3 - O ônibus 077
Não sei se vocês lembram, mas uns anos atrás eu trabalhei no mucuripe por indicação daquele meu amigo que o avô era da refesa. Eu não gostava muito do trabalho, mas a minha mulher tava grávida e comigo desempregado não tinha como botar banca, era o que tinha então a gente ia, né? O trabalho era pesado e eu tinha que sair cedinho da manhã pra chegar no horário que o pessoal da madrugada saía. Eu pegava o primeiro 077 do dia e, na época que eu pegava pelo menos, ele ia sempre lotado! Nunca mais quero pegar aquele ônibus na vida de novo depois de um ano nesse horário.
Pertinho do natal e o peão ainda tava trabalhando, tava já em tempo de pedir as contas já. Tinha aberto uma distribuidora lá perto de casa e eu ia conseguir um emprego de carregador lá, mas só depois do ano novo, então tava aguentando nesse emprego só até virar o ano pra eu não fechar o mês com uma mão na frente e a outra atrás. Pois então lá estava eu, estressado, trabalhando quase no natal com minha mulher em tempo de parir em casa, rezando por um ônibus vaguinho pra pelo menos ir sentado até o trabalho. Chega o ônibus e, ao invés de abrir a porta, o fiscal entra pra conversar com o motorista e eu lá estressado. Nesse negócio foi assim uns 10 minutos, então assim que o motorista abriu a porta me emburaquei pra dentro e como consegui sentar nem esperei o ônibus sair pra dar uma cochilada porque ninguém é de ferro.
Quando a gente tá cansado dorme em qualquer canto e eu fui metade da viagem capotado, se me roubassem ali eu não ia nem saber. Sei que deu uma hora que o motorista passou com tudo por uma lombada e eu acordei no susto e foi aí que eu vi a coisa mais estranha de todas - o 077 vazio. Mesmo que ninguém tivesse entrado no terminal, era pra ter entrado alguém depois, mas ninguém entrou, no ônibus só tinha eu e o motorista. E claro que eu estranhei né, ônibus vazio na hora que o povo sai pra trabalhar? Mas cavalo dado não se olha os dentes, me ajeitei na cadeira e fiquei olhando a janela porque tinha perdido o sono.
Por algum motivo parecia que o ônibus tava levando muito mais tempo do que o normal pra fazer o trajeto de sempre e eu sabia que era o trajeto de sempre, passei o tempo inteiro olhando a janela e vendo os mesmos cantos de sempre. O sol não tinha nascido direito ainda e tava naquele tempo meio cinza que fica de manhã cedinho, o que fazia parecer que eu tava num filme. Depois de mil anos naquele ônibus finalmente ele parou pra pegar passageiros e eu fiquei aliviado né, já tava achando que tinha pegado o ônibus errado, mas é porque eu não tinha visto o povo ainda.
- E aí? - Renan chegou dando um beijo estalado em Marcela - Vocês tão fazendo o que?
- A gente tá contando história pra bebâdo dormir - Ela lhe respondeu abrindo espaço pra que ele sentasse ao seu lado no sofá.
- Eu mesma não vou dormir depois disso aqui! - Patrícia choramingou.
- Amoo! Quem tá contando agora, porque eu tenho uma história de milhões.
- O Allan tá contando a história de ônibus dele agora.
- Ah, pois eu espero então.
Depois você conta também e eu volto a tomar uma cachacinha pra curtir o natal. Voltando aqui. O motorista parou e entrou muita gente no ônibus de uma vez. Vocês sabem que eu não gelo nem com assalto, mas acho que aquele clima ajudou e naquela hora eu travei. Sabe quando você trava de surpresa? Foi tipo isso. Todo mundo que não tinha entrado no ônibus entrou de uma vez, era gente pra caramba e todo mundo muito esquisito. O pessoal que entrou todos usavam o mesmo tipo de roupa, como se fosse roupa de velório antigo, com véu no rosto e tudo mais e não sei vocês, mas eu só tinha visto isso em filme e é bizarro pra caramba. Dava vontade de falar: "Ei, o ônibus que vai pro cemitério é o 012, não é o 077, não!". Mas quem sou eu pra me meter na vida dos outros, né? Fiquei calado.
Peguei o celular pra avisar pra minha mulher que tava quase chegando no trabalho, porque ela fica preocupada quando eu saio muito cedo, mas não consegui mandar mensagem pra ela porque a oi tava sem sinal. Como sempre. Deixei pra lá e comecei a prestar atenção pro povo. Todo mundo muito calado, nem parecia ônibus lotado, e ninguém queria sentar do meu lado. Tudo lotado e cadeira do meu lado vazia. Pelo menos tava vazia, até chegar perto do meu ponto.
Uma senhora sentou do meu lado. Ela pelo menos parecia ser idosa, mas eu não conseguia ver o rosto dela por causa do véu, só as mãos enrugadas dela. Ela se vestia de luto igual o resto do pessoal e segurava um espelhinho daqueles de pó de maquiagem. Não sei porque, mas eu fiquei todo arrepiado quando ela sentou do meu lado. Ela não virou pra mim, não pegou em mim e nem nada do tipo, ela só falou um pouco e aquilo foi o maior susto que eu levei na minha vida, porque parecia que a voz dela tava dentro da minha cabeça, muito estranho. Quando eu tava pra descer do ônibus ela me disse: "Melhor descer antes do fim da linha, você pegou o ônibus errado. Esse ônibus não é pra você ainda, espero não te ver nele de novo".
Eu fiquei com o cu na mão, é claro. Desci antes de chegar na minha parada e pedi demissão no mesmo dia, nunca mais pego um 077 de novo.
- Mano! - Renan exclamou - Era um ônibus pro céu certeza, por isso não te deixaram ficar nele.
- Vai se lascar!
- Tá bom, tá bom. Agora eu vou falar a minha.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro