sobrancelhas se levantou.
- Então... na sala de espera, eu notei que você tinha algum tipo de conhecimento de como a Absolvição funciona. Já que sabia da nomeação e das cores dos uniformes. Por isso queria que você me dissesse aonde estamos e porque estamos aqui, já que provavelmente sabe – Ino expôs sua curiosidade, de forma direta, surpreendendo Faith, que não esperava por aquilo.
- Bom, é... eu realmente sei algumas coisas, mas não muito. Meu pai foi julgado quando era adolescente por assaltar uma loja, e foi o único sobrevivente da sua Absolvição, então quando eu era criança, ele me contou como foi sua experiência – Faith revelou sua história, e Ino balançou a cabeça, aguardando pelas informações que realmente queria. – E, pelo o que me lembro, agora é a preparação. Ocorre um momento desses antes de cada fase, menos nas últimas.
- Entendi, então logo a primeira fase deve começar?
- É... eu suponho.
- Certo. E como ela será?
- Olha, menino, eu não tenho todas as informações que você quer, e mesmo se tivesse, seria difícil te contar.
- O quê? Por quê?
- Fala sério – Hope se intrometeu. – Quase todo mundo aqui vai morrer, para que apenas alguns saiam vivos no final, e a última coisa que vai acontecer é um ficar ajudando o outro. Faith já contou o que tu perguntou, então vai embora.
Ino se manteve calado, notando que o que V havia lhe dito já estava sendo aplicado. Cada um por si. As três amigas tinham vantagem por se conhecerem? Ou talvez fosse uma desvantagem. Ino só sabia de que ele não possuía ninguém para ajudá-lo, por mais que tentasse criar algum vínculo com alguém ali, não saberia se seria alguém de total confiança. O garoto tinha certeza de ser inocente, mas não fazia a menor ideia da realidade dos outros. Estava sozinho.
- Ah, droga – Ino pensou em voz alta, ao dar as costas para as três amigas e notar um brilho branco no portão da parede de pedras.
Mais sete jovens surgiram da luz. Alguns estavam com as mãos nos olhos, como forma de tentar protegê-los do forte clarão, enquanto outros apenas os mantinham fechados. Porém, o que chamou mais a atenção de Ino, foi uma delinquente no meio daquele grupo. Ela era a menor de todos e tinha um longo cabelo liso, de uma cor preta como carvão, que chegava em sua cintura. Ino acabara de deixar de ser a única criança presente naquela Absolvição. Além de compartilharem a pouca idade, também possuíam outra coisa em comum. Ambos estavam com detalhes vermelhos no uniforme.
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