4
Não lembrei do sonho no dia seguinte. A única coisa que lembrei foi do super tombo e a torção no pulso, que doía apenas para não me esquecer dela. E também, infelizmente, do beijo.
Quis dar uma porrada na minha cara pela estúpida atitude. Agora a raiva por aquilo veio com força. Eu merecia aquela dor por ser bastante babaca. Levantei da cama e olhei o relógio sobre a cômoda ao lado.
6h57min.
Não acredito que tinha acordado tão cedo naquele dia. Todavia, não voltei a dormir. Sabia que tinha coisas a resolver. Arrastei-me da cama e sai do quarto, indo em direção à cozinha. Encontrei com Lilly preparando o próprio café da manhã.
— Já acordou? — indagou ela, notando minha presença.
Respondi com um grunhindo, não querendo gastar minha voz rouca matinal. Odiava acordar e falar, fazendo que arranhasse minha garganta. Aquilo me incomodava. Mas o que me incomodava mais era a dor no pulso. Envolvi ele, colocando próximo ao meu peito, desejando que o desconforto e a dor passasse.
Lilly virou-se e colocou um prato em minha frente. Depois despejou um pouco de ovos mexidos e empurrou um pouco de torrada também.
— É seu café da manhã, não precisa me dar — falei, pigarreando logo em seguida.
— Não se preocupe, estou fazendo mais — respondeu ela.
Lilly hoje usava os cabelos acajus preso em um perfeito rabo de cavalo. Além disso, vestia uma saia risca de giz e uma blusa social de seda. Eu achava que ela se vestia impecavelmente, mas precisava, pois trabalhava em um escritório muito importante.
Sempre achei Lilly adorável desde que nos conhecemos. O cabelo dela quase se assemelhava com um ruivo e tinha pequenas sardas espalhadas pelo rosto. Os olhos verdes eram muito bonitos, e o resto do rosto tinha o tamanho perfeito e ideal. Era considerada a garota mais bonita da escola, mesmo quando usávamos aqueles uniformes horríveis das aulas de educação física. Sempre se destacava, tanto por ser a mais bonita e inteligente.
Contudo, havíamos nos conhecido no ensino fundamental. Nos afastamos algumas vezes, por conta de grupos diferentes de amigos, mas sempre voltávamos a nos falar e sair. E por minha causa Lilly conheceu William. Estudávamos em salas diferentes e mesmo assim nos tornamos amigos. Logo que ela conheceu Will, se encantou por ele.
Will era um garoto pequeno e gordinho, mas incrivelmente adorável. Lembro como se fosse ontem de quando o conheci. E, principalmente, quando ficamos um verão sem se ver e ele retornou mais alto e magro. Foi ai que Lilly caiu em seus encantos, mesmo usando aqueles óculos terríveis. Durante o primeiro ano do ensino médio nos falamos pouco, por estarmos nos encontrando como pessoas, contudo, no segundo ano voltamos a ser um grupo forte.
Lilly andava com as líderes de torcida, e tinha se tornado uma. Contudo, aborreceu-se com as meninas e odiava como os treinos ocupavam seu tempo, então desistiu. Focou nos estudos e terminou o ensino médio sendo a Rainha do Baile pelo terceiro ano consecutivo e com uma bolsa na Universidade de Columbia.
Ela e Will foram para lá e, bem, eu ocasionalmente também vim para Manhattan tentar ganhar a vida. Como já havia mencionado, Elizabeth trabalhava em uma empresa de sucesso e, com muito esforço, iria subir de nível e ganhar mais. William se formou em direito e atualmente trabalhava em um escritório de advogados, sendo um dos melhores de lá. Agora sobre mim, você já deve saber. Tinha torcido o pulso e trabalhava em dois empregos. Contudo, precisa imediatamente resolver dois problemas. O primeiro era comprar os remédios que o médico receitou, o segundo era ir à conveniência que trabalhava e perguntar se o dono me daria uma semana de folga.
O primeiro já tinha sido revolvido por Elizabeth, sem eu saber.
— Mandei uma mensagem e pedi para o Will comprar seus remédios. — Com rapidez ela engoliu sua comida e café. — Ele disse, se você puder, para ir até o escritório dele, já que não vai poder vir te entregar. Então, é para você ir ao meio-dia, ok? Pegar os remédios!
— Tá — respondi, bebericando meu suco. Não estava nenhum pouco a fim de sair, mas precisava.
— Não vou poder comprar e trazer poque hoje o dia vai ser corrido. — Assenti ao ouvir as palavras de minha amiga. Ela se levantou e colocou o prato e a caneca na pia. Logo em seguida, hesitou, perdida. — Não tente lavar as coisas, ok? Sem esforço.
Elizabeth foi até o armário e vestiu o casaco e cachecol. Rapidamente foi para o quarto pegar algo que tinha esquecido. Retornou, me deu um beijo na bochecha enquanto tentava calçar os sapatos de salto. Voltou a tagarelar sobre eu tomar cuidado, e permaneci assentindo.
— Siga as instruções que o médico passou. Na hora de tomar banho, envolva com saco plástico o pulso. Lembre-se de fazer os exercícios e passar a pomada. — Ela suspirou depois de ter dito tudo aquilo. — Se alimente bem. Se necessário for, peça comida daquele restaurante da esquina. A comida é mais ou menos, contudo, é melhor do que correr risco cozinhando e...
— Está bom, mãe — reclamei. — Já entendi!
Ela suspirou exasperadamente e colocou a mão na cintura, preocupada.
— Fico aflita em deixar você dessa maneira — disse ela. Aproximei e coloquei a mão esquerda em seu ombro.
— Não se preocupe, minha mão esquerda ainda funciona, esqueceu? — Ela riu pela minha pergunta retórica.
— Esqueci que você usa a mão esquerda. — Lilly olhou o relógio e notou que estava atrasada. — Preciso ir!
Foi em direção à porta e pegou as chaves, mas depois parou.
— Vou deixar aqui, já que esqueceu a sua — disse ela, colocando as chaves de volta no chaveiro. — É melhor...
Ouvimos a campainha tocar e nos surpreendemos. Quem estaria ali naquele horário? Will? Ele quase nunca vinha ao nosso apartamento naquele horário. Lilly arregalou os olhos, mas mesmo assim abriu a porta.
Infelizmente, não era Will. Tom Flanagan estava parado do outro lado, carregando minha mochila. Engoli em seco, relembrando o acontecimento da noite passada.
— Olá? Em que posso ajudá-lo? — questionou Lilly, não o reconhecendo imediatamente.
— Ah! Eu vim ver Melissa. — Ele olhou em minha direção, dando um breve sorriso sem jeito. — Sou o chefe dela.
Lilly ficou boquiaberta, mas logo conteve a própria expressão.
— Claro! Fique à vontade, já estava de saída mesmo. — Lilly se afastou, permitindo que meu chefe entrasse. — Estou indo, até mais tarde, Melissa!
Minha amiga teve que ir, despedindo-se com um aceno do sr. Flanagan e fechando a porta atrás de si.
Não soube como reagir naquele momento. Entretanto, ser deixada sozinha com ele não foi o pior de tudo, mas sim lembrar de que estava usando um conjunto horrível de pijamas. Era uma blusa de unicórnio e calça rosa choque. Aquilo era infantil e ridículo. Mas acho que ele não se importou com isso, apenas focou os olhos em meu rosto e, talvez, em meus lábios. Inconscientemente os umedeci.
Merda! Não o queria ali, me causando aquela sensação estranha. Por que meu coração voltou a fazer sapateado? Eu nem conhecia muito sobre essa dança, mas ele parecia gostar muito de fazer quando via o sr. Flanagan.
— Melissa — começou ele. Era sempre assim. Sempre dizia meu nome antes de dizer algo. — Vim trazer suas coisas, já que esqueceu no restaurante.
— Obrigada — respondi. — Pode deixar em cima do sofá.
Estávamos a uma boa distância um do outro, segura o suficiente para nenhum pensamento imaturo passar pela minha cabeça.
Ele fez o que pedi e deu um passo para trás e aguardou. O que ele ainda queria? Se fosse apenas isso, poderia ir embora. Contudo, sabia que não era apenas aquilo. Tínhamos que revolver outra coisa. Outro erro que havia cometido.
— Melissa... Sobre ontem, sinto muito por ter caído daquela maneira... Então, não se preocupe, darei até uma ou duas semanas de folga. O tempo que você precisar — disse o sr. Flanagan. Não pude negar que fiquei muito surpresa. Eu poderia ter duas semanas de folga? Aquilo só poderia ser mais uma de suas piadas de mau gosto.
— Você está falando sério? Não vai me demitir?
Minhas perguntas o pegaram de jeito, fazendo-o ficar confuso.
— Por que eu iria demiti-la? — questionou, curioso.
Prendi a respiração. Porcaria! Achei que ele iria me demitir por tê-lo beijado, contudo, parecia que aquilo não iria acontecer. Precisava inventar uma resposta imediatamente.
— Err... Por que sou uma péssima funcionária! Só te respondo e sempre chego atrasada! — Aquilo não deixava de ser verdade, percebi.
Ele negou com a cabeça e colocou as mãos nos bolsos da calça jeans. Caramba, nem tinha reparado em como ele ficava bom usando aquela calça jeans que realçava suas coxas. Pare, Melissa! Não fique observando em como ele fica atraente usando aquela camisa preta e o casaco escuro. Ou como o cabelo cai sobre a testa, deixando-o fofo e sexy. Dava até vontade de tocar as pontas dos meus dedos naquela testa e retirar com delicadeza os fios bagunçados e escuros.
Entretanto, nada daquilo iria acontecer. Eu havia feito uma promessa na noite passada, e recusava a me envolver com meu próprio chefe.
— Você não é uma péssima funcionária, Melissa — disse ele, interrompendo meus pensamentos. — Na verdade, a considero muito competente. Por isso, pretendo mantê-la trabalhando para mim.
— Ah! — Fingi que tinha compreendido, mesmo sabendo que aquilo só poderia ser sacanagem. Fala sério, eu nem era importante para o trabalho na cozinha.
Foi aí que o pensamento da noite passada veio em minha mente. E se ele realmente gostasse de mim? Por isso estava tentando me manter trabalhando para ele. Aquela pergunta atrevida dançou em meus lábios. Não! Aquilo não era uma porcaria de clichê. Ele era rico, bonito, sexy, tinha lábios macios e ainda cozinhava bem. Jamais se interessaria por uma retardada como eu que usava pijama de unicórnio enquanto ele usava roupas caríssimas e de marca.
Eu era o oposto dele.
— Bom, é melhor eu ir — disse o chef Tom. Assenti, aliviada por um instante. Contudo, senti um pouco de apreensão em meu peito. Meu coração não queria parar de dançar por ele. — Se cuide e tome os remédios. E... Se precisar de qualquer coisa, é só chamar. Você tem meu número, certo?
Fiquei pensativa. Tinha? Acho que não.
— Seu número pessoal? — perguntei, como uma otária. — Acho que não.
Os olhos dele voltaram para mim, brilhantes.
— Então, eu te passo. Anota aí! — disse ele, parecendo satisfeito.
Fui em direção a minha bolsa e peguei meu celular que estava jogado lá dentro. Anotei o número do sr. Flanagan, após ter soletrado cada número lentamente, para que eu não errasse.
— Certo, prontinho! — falei. Ele assentiu e decidiu ir. Contudo, minha língua coçou para perguntar. Eu odiava minhas atitudes súbitas e ridículas, mas não queria que aquele clima estranho permanecesse ao nosso redor. Então soltei as palavras com rapidez. — Me desculpe por ontem, não pensei direito. Quer dizer... Você ficou me olhando daquela maneira e aquilo passou pela minha cabeça... Às vezes faço as coisas sem pensar duas vezes... Sabe, ainda sou jovem e imatura... Ontem foi meu aniversário e não esperava que aquele tombo acontecesse... Ninguém esperava, certo?... Você tem namorada?... É que não queria ter desrespeitado ela, então... Me desculpe pelo beijo!
Porcaria! O que eu tinha acabado de dizer? Parecia uma sonsa fazendo um discurso incompreensível. O que ele pensaria de mim agora?
Tom Flanagan voltou-se para mim e um pequeno sorriso brincou naqueles lábios ousados e rosados. Hmmm... Por que ele estava me olhando daquela maneira?
Ele começou a vir em minha direção, lentamente, daquela forma sexy que a gente vê em filmes, sabe? Engoli em seco e meu coração começou a dançar sapateado misturado com frevo. Porcaria! Porcaria! Porcaria! Pare de dançar assim ou vou ter um infarto!
— Não, Melissa. Não tenho namorada — respondeu ele, a poucos centímetros de mim. — Não precisa se desculpar, também... Eu queria aquilo tanto quanto você.
A expressão de choque surgiu em meu rosto e ele deu uma risada baixa e rouca ao vê-la. Sua mão direita veio para o meu rosto e acariciou com delicadeza minha bochecha. Mordi o lábio inferior, nervosa. O que ele iria fazer? Me beijar? Não! Eu nem tinha escovado os dentes ainda!
— P-por q-quê? — questionei, tentando controlar a respiração.
Ele envolveu os dedos em meus cabelos. Acho que aquilo iria acontecer. Lembrei da escova e pasta de dente. Não... Não mesmo.
— Sempre achei você diferente das outras mulheres com quem sai... Você faz algo que elas não fazem — respondeu o sr. Flanagan.
— O quê? — minha pergunta saiu em um baixo sussurro.
— Você fala comigo e me responde. — Arqueei as sobrancelhas, sem compreender. — É impertinente e recusa me obedecer. Isso me enlouquece... E gosto disso.
— Espera aí! — falei. — Você gosta de mim por que não te obedeço?
— Sim... E quero fazê-la me obedecer... Você vai adorar — respondeu ele. Mas que... Me afastei subitamente, olhando-o embasbacada.
— Desculpa aê, meu querido, mas eu não me chamo Anastasia Steele — disse, aborrecida. Ele pareceu ficar confuso. — É isso mesmo que você ouviu! Vai tirando o cavalinho da chuva, pois não sou mulher de obedecer a ninguém e muito menos um homem. Sexualmente falando.
Já foi tarde quando percebi o que tinha acabado de dizer. Ele olhou para mim, surpreso e incapaz de acreditar em minhas palavras. Uma risada divertida saiu de seus lábios.
— Melissa...Você realmente acha que vou me envolver com você? — Ele se afastou e cruzou os braços. — O beijo foi bom, mas pareceu algo que os adolescentes fazem em brincadeiras como verdade e desafio. Eu sou um homem adulto, e você é muito nova pra mim.
E então ele voltou a ser o cara ridículo de sempre. Será que ele tinha dupla personalidade?
— Pois eu me arrependo de ter te beijado! Beijar esses seus beiços moles! — Fiz cara de nojo e acho que consegui aborrecê-lo. — Acho que entendi porque todas aquelas mulheres não ficam com você por mais de uma semana!
Fui em direção à porta e a abri, aguardando que o sr. Flanagam se retirasse. Ele veio a passos lentos e parou em minha frente.
— Fui eu quem terminei com elas.
Ri debochadamente.
— Sei! Você diz isso para bancar de gostosão! Mas eu não caio na sua mais não — falei, decidida. Cruzei os braços e lembrei da dor no pulso. Fiz uma careta e o olhar preocupado do chefe Tom surgiu, mas desapareceu em um segundo.
— Você é muito impertinente, não é, Melissa? – Ignorei sua pergunta e desviei os olhos daquele rosto maravi... Feio. — Acho que não deveria me tratar dessa maneira...
— Rá! O que vai fazer? Me demitir? — Apertei os lábios e o olhei ironicamente.
— Não... — Voltei meus olhos para ele e percebi que estávamos muito perto um do outro. — Foda-se...
Não entendi seu súbito xingamento. Porém, eu deveria ter sido mais rápida.
Ele me empurrou contra a parede, erguendo meus braços para cima da cabeça, tomando muito cuidado com o direito, e me beijou. Esqueci da escova e pasta de dente e apenas deixei-me receber aquele beijo. Caramba, como ele beijava bem!
Seus lábios macios tocaram os meus, mas sem delicadeza. Estavam famintos e vieram cheios de fervor. Ele empurrou seu quadril contra o meu e gemeu de satisfação. Sua língua veio em direção a minha e ambas se envolveram em uma fantástica dança, bem diferente da dança que meu coração fazia, uma mistura de sapateado, frevo, samba, funk e balé. Eu queria mais daquilo! Queria que a dança continuasse... Ou melhor! Queria dançar.
Ele largou meus braços e com as mãos livres envolveram meu cabelo e cintura. Percebi que tinha amolecido em seus braços e ele estava me segurando. Não tinha beijado muitas vezes, contudo, aquele tinha sido o melhor beijo de todos. Os lábios macios dele moldavam os meus e moviam em uma sincronia perfeita. Aquilo estava bom demais para ser verdade, até perceber que supostamente o odiava e... Sentir a ereção evidente sob a calça. Ele tinha ficado excitado?
O empurrei, tentando recuperar o fôlego, e constrangida demais após sentir que aquele beijo poderia se tornar em outra coisa. Não mesmo! Eu... Não transava há muito tempo. Quero dizer... Só tinha perdido a virgindade e nunca mais ficado com alguém. Olhei de relance para sua calça apertada e o volume notável. Meu rosto devia ter ficado como um pimentão e ele ficou muito constrangido.
Não pensei muito no ato seguinte, mas pareceu uma boa ideia. Ele pareceu querer dizer algo, mas acertei seu rosto com um tapa. Cacete! Eu bati no meu chefe!
— Seu... Tarado! — exclamei, ofendida. — Vai embora daqui!
Acho que ele entendeu o recado e caiu fora. Fechei a porta, ainda sentindo a dança louca acontecendo em meu peito. Porcaria! Ele negou seus sentimentos por mim... Mas será que era mentira?
Infelizmente, para mim aquilo era real. Eu estava completamente atraída pelo meu chefe Tom Flanagan. Ele era lindo, beijava bem e tinha algo muito interessante e animado, de todas as formas que você pode imaginar, sob aquela calça.
Dei um tapa em minha testa para recobrar a consciência. Mais uma vez tinha agido errado. Por ter dado uma bofetada na cara do meu chefe e simplesmente tê-lo deixado me beijar. Deixei-me cair sentada no chão, tentando processar tudo que tinha acontecido, contudo, a dor em minha mão não gostava de ser ignorada. Enquanto me arrastava para a cozinha ouvi uma batida na porta. Seria ele novamente? Voltei a passos lentos e atendi a porta, preparada para usar de agressão física para ele não chegar mais perto de mim.
Todavia, quando a abri, encontrei meu vizinho Alexander Hall do outro lado. Ele parecia preocupado. Seus olhos cor de mel encontraram os meus, cheios de urgência.
— Melissa?! Você está bem? — perguntou ele, se aproximando e pegando minha mão boa com delicadeza, até notar a outra envolvida em uma tala. — O que aconteceu com você?
Por um instante fiquei sem respostas. O que ele estava fazendo ali? Alex estava bonito como sempre, e parecia estar vindo de alguma saída na rua. Usava um casaco preto com um suéter marrom e calças escuras. Ele ficava bom usando qualquer tipo de roupa, pensei. Entretanto, não me senti bem por ele estar ali. Queria apenas ficar a sozinha e pensar no que tinha acabado de acontecer.
— Estou bem sim, mas por que a pergunta? — indaguei, curiosa.
— Vi um cara saindo de seu apartamento, mas antes ouviu você falando algo bem alto, parecendo desesperada. — Arregalei os olhos. Porcaria, ele havia ouvido! O que eu iria dizer?
Precisava inventar alguma coisa logo. Pensei rapidamente e soltei sem pensar.
— Ele era só um tarado que ficava me perseguindo, mas não se preocupe, já resolvi.
Ao ter dito aquilo, Alex pareceu ficar mais aflito.
— Um tarado te perseguindo? Por que não chamou a polícia?
— E-eu apenas não vi necessidade. Mas agora ele não vai mais me perturbar.
— Tem certeza? — Ele continuou olhando profundamente em meus olhos.
Eu tinha certeza? Certeza que aquilo tinha acabado? Será que agora o sr. Flanagan iria me demitir? Provavelmente sim, e depois nunca mais seria contratada por lugar nenhum. E se ele me denunciasse por agressão? Ficaria completamente ferrada. Rezei mentalmente para que nada daquilo acontecesse e voltei-me para Alexander.
— Sim!
Ele assentiu, ainda hesitante pela minha breve resposta.
— E o que aconteceu com sua mão? — questionou ele, educadamente. — Se não for problema perguntar.
— Não, sem problema. — Olhei para minha mão e percebi que ainda estávamos de mãos dadas. Aquilo foi estranho, pensei. Mas confortável. Alex tinha as mãos macias e grandes, e eu havia gostado de seu toque. — Apenas torci o pulso no trabalho, nada demais. Logo vai melhorar.
— Bem, então você está bem? Quero dizer... Fiquei assustado com a súbita saída daquele cara. Não quer que eu ligue para a polícia ou algum amigo e parente?
— Não! — respondi, exasperada. Elizabeth e Will não poderiam saber daquilo. Uma hora eu contaria, mas agora não era o momento. — Não se preocupe, Alex. Estou bem, sei me cuidar.
Ele finalmente pareceu entender.
— Certo! Então, se cuide, mas se precisar de algo é só me chamar, ok? — Assenti e o deixei ir para o próprio apartamento.
Finalmente pude fechar a porta e ficar sozinha como queria. Fui para a cozinha e tomei o analgésico para a dor no pulso. Precisava pegar meus remédios com William, mas faria isso somente na hora do almoço. Lembrei que deveria ir à conveniência e revolver os problemas com meu chefe de lá. Corri para o quarto e, com muita dificuldade, troquei de roupa. Vesti meus saudosos jeans azuis e uma camisa laranja de mangas compridas com a gola que cobria todo meu pescoço. Depois fui para a sala e peguei o celular e coloquei-o dentro do bolso do casaco escuro que tinha acabado de vestir, e joguei minha mochila nas costas.
Sai para o dia razoavelmente frio. Caminhei apressadamente pela calçada, de cabeça baixa e observando meus tênis. Tinha agido errado e deveria pedir desculpas, todavia, ele também havia agido de forma impertinente ao me tratar como uma qualquer e desmerecer quem eu era. Não nasci para me submeter a caprichos de homem algum. Eu queria um clichê, mas não queria ser a idiota que aceitava qualquer merda que o cara fazia. Isso eu não queria de jeito nenhum.
Depois de algumas quadras cheguei à conveniência que eu trabalhava durante o período da manhã. Entrei e o ar quente bateu em meu rosto. A sensação foi boa até ver o dono e meu chefe do outro lado do balcão. Me aproximei, hesitante. O sr. Rodriguez era dono da pequena conveniência e me pagava meio salário mínimo. Trabalhava para ele há aproximadamente um ano. Não nos dávamos mal, mas nem bem. Quase não nos falávamos.
Ele cuidava da conveniência durante o período da noite, após o garoto que ficava durante a tarde. Por isso, era sempre eu que pegava para cuidar depois dele. Lá estava ele, com a mesma expressão de insatisfeito de sempre.
— Bom dia, sr. Rodriguez — cumprimentei ao aproximar.
— Está atrasada — falou ele, antes de qualquer coisa.
Como podem perceber, o sr. Flanagan não era o único que pegava no meu pé, contudo, ambos eram diferentes em outras características. O sr. Rodriguez era um homem latido, pequeno e gorducho. Falava com um pouco de sotaque espanhol e às vezes começava a falar no próprio idioma, sem perceber.
— Sim, senhor, e sinto muito. — Ele me observou e notou minha mão envolvida na tala.
— O que aconteceu? — perguntou ele, direto como sempre.
— Cai em meu outro trabalho.
Ele assentiu e saiu de trás do balcão, estendendo a jaqueta acolchoada azul em minha direção. Pigarrei, sem jeito.
— Sr. Rodriguez... — comecei, pensando em como diria aquilo. — O médico receitou que eu ficasse uma semana em descanso e até me deu um atestado para isso.
O homem mais velho arqueou a sobrancelha, ainda sem entender.
— É que não posso fazer esforço, como normalmente faço aqui. Sabe, arrumar as prateleiras, carregar caixas e entre outras coisas. — O homem pareceu finalmente ter entendido.
— Você não pode trabalhar? — questionou ele, ainda mais insatisfeito.
— Sim...
— Como caiu? — perguntou ele.
— Cai enquanto trabalhava no meu outro emprego do período da noite — respondi.
— Seu outro chefe te deu descanso? — Engoli em seco, tentando não lembrar do sr. Flanagan.
— Sim, senhor — respondi, tentando soar educada, mas já ficando impaciente.
— Você caiu aqui? — continuou ele. Não entendi o que ele queria dizer com aquilo, mas neguei. — Então, por que não pode trabalhar aqui?
Aquela pergunta me pegou desprevenida. Não poderia estar acreditando na insensibilidade daquele homem.
— O médico... — comecei, mas ele me interrompeu.
— Não vou dar descanso para a senhorita — falou ele. Fiquei boquiaberta, incapaz de acreditar. — Não machucou aqui, não é minha responsabilidade. Pode começar a trabalhar e pelo atraso vou descontar do seu salário.
— O senhor não pode fazer isso! — falei, aborrecida.
— Não me importo. Sou dono daqui e faço o que eu quiser.
Ele empurrou a jaqueta em minha direção e começou a mexer no caixa, pegando os ganhos da noite e deixando as notas menores.
— Você é um merda mesmo — murmurei em português, o ódio envolvendo meu peito.
Contudo, acho que ele ouviu e voltou-se para mim.
— Acho que a senhorita esqueceu que falo espanhol e entendo um pouco do seu idioma — disse ele, me olhando com raiva. — A senhorita está demitida!
— Não! Eu não disse nada demais! — engasguei em minhas palavras, perdida. — Apenas disse que pisei na merda hoje.
— A senhorita não me engana! Vem agindo de forma impertinente e insatisfeita — falou ele, mal humorado. Começou a contar o dinheiro e colocou sobre o balcão. — Esse aqui é o seu salário do último mês. Nunca mais apareça aqui!
Não acredito! Simplesmente não conseguia acreditar que tinha acabado de perder meu emprego. Pelo menos um deles. Porém, logo eu seria demitida do restaurante e mais nada restaria para mim. O que eu faria? Porcaria, eu não estava com um pingo sequer de sorte!
Peguei o dinheiro e sai aborrecida do estabelecimento. As lágrimas mancharam meu rosto, todo o peso das últimas horas vindo com força. Eu tinha ferrado tudo, mais uma vez. Não pensei muito para onde estava indo, só fui. Eu tinha mil e duzentos dólares, mas meia parte de um aluguel para pagar, além de comida, energia, água e mais mil coisas. Não poderia deixar Lilly bancar tudo sozinha, e não queria ser vista como uma desempregada idiota. Consegui voltar para o apartamento sem ser atropelada ou ter tropeçado. Joguei minha mochila em algum canto qualquer e me deitei no sofá, formando uma bola com o corpo. Deixei que algumas lágrimas caíssem, decepcionada com meu fracasso e vergonha.
Não sei por quanto tempo fiquei daquela maneira, mas depois de um certo momento olhei para a mesinha de centro e meu notebook sobre ela. Lembrei de minhas tentativas frustradas para escrever meu novo livro e minha incapacidade de tentar. Passei meses presa em um bloqueio criativo, contudo, agora eu tinha tempo livre e por que não tentar? Sentei, peguei meu notebook e o liguei. Demorou longos minutos pela idade que ele já tinha, mas ligou.
Abri meu livro com poucas páginas escritas. O que eu deveria fazer? Nada passava pela minha cabeça, então abri outra página em branco e comecei a escrever sobre aquele momento e minhas situações. Tudo fluiu naturalmente. Escrever para mim era algo maravilhoso e trazia uma sensação de satisfação enorme. Estar sozinha e fazendo algo que gostava preenchia cada parte de meu ser, tornando-me uma pessoa melhor.
Fiquei escrevendo por horas até meu telefone tocar. Olhei para o visor e vi o nome de Lilly brilhando. Atendi, saindo de meus devaneios.
— Ei, Melissa — disse Lilly do outro lado da ligação. — Não me diga que esqueceu de ir se encontrar com o William?
— Ah, merda — murmurei. Olhei as horas e já era 11h30min. — Talvez...
— Sabia. — Ela deu uma risadinha. — Seu chefe deu a folga de uma semana?
Hesitei. Eu deveria dizer a verdade? Não, aquele não era o momento certo.
— Claro! — menti. — É melhor eu desligar, preciso pegar o metrô e ir encontrar com o Will.
— Certo! Ele disse que estará naquele restaurante em frente ao escritório de advocacia — informou ela. Nos despedimos e desliguei o telefonema.
Sabia que mentir para Lilly era algo completamente errado, e não estava preparada para contar a verdade. Eu amava minha amiga, mas naquele momento não sabia como lidar com aquela situação. Levantei do sofá, salvei as páginas que tinha escrito e desliguei o notebook. Peguei minha mochila e o casaco, partindo novamente para o dia frio.
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