15: Vozes da culpa
- Inferno... – Primo lamentou, ao notar o desaparecimento de todos os delinquentes.
O gêmeo estava completamente sozinho, e no vazio daquele cemitério, cercado pela espessa névoa cinzenta, entendeu que era como continuaria até o fim, caso chegasse. Perdera seu irmão e sua dupla logo na primeira fase, e sabia o quão culpado era, na morte de ambos. Faria diferença se Seis tivesse sobrevivido? O medo e covardia do jovem se assemelhava ao de Kant, e, por esse motivo, sabia que ele não duraria muito. Mas, ao menos, não estaria sozinho. Teria alguém para se apoiar, pedir ajuda, desabafar. Queira qualquer pessoa para fazer isso, mas não tinha ninguém.
- Primo? – uma voz calma sussurrou, lentamente.
- M-mas – Primo gaguejou ao se virar, olhando para onde a voz parecia ter sido emitida, e viu uma sombra tomando forma em sua frente. Viu o que estava apenas em sua mente se tornar físico, e, diante de seus olhos, Caz revelou-se. – Você...
- Sim, sou eu, manão, o raspa de tacho – contou, sorrindo, ao mencionar o apelido que Primo usava com ele, que tanto o desagradava.
- Não, não... eu vi... – Primo fitou o pescoço de Caz, e o notou perfeitamente intacto, sem qualquer sinal do buraco causado por Ares, com sua picareta. – Como você está aqui? – questionou, buscando entender, o que torcia que acontecesse, para que pudesse abraçar aquela ideia, juntamente de seu irmão, sabendo ser tudo verdade.
- A Absolvição, mano. Eles me salvaram.
- Ang... – Primo soprou o nome de seu irmão, e ele avançou em sua direção, o abraçando.
Primo correspondeu o forte abraço, e o que era seu maior sonho, se tornara sua realidade. Caz estava ali, vivo, e podia o tocar. Estava abraçando-o. Sorriu, aliviado, e sentiu que seu corpo e sua alma ficaram leves. De repente, tudo de ruim que pensava, desapareceu. Tudo de ruim que o corroía internamente, sumiu. Queria viver aquele momento radiante para sempre.
- Irmão, – Caz chamou Primo, se soltando e encarando-o, seriamente. – nós precisamos ir.
- Ir pra onde? – perguntou, disposto a fazer qualquer coisa para que continuassem juntos.
- Pra lá – indicou, e Primo se virou, fitando uma cova às costas de seu pé, que, ao analisa-la, sentiu se tratar de algo importante.
- O que tem ali?
- O nada, e o tudo, ao mesmo tempo, irmão – disse, posicionado atrás de Primo, com sua boca no pé do ouvido do delinquente.
- Como isso é possível?
- Você sempre foi o mais lento pra entender as coisas, né? – brincou, e o gêmeo ainda vivo lhe dirigiu um sorriso temeroso. – Se você entrar ali, aceitando seu destino, me aceitando, – destacou, para motivá-lo. – ficaremos juntos para sempre! Será o nada para o mundo físico, mas o tudo para nós dois, juntos, até o infinito, com a mamãe e o papai. Você vai poder revê-los, irmão, assim como eu pude.
- Você... você não está aqui, não é? Não de verdade – falou, querendo negar aquele fato em sua mente, mas sabendo que o que via, realmente, não era a realidade.
- Eu estou... digo, eu posso estar. Basta se atirar, seu velho. Toda a dor acaba. Agora, vamos, pule! Como nosso pai te instruiu quando tentamos te ensinar a nadar – incentivou, e Primo se virou, o encarando.
- Eu nunca quis aprender a nadar, Caz – contou, então deu as costas e recuou, para distante, não aceitando aquela saída como seu destino.
- VOLTE AQUI, VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE ME ABANDONAR! NÃO NOVAMENTE! POR FAVOR! – gritou a projeção de Caz, implorando para que Primo retornasse, mas o adolescente apenas seguiu caminho, sem sequer olhar para trás. –NÃO É ISSO QUE QUEREMOS PRA VOCÊ, IRMÃO! EU, MAMÃE, PAPAI, NENHUM DE NÓS QUER QUE VOCÊ SUJE SUAS MÃOS COM SANGUE. VINGANÇA NÃO VAI LEVAR A NADA!
- Não é vingança, – murmurou, e lágrimas encharcaram seus olhos. – é justiça.
O portal se apresentou, diante de Primo, e seu intenso brilho iluminou todo o delinquente, já com o sangue de Seis e Caz seco em suas roupas. O jovem parou por um instante, temendo que aquilo fosse mais um truque para se livrar dele, mas entendeu não ser, então seguiu, atravessando os feixes de luz, e o monitor mudou seu número de sete para seis.
Também abandonado, Ares caminhava pelo cemitério, e se impedia de gritar o nome de algum delinquente, por, assim como Primo, recear não ter companhia. Sabia que se berrasse por alguém, havia grandes chances de não ser respondido, não por pensar que todos sumiram por completo, mas sim porque ninguém escolheria ficar próximo dele. Entre a solidão e a companhia de Ares, não havia sequer um jovem ali disposto a aceitar a segunda opção, nem mesmo Kraken.
- Eu preciso sobreviver. Preciso sobreviver – repetiu para si mesmo, se estimulando a continuar sem perder as esperanças.
- Ares? – uma voz feminina, fraca e rouca, ecoou. – Foi esse o nome que escolheu? – a pergunta atraiu a atenção do forte delinquente, e ele procurou sua fonte, enxergando nada além da densa neblina.
- QUEM É? QUEM FALOU ISSO? – confrontou, por, de certa forma, reconhecer a voz áspera que falara.
- Quem você acha, meu menino? Aquela que lia toda noite para você, antes de dormir. Sempre soube que as histórias do Ares eram suas favoritas.
- Mãe? – Ares viu a mulher que mais amava tomar forma, na distância, e ela, de pé, estendeu uma mão em sua direção, com um rosto preocupado, chamando seu filho para acompanhá-la.
- Sim, querido. Eu vim buscar você. A Absolvição entendeu que o que fez foi pelo meu bem, e te perdoaram. Agora, vamos, me acompanhe.
- Não – Ares negou, fitando a ilusão da presença de sua mãe, e soube, no mesmo instante que a viu, que era um devaneio. – Boa tentativa, mas sei que ela nunca poderia estar aqui. Não... assim...
Ares se virou, e o que aconteceu com Primo se repetiu com ele, que fez, segundos depois, o monitor do portal diminuir seu número para cinco.
Dama, após seguir a silhueta da pessoa que a névoa escolhera para assombrá-la, chegou em uma cova, maior que as outras, onde, ao olhar para o conteúdo dentro dela, viu uma cama de hospital em seu fundo, com uma mulher, jovem, de cabelos compridos, escuros como o seu, deitada no leito.
A mulher estava cercada por dois monitores supervisionando seu estado, e, em um balcão vizinho, um jarro com grandes flores servia para amenizar aquele cenário pesado. Debaixo dos lençóis que a cobriam, escondia aparelhos conectados ao seu coração e sangue. Uma máscara que provia melhor respiração à paciente se encontrava tapando sua boca e seu nariz, até ser retirada por ela, que olhou para cima, fitando a criança diante da vala.
- Olá, minha daminha.
- Oi, mamãe – respondeu, segurando seu choro, querendo se mostrar forte, para não preocupar sua mãe, cujo rosto mostrava quão fraca estava.
- Como você está?
- Estou indo bem... – mentiu. – mas, eu sinto tanto a sua falta.
- Eu sei, Dama, eu sei. Eu sinto tanto quanto você. Talvez até mais.
- Duvido, eu sinto muito mais.
- Sempre tão competitiva – Dama sorriu, com a afirmação daquela miragem, e o comentário serviu para alimentar a fantasia da garota de que realmente era sua mãe ali. – Eu estou muito orgulhosa de você.
- De mim? Por quê?
- Ora, por quê? Você foi tão corajosa, Dama! Fez o que eu pedi, para encerrar minha dor, e seguiu meu último desejo de que tu fosses a melhor versão de si mesma aqui na Absolvição. Buscando ajudar os outros, e auxiliando quem podia. Eu não poderia estar mais contente com você, minha filhinha.
- Eu... – Dama lutou para falar sem cair aos prantos. – eu trocaria tudo que fiz aqui por mais um tempo com você, mamãe. Eu te amo tanto... – declarou, cedendo e derrubando as lágrimas que se escondiam em seus olhos.
- Mas você pode, Dama – contou, e sua filha a observou, atenciosa. – Basta você vir aqui, comigo, e ficaremos juntas para todo o sempre.
- Mesmo?
- Sim, filha, eu juro.
- NÃO! – V berrou, com medo de assustar a criança, e Dama paralisou, olhando para trás e vendo o delinquente travar, nervoso. – Por favor, não.
- V, eu... eu preciso ir.
- Não, por favor, pequena. Eu estou aqui. Eu sinto muito por não estar antes, mas... agora estou, e juro que nunca mais te deixo. Não me abandona – suplicou, ao caminhar, lentamente, em direção a menina.
- Eu não tenho motivo pra viver. Ninguém lá fora tá me esperando, eu não tenho ninguém.
- Você tem a mim. Por favor, eu te imploro pra tu se afastar daí. Eu não quero te perder mais uma vez, Mel. Vamo descer e conversar, podemos superar isso, juntos.
Dama ouviu V lhe chamar por um nome que não era o seu, e entendeu que tudo aquilo se tratava de alucinações. Estava vendo coisas, mas não se importava. O que vivia era o que mais desejava, e estar com sua mãe, novamente, sendo verdade ou não, era motivação o suficiente para partir.
V correu para alcançar a menina, em um momento de distração dela, mas, com apenas um passo à frente, Dama teve sua face acertada por um raio de luz provindo da lápide, que cravara seu apelido. O delinquente agarrou o braço fino da garota, e levou um forte choque que o empurrou para trás, o fazendo cair de costas na grama morta do cemitério.
A existência de Dama foi arrancada de seu corpo, pelo raio, e retornou, junto dele, para a lápide, fazendo seu cadáver cair dentro do buraco, já vazio.
V rastejou, amargurado, para a fossa, e viu Dama, em seu fundo, com um sorriso humilde no rosto, ser engolida pela terra que subira até o topo da cova, a fechando por completo.
- Não, não, não – V começou a falar, enquanto tentava reabrir o buraco, com suas mãos, rapidamente, sem notar que o que extraía, era, quase de imediato, preenchido. Pela primeira vez, seu rosto amedrontador não passava outra expressão além de desespero e infelicidade.
- Foi sua culpa – um homem calvo e corpulento afirmou, e V parou com sua escavação ineficaz, ao olhar para ele, posicionado ao lado de uma fossa. – Ela se jogou por sua culpa.
- É, eu sei disso – confirmou o que foi dito, e se pôs de pé, aceitando toda a responsabilidade. – Depois do que aconteceu com ela... nós deveríamos... eu deveria ter a apoiado mais. Se tivesse... talvez ainda estivesse aqui.
- Sim, com certeza ela estaria, moleque. Agora, vamos, pague pelo o que fez – disse, ao apontar para a cova diante de V.
- Eu vou pagar, sei que vou, mas não posso ir agora. Não antes dele – anunciou, dando as costas para o homem, e se ausentou do lugar quando atravessou o portal que surgiu em sua frente.
- WISH? HOPE? CACETE, ONDE VOCÊS TÃO? – Faith seguia gritando atrás de suas amigas, sem ver nenhum sinal de ninguém há minutos.
Não havia nada que a delinquente ruiva pudesse se basear para entender onde se encontrava, então escolhia sempre tomar o caminho contrário que uma figura parecida com seu pai aparecia, ao se lembrar do que ele havia lhe contado sobre a fase, que agora, sendo vivida por ela, mais se mostrava como um pesadelo.
Faith viu o que aparentava ser uma jovem de cabelos longos e pretos, da mesma altura que ela, passar correndo em sua frente, sem a notar, então a seguiu, sendo guiada por seus fios escuros, que se destacavam flutuando pela névoa.
- HOPE! HOPE, É VOCÊ? – Faith gritou, e a figura parou de se mexer, se virando e revelando que, de fato, era a jovem.
Hope não tinha parado de correr desde que obrigara Wish a atravessar o portal, tentando entender como poderia sair de lá, para se juntar a sua melhor amiga.
- É bom você não ser uma alucinação – disse Faith, ao se aproximar de Hope, e lhe dirigir um abraço, para confirmar se era real, o que pensou ser, devido ao contato físico entre as duas.
- Faith? – Hope, também sem saber se o que seus olhos viam era verdade, cochichou.
- Sim, eu mesma, em carne e osso. Agora, vamos, precisamos sair daqui, e não larga minha mão – instruiu, pegando na mão de Hope, mas ela a soltou, com um susto, acompanhado de um grito. – Hope? O que houve?
Hope olhou para as próprias mãos, arregalando os olhos, e as enxergou impregnadas de sangue, então ouviu, no pé de seu ouvido:
- Assassina.
Hope virou a cabeça, perturbada, para onde escutara uma voz feminina, e Faith continuou lhe observando, preocupada com seu estado de choque.
- Hope, o que tá acontecendo? Me diz! Estamos juntas nessa. Falar pode ajudar.
Hope ignorou tudo dito por Faith, e se aproximou de uma cova aberta, que gemia sons agonizantes, ouvidos por ela, na floresta. Ao alcançar sua beirada, afligindo Faith, por ter sido informada do quanto elas eram perigosas, viu uma jovem caída, em seu fundo, e não só seu rosto era reconhecível, mas suas roupas também, por vestir a mesma jaqueta e calça que os outros delinquentes, porém, tendo detalhes de cor verde nelas.
- Por... q-quê? – foram as últimas palavras de Júpiter, após ter sido espancada com um pedra por Hope, na fase anterior.
- Tudo o que eu fiz foi por amor – Hope murmurou.
- O que você tá falando? – Faith perguntou, colocando sua mão no ombro de Hope, para puxá-la para distante da cova, caso precisasse.
- Agora eu entendi.
- O quê? Entendeu o quê?
- A Wish pôde atravessar o portal porque enfrentou seu maior demônio, aquilo que mais a assombrava. O Scott.
- Wish? Você tava com ela? Ela passou? – Faith continuava aumentando sua lista de perguntas, e se alegrou por sua amiga estar, segundo Hope, segura.
- Sim, nós estávamos juntas, como sempre foi pra ser, e eu não tinha entendido o motivo de não ter conseguido concluir, junto dela. Mas agora entendi... essa fase foi feita pra enfrentarmos nossas maiores fraquezas... ou aquilo que mais nos perturba.
- Como o meu pai... faz sentido.
- É, mas eu... eu tenho noção que o que fiz foi pela Wish, então isso não me perturba.
- O que fez? Do que você tá falando?
- A única coisa que ainda me perturba... é você, Faith. Você nunca fez parte do plano. Nunca deveria ter vindo pra cá com a gente.
- Quê? Que plano? Tu tá delirando demais, Hope.
- Não... eu nunca estive tão sã – Hope alegou, e prendeu uma de suas mãos no cabelo ruivo de Faith, e a outra em sua nuca, então a conduziu, com certa dificuldade, devido à resistência dela, até a lápide da cova onde Júpiter se encontrava.
- HOPE! O QUE VOC... – Faith, confusa, incerta sobre haver alguma explicação para o que estava ocorrendo, teve sua fala interrompida por Hope, que direcionou, velozmente, sua cabeça para a ponta em forma de arco da pedra.
A primeira batida quebrou o nariz de Faith, por efeito da força do impulso, e a segunda a fez cair de joelhos. Por mais que tentasse parar sua agressora, não conseguia. A dor das colisões e o choque por aquela súbita ação a impediam de fazer algo efetivo. Sua mente piscava, a cada impacto entre seu rosto e a lápide, momentos de sua vida, onde interagiu com Hope e falhou em notar o ar de desprezo que sempre a acompanhava, mas sumia com Wish.
O surto de Hope, para fazer o que sempre quisera, era iminente, e a Absolvição servira de estopim para sua libertação.
Hope continuou esmurrando o rosto de Faith, até ele ficar completamente desfigurado, jorrando sangue excessivamente. Nada além do queixo e da testa da delinquente assassinada era perceptível, por tudo entre esses dois ter sido profundamente destroçado, deixando apenas um rastro da brutalidade de sua morte, com sua carne e dentes expostos.
O cadáver de rosto deformado de Faith foi largado por Hope na cova onde Júpiter se encontrava, e a jovem nem mesmo lhe dirigiu um segundo olhar, expressando nada mais do que satisfação, ao descartá-la como lixo.
Lotus e Cabrón seguiam, desorientados, de mãos dadas, com a jovem de sardas ouvindo, constantemente, sussurros em seu ouvido de duas pessoas: seu namorado e sua melhor amiga.
- Lotus, – Evan, um adolescente esguio de olhos verde claros, sem qualquer roupa, continuava querendo chamar a atenção da delinquente. – o que pensa que está fazendo?
- Você acha que tem alguma chance de sair daqui sem pagar pelo o que fez? – Bridgit, a adolescente de cabelos loiros com mechas encaracoladas, também nua, interrogou.
- Calem a boca, porra! – Lotus xingou, e Cabrón sentiu sua mão ser apertada com mais força por ela.
- Ignora tudo, Lotus – Cabrón orientou, parando e forçando sua dupla a fitá-lo. – Nada dessas coisas que tu tá ouvindo são reais, tá? Só eu. Eu sou. Também tem um chingo de vozes me irritando, mas elas que se danem. Vamos só ignorá-las.
- Isso, meu doce, – Evan, com um buraco expelindo sangue em seu olho direito e outro em sua virilha, surgiu atrás de Cabrón, como uma sombra, e encarou Lotus, que não conseguiu focar em nada além da profundidade de seu ferimento na cabeça, por tornar possível ver partes de seu cérebro, discretamente exposto. – ignore todas as vozes mesmo, como você sempre fez. Aceitar só a sua realidade, ignorando tudo e todos, é sua maior especialidade.
- E se lembre: – Bridgit pousou ao lado de Lotus, com quatro buracos em diferentes partes de seu corpo pálido, todos do mesmo tamanho e semelhantes ao de Evan. – foi seu egoísmo que encheu aquele revólver de munição; sua falta de empatia que a levou até onde eu e Evan estávamos nos divertindo, sem você; e seu extenso ódio que guarda dentro de si que puxou o gatilho da arma que tirou nossa vida. Foi você, Petra. Você.
- CALEM A BOCA! – Lotus gritou, soltando a mão de Cabrón, irada, e se virou para Bridgit, tentando empurrá-la para dentro de uma cova atrás da projeção, mas, por atravessá-la, sem ter contato físico, acabou se conduzindo na direção do buraco.
Cabrón jogou sua mão para frente, agarrando, com força, o braço de Lotus, e a segurou, impedindo sua queda.
- Me solta! Evan, me solta! – Lotus exigiu, se debatendo, e Cabrón a puxou para a parte segura, onde os dois caíram na grama.
- Lotus! Lotus, sou eu, Cabrón. O cabeça de mierda. Por favor, me escuta – Cabrón implorou, e Lotus abriu os olhos, tendo sua raiva substituída por tristeza e remorso, então se impulsionou para frente e abraçou sua dupla.
- Eu não aguento mais, Cabrón. É tudo minha culpa... todos que morreram... foi tudo eu – desabafou, e o delinquente a confortou ao apertar mais o abraço, garantindo que ela soubesse que ele estava ali e era de verdade.
- Olha, – iniciou sua fala, ao colocar uma mão em cada ombro de Lotus, e a posicionou em sua frente. – eu não sei o que tá acontecendo contigo, mas acho que contar pra alguém talvez ajude, então, pra te motivar, eu vou começar.
Lotus se manteve calada, observando, profundamente, o jovem que, há um dia, tanto desprezava, porém, era o único a apoiando naquele momento.
- Como você pode ver, eu tô de amarelo, – contou, ao indicar os detalhes de seu uniforme. – o que significa que meu crime é o segundo menos pior, ou seja, não espere nenhuma história muito intrigante – Lotus sorriu. Uma ação que não esperava poder ser possível, por, atrás de Cabrón, os falsos Evan e Bridgit se encontrarem como encostos, a encarando com seus olhos cadavéricos, inexpressíveis. – Quando eu era criança, tipo nos meus sete anos, me mudei, junto da minha família (nada pequena por acaso) – fez a mímica dos parênteses com as mãos. – pra cá. Deixamos o México, por meu pai ter conseguido um emprego aqui na cidade, e viemos todos. Eu, mamãe, papai, vovós, vovô e minha irmãzinha recém-nascida. Só que... o velho não durou muito no trabalho. Ele era motorista, e, numa noite, a polícia achou que ele tivesse roubado o carro que dirigia, então o levaram preso e ele foi executado, sem NENHUMA chance de poder se defender. É esse o pinche de país que vivemos. Sem ninguém pra sustentar a família, eu me envolvi com o que não devia, mas por ter sido a única saída que achei pra impedir que morrêssemos de fome. Recebia as drogas de um güey gente boa, que entendia minha situação, até que algo aconteceu com ele, e me encontraram, carregando todo tipo de coisa ruim na minha mochila. Fim.
- Tenho que confessar que foi intrigante sim – falou Lotus. – Eu... eu sinto muito, Cabrón. Não imagino mesmo como seja passar por tanta situação difícil, principalmente por apenas ser quem você é... esse país que se fôda!
- Esse país que se fôda! ESTÁ OUVINDO, ABSOLVIÇÃO? – Cabrón berrou, olhando para cima, e Lotus riu, então desfocou do delinquente e relembrou a presença dos dois falecidos que a assombravam.
- Eu matei duas pessoas – soltou, friamente. – Nunca tive nenhuma dificuldade na vida. Meus pais sempre trabalharam duro, e me davam tudo que pedia. Talvez foi isso que me tornou tão mimada. Como tu já deve ter percebido, tenho um sério problema pra controlar minha raiva, desde criança, e... as pessoas que eu fiz mal... as que eu matei... se chamavam Evan e Bridgit. Evan era meu namorado, e Bridgit minha melhor amiga. Durante uma festa, eu e Evan brigamos, por ele ter beijado Bridgit em um desafio idiota, onde estavam todos bêbados, e eu vazei da casa, irritada, gritando que nunca mais queria o ver. Cheguei em casa e esperei... eu fiquei três horas esperando receber uma mensagem dele, ou dela... mas ninguém foi atrás de mim. E nesse momento, por me achar a porra do centro do mundo, roubei o revólver do meu pai e voltei pra festa, onde encontrei os dois juntos, sozinhos, em um quarto, sem roupa. Ambos estavam, claramente, alterados, assim como eu, e... eu disparei... nos dois, sem dar qualquer chance a eles de falaram algo, ou reagirem com minha presença. Apenas puxei o gatilho, até não haver mais nenhuma bala pra ser disparada.
- Lotus...
- Tudo bem, Cabrón, você não precisa falar nada.
- Preciso, preciso sim. E acho que não vai te agradar, mas é a verdade que tu precisa aceitar.
- O quê?
- Você não tava alterada, Lotus. Você disse que passou três horas esperando um retorno, e esse tempo é o suficiente pra cabeça de qualquer um voltar a pensar racionalmente.
- O que... o que tu quer dizer com isso?
- Que você precisa aceitar o que fez. Não acho que seja uma pessoa ruim, porque vi o estado que tu ficou depois do confronto com Eco, mas, o que você fez a esses dois. Ao Evan e à Bridgit... foi um assassinato não tão diferente do que meu pai foi vítima.
- Eu... porra, eu não... – o que mais se passava na cabeça de Lotus, ao ouvir aquelas duras palavras de Cabrón, era que deveria rebatê-las, com xingamentos ou alguma resposta grossa, para negar para si mesma de que, possivelmente, tudo dito por ele era verídico.
Lotus se lembrava de tomar a decisão de ir atrás de Evan e Bridgit com uma cabeça sã, mas completamente saturada de rancor, então ficou cabisbaixa, começando a chorar, e Cabrón não soube se deveria consolá-la, ou permanecer afastado, lhe dando espaço para que abraçasse a culpa e se adaptasse a conviver com ela.
Um brilho forte, facilmente reconhecível pelos delinquentes, aclarou aquela área de ar pesado que ficara, devido à conversa de Lotus e Cabrón, e a neblina ao redor da dupla se dissipou.
Lotus levantou a cabeça, para analisar de onde vinha aquela luminosidade, e notou que suas alucinações haviam sumido, o que a aliviou, mas não da forma que queria, por agora, estar sendo assombrada, internamente, por si mesma, pelas inúmeras decisões que tomara sem pensar, deixando-se levar pela raiva.
Cabrón se levantou, estendendo a mão, e Lotus o olhou, reprimida.
- Você quer mesmo ainda ficar comigo?
- Nós somos uma ótima dupla, quando vai entender isso?
Lotus se deixou ser levantada por Cabrón, e os dois se dirigiram ao portal, prontos para atravessá-lo, mas tiveram seus planos frustrados, quando o número no monitor caiu de dois para um, no exato momento do cruzamento de Hope, em uma área distante, no mesmo cemitério.
- O quê? Não! Que porra aconteceu? – Lotus reclamou, incrédula, e a lista de eventos para se culpar ganhara mais um tópico, em sua mente.
- Alguém atravessou antes da gente... mierda...
- Como isso é possível? Tem mais de um portal?
- Faz sentido, esse não estava aqui antes da nossa conversa – Cabrón disse, e se desesperou na mesma intensidade que Lotus, mas, em um pensamento rápido, entendeu que não poderiam enrolar mais, por mais algum delinquente poder ser o próximo a concluir a fase. – Meu nome é Miguel Serrano.
- Quê? – Lotus, confusa por Cabrón revelar aquele repentino fato sobre si, questionou.
- Miguel Serrano. Se lembre desse nome, e sobreviva – ordenou, ao prender suas mãos nos braços de Lotus, a agarrando, fortemente, e a arrastando para mais próxima da fonte de luz.
- CABRÓN, NÃO! NEM PENS... – Lotus foi atirada nos feixes de luz, e desapareceu, juntamente do portal, após seu monitor zerar as vagas ainda disponíveis.
Cabrón viu aquela estrutura sumir por inteiro, diante de seus olhos, e paralisou. Ainda estava vivo, mas não tinha saída dali. Talvez fosse retirado de lá pela Absolvição, e reencontraria sua família antes de sua execução, ou talvez nem fosse executado. Qualquer pensamento otimista que tivesse não retrataria a realidade. O delinquente de descendência mexicana teve sua visão poluída pela escuridão, e, em um segundo, se tornou apenas mais um que não sobrevivera às sete fases. Nada além de mais um fracassado.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro