1: Atrás da porta azul
Os olhos de oito jovens se abriram. Eles podiam enxergar novamente. Podiam se mover novamente. Porém, com certas limitações. Afinal, não estavam livres para agirem da forma que bem quisessem. Principalmente por causa dos quatro homens armados que os acompanhavam.
A dúvida de como, precisamente, haviam chegado naquele lugar passava pela cabeça de todos, mas não permanecia por muito tempo. Ia embora de forma rápida, sendo substituída por outros pensamentos mais inquietantes. Como de que forma eles deveriam agir dali para frente, já que a sua liberdade e vida estavam em jogo.
O primeiro da fila, um garoto que era, claramente, o mais jovem de todos, entrou em uma sala, completamente branca, com quatro cadeiras nas duas paredes laterais, totalizando oito, que se camuflavam naquele lugar sem cor, tornando-as quase imperceptíveis. Havia uma porta azul na parede contrária da que ele entrou, o que tornava a única saída do local, visto que tudo atrás dele tinha sido fechado e trancado. O menino escolheu o penúltimo assento da direita, deixando disponível todo o restante das cadeiras, que foram ocupadas pelos outros sete jovens que o acompanhavam.
O tempo que aguardavam, sem saber bem o que, era usado de diferente modo por cada indivíduo naquele cômodo. A criança, não mais velha do que 12 anos, passou a observar cada companheiro de espera como forma de passar o tempo.
"Definitivamente essas três se conhecem" – pensou o menino, observando um trio de garotas acomodadas nas cadeiras em sua frente. – "A de cabelos negros na ponta esquerda é a mais nervosa. Sua respiração tá ofegante e dá até pra ver seus cílios tremerem. A loira no meio parece ser a protagonista do grupo. Ela parece estar bem dividida entre se sentir confiante ou desesperada. Já a ruiva é outra que está nervosa, mas aparenta estar segura por ter suas amigas ali com ela" – o jovem analisou bem as três meninas, que deram as mãos e iniciaram uma reza bem baixa torcendo para que tudo desse certo.
Sentado ao lado da menina ruiva, na ponta da direita, havia um garoto, que de cara se percebia ser o mais velho de todos presentes naquela sala, com a exceção dos quatro guardas que os vigiavam.
"Esse está bem sério. Seu olhar frio e profundo me assusta um pouco. Eu poderia dizer que parece ser alguém que cometeu um assassinato, mas como não gostaria de ser pré-julgado aqui, não vou tentar adivinhar o crime que ele cometeu. É bem provável que tenha escapado da execução por pouco, já que se eu o visse na rua diria ter mais que 18 anos" – o menino teorizou sobre o delinquente em sua frente, analisando-o de uma forma como se conversasse com alguém, porém, enquanto fitava-o, sem reparar de que não estava sendo discreto, ele o percebeu e o encarou de volta.
– VOCÊ PODERIA PARAR? – o garoto se assustou, achando que alguém havia notado o que estava fazendo, mas percebeu que o grito vinha de sua esquerda, e quando olhou, uma garota com cabelos castanho-claros, que o lembravam do seu sabor favorito de sorvete, chocolate, e sardas levemente claras em suas bochechas, estava com uma cara fechada e um olhar irritado, que, ao se juntar com suas grossas sobrancelhas, passava uma sensação de insatisfação.
– Ei! O que houve aí? – questionou um dos guardas presentes, com um tom de quem não aceitaria qualquer resposta. – Para que essa gritaria?
– Esse idiota ao meu lado não para quieto, e já está me irritando – respondeu a garota, indicando ao guarda de que o motivo de seu estresse era outro delinquente.
– De pé – instruiu o guarda, ao dar um passo para trás, apenas esperando ela se levantar.
A garota irritada não obedeceu e apenas o direcionou um olhar confuso, desviando os olhos, em seguida, para os quatro delinquentes atrás do guarda, como forma de buscar alguma ajuda.
– De pé! E eu não mandarei mais uma vez, criminosa! – ordenou o homem, com rigidez, destacando a palavra que usara para se referir à garota.
A jovem se levantou e encarou o guarda bem à sua frente. Seu olhar mudou de confuso para alguém com receio, e então o vácuo foi quebrado por uma coronhada em sua barriga. A garota caiu de joelhos e o homem se preparou para lhe acertar mais um golpe em sua nuca.
– Calma! – o garoto com descendência mexicana, que se sentava ao lado da menina caída, se levantou e se impôs naquela situação. – A desmadre foi minha culpa, eu vou parar de me mexer tanto. Sabe como é né... – observou o nome do guarda em sua jaqueta. – ...Graham! – completou. – Eu tenho uma inquietação muito grande e – sua fala foi interrompida por uma coronhada no rosto, vinda do mesmo guarda, que pareceu estar incrédulo com o que estava acontecendo.
– Que isso sirva de lição para vocês aprenderem a se comportar – falou o guarda, enquanto voltava ao seu canto da sala.
Os dois que levaram a punição se levantaram e se sentaram de volta nas cadeiras. A garota, que ainda tossia um pouco, parecia ter levado para o pessoal e estar sentindo raiva de tudo ali. Já o garoto apenas sentia a dor do machucado em seu rosto, e tentava ficar parado, para que não causasse mais nenhum problema.
Os quatro guardas presentes na sala se distraíram com uma mensagem em seus ouvidos, e Graham se direcionou até as três adolescentes juntas.
– Você, venha! – Graham chamou a menina loira sentada no meio, e ela se levantou, soltando as mãos de suas amigas.
A garota foi levada por Graham para fora da sala, passando a porta azul, e foi possível, após a porta se fechar, ouvir um barulho de batida vindo do outro lado. O clima pareceu ficar mais pesado, com todos pensando onde aquela menina havia sido levada, e a garota ruiva mudou de cadeira, substituindo o lugar da que havia saído, falando, baixo, para a de cabelos negros:
– Ei, Taylor, calma. Ela vai ficar bem, tenho certeza que estamos na nomeação e apenas levaram Anne para que ela escolhesse seu apelido.
Taylor concordou com a cabeça, mas pareceu não dar tanta atenção para as palavras ditas por sua colega.
– Você deveria voltar para sua cadeira, Riley. Pode acabar dando problema pra nós – sussurrou Taylor, que fez Riley mudar de cadeira novamente, desta vez, retornando para a sua posição original.
– Continuem mudando de cadeira que eu garanto que a próxima que vão se sentar vai ser numa elétrica, antes de serem executadas, pirralhas – falou um guarda, mantendo seu rosto arrogante.
– Acho que a correção que o Graham deu naqueles dois não foi o suficiente para que esses pivetes entendessem como se comportar – comentou outro guarda para o que havia falado antes. – Assim que ele voltar com a loirinha vamos mandar ele revisar a atitude da ruiva ali.
"Nomeação?" – o garoto, que escutara a breve conversa das colegas, se perguntou. – "Bom, é possível que a menina ruiva tenha algum conhecimento de como as fases funcionam. Talvez de alguém que tenha sobrevivido e contado para ela. Ou será que essa tal de nomeação é algo bastante conhecido e só nós que não sabemos?"
Retornando seu foco para os delinquentes, o garoto seguiu para a próxima vítima de sua lista.
"A menina que foi machucada pelo guarda é claramente alguém com um temperamento explosivo. Seu rosto fofo passa uma ideia contrária do jeito que ela se comporta, mas que, quando se irrita, parece deixar a raiva mudar completamente sua expressão" – o menino analisou a garota, enquanto tentava ter uma boa visão de suas características físicas, mas sem muito sucesso, por querer fazer tudo sem ser percebido.
O garoto mexicano que se apresentava ao lado da garota de sardas, separando ela do jovem menino, estava claramente coberto de ansiedade naquele momento, e havia voltado a se mexer mais do que qualquer um.
"Antes, a forma que ele havia usado para tentar se acalmar tinha sido balançar suas duas pernas rapidamente de uma forma que parecia que ia causar um terremoto. Agora, ele decidiu balançar todo seu corpo para frente e para trás, o que o faz mais parecer um boneco de posto descontrolado. Não sei se conseguiria dizer que ele é o mais nervoso aqui, afinal, a tal de Taylor também parece estar em choque, apenas não demonstra tanto quanto o treme-treme"
A análise do garoto foi finalizada no momento em que todos viram a porta azul se abrir novamente e o guarda Graham retornar com Anne.
– Vamo, loirinho, tu é o próximo – disse o guarda, chamando o delinquente ao lado do menino.
"O último da minha lista está sendo levado, então vou ter que fazer uma análise relâmpago mesmo" – o menino observou rapidamente o garoto musculoso que se levantara ao seu lado direito. – "Esse eu quase nem percebi que estava aqui. Ficou parado como uma estátua desde que chegamos, parecia mais ter tido uma morte cerebral e seu cadáver ficou paralisado ali. Essa minha teoria foi quebrada no momento em que ele se levantou ao ser chamado. Poderia comparar ele com o garoto sentado na minha frente, mas eles são muito diferentes. Enquanto o meu vizinho passa uma ideia de que morreu e ninguém notou, o outro parece mais ser um amigo próximo da morte. Talvez isso se deva por causa do olhar cansado e profundo dele, que parece me atrair e me prender ao encarar seus olhos, pretos como um buraco negro me sugando para dentro e julgando todas as atitudes que tomei em minha vida. Totalmente diferente do delinquente chamado, que tem um bigode e uma barbicha loira bastante agradáveis e muito bem feitos. Gostaria de ser seu amigo, apesar de que, se ele está aqui, há grandes chances de ter cometido um crime" – o garoto terminou sua análise relâmpago bastante comprida.
A porta se fechou, sendo possível ouvir uma batida do outro lado, novamente. O sentimento que percorreu o jovem após terminar suas análises foi insatisfação, pois ele acabara o seu passatempo de forma rápida e parecia ainda ter muito tempo que passaria sentado naquela sala sem fazer absolutamente nada, apenas aguardando. A não ser que alguém resolvesse irritar um dos guardas novamente e o fizesse abusar de seu poder ao dar uma leve coronhada no indivíduo.
"É isso! Os guardas" – o menino se tocou de que ainda não havia analisado nenhum dos homens armados presentes no local, então nem perdeu tempo e iniciou sua inspeção. – "O tal de Graham, que está levando um por um de nós para sabe-se lá onde, é o mais estressado. Tem uma cara torta e um nariz gigante que atrai a atenção de qualquer um que olha seu rosto. Os dois guardas que reclamaram quando a menina ruiva mudou de lugar se chamam Mark e Tony, e parecem ser uma cópia um do outro, sendo o clássico tipo de guardas babacas que são babacas por serem babacas. A única diferença notável entre eles é de que o Mark é bem mais gordo e tem um rosto muito mais arrogante. O último homem, que está no canto ao meu lado, se chama Phil, e não abriu a boca desde que chegamos, parece apenas estar cumprindo ordens sem abusar de seu poder. Pontos para ele, por fazer o mínimo" – concluiu seu pensamento sobre os guardas, e a porta azul voltou a se abrir, revelando Graham devolvendo o adolescente loiro.
- É tu da ponta agora – declarou Graham, chamando o jovem de olhar profundo, ao lado do trio de amigas, o que fez a criança o observar mais uma vez.
"Esse realmente esconde algo que parece estar muito bem selado dentro de si. Sua aparência não é uma das melhores, mas também não diria que está um fiasco. Possui um cabelo preto raspado, voltando a crescer, e uns resquícios de barba e bigode, que me fazem pensar que ele não liga muito para sua aparência física. De qualquer forma, seu olhar ainda é o que mais chama atenção"
A mesma situação se repetiu. A porta azul foi fechada. Uma batida foi escutada vinda do outro lado. Todos aguardaram, rodeados de um silêncio agonizante, mas que ninguém ousaria quebrar.
Sem mais nada passando na cabeça do menino, e finalmente tranquilo, ele escutou.
Tic. Tac. Tic. Tac.
Um relógio.
O garoto fixou seu olhar em um relógio que ele ainda não havia notado na sala. Os seus pensamentos rondavam sua cabeça de forma tão alta que tornavam o aparelho imperceptível. Agora, focado no relógio, lhe deu total atenção, observando cada detalhe dele, o transformando na nova atração principal de sua cabeça.
Primeiro, notou os três ponteiros escuros que giravam marcando a hora.
"Como será que o ponteiro dos minutos avança? Será que ele anda um pouquinho a cada mexida do ponteiro dos segundos? Ou será que ele avança quando o ponteiro dos segundos atinge algum número específico? Qualquer que seja a forma é de uma maneira bastante delicada. E o da hora? Provavelmente deve seguir as mesmas regras do ponteiro dos minutos, senão não faria sentido"
Em seguida, a cor branca em seu fundo.
— Não. Está mais para uma cor de creme. Não diria que é branco como as nuvens no céu. Ou como a neve que cobria todo o quintal da minha casa durante o inverno rigoroso. Com certeza sua cor se assemelha à um sorvete de creme... provavelmente por isso esse é seu nome. Creme nunca foi meu gosto de sorvete favorito, apesar de colocar na boca qualquer coisa gelada, chocolate ganha disparado de todos outros sabores. Uma história engraçada sobre essa minha mania é de que quando eu era criança... bom, ainda sou criança, mas quero dizer MAIS criança, eu costumava comer neve quando saía de casa para passear. Kevin sempre me dava um esporro por causa disso – o menino deu uma pausa, esquecendo por alguns segundos sobre o relógio, e apenas pensando sobre seu irmão, que não estava ali para protegê-lo.
O jovem delinquente não sentiu mais vontade de continuar enchendo sua cabeça com pensamentos, apenas queria que aquele momento passasse logo, ou que pudesse voltar no tempo para corrigir o que o fez parar ali.
Ao olhar de volta para o relógio, o garoto fitou seus ponteiros, novamente, porém, dessa vez, apenas observando-os avançar e esperando ser chamado.
- Ô, mexicano.
- Vamo, irritadinha.
- Tua vez, ruiva.
- A morena gata ali.
Todos os outros foram chamados, só faltava uma pessoa.
- Aí, pequeno, tua vez – o guarda Graham chamou o menino e ele se levantou, notando que todos o olharam, como se o julgassem por estar ali, afinal, era apenas uma criança. O que ele poderia ter feito?
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