Fome - cap. 2
Lucas encontrou os amigos no ponto de ônibus como combinado. Nando passou com o carro emprestado de seu pai e o pegou. Lipe já estava dentro. Como Lucas previa, seus amigos vestiam camisetas igualmente ridículas com caveiras e coisas do tipo.
Ao entrarem no bar, um lugar escuro com mesas encostadas na parede e um palco de madeira ao meio, Lucas perdeu as esperanças de que o show fosse ser uma experiência épica como Nando prometera.
Posicionaram-se próximo ao palco. Uma galera enchia o lugar, mas nenhum se vestia como eles. A maioria usava camisetas com o nome da banda, o que dizia que o trio ali eram um dos poucos não fãs desta.
Lucas achou graça de uma banda tão desconhecida ter tantos fãs fiéis. Mas o que chamou sua atenção, era como as pessoas com a camiseta da banda fixavam seu olhar neles de modo desconfortável, era como se estivessem invadindo um clube privado.
— Onde conseguiu os convites. — Lucas perguntou em alerta a Nando.
— Veio de brinde quando eu comprei uma faca para minha coleção de escoteiro, naquela loja de caça no centro.
Ele voltou a respirar com tranquilidade. Se estavam dando convites de brinde, provavelmente seria por a banda ser desconhecida. Os fãs os observavam por não estarem acostumados com novos espectadores.
Droga! A banda deve ser ruim pra caramba! Sua mente lhe gritou. Começava a se arrepender em não ter ficado vendo filmes com sua mãe.
A banda, composta por três garotos de cabelos cor cobre, pularam para o palco. Houve uma explosão de gritos e uivos quando o som da guitarra se elevou.
O som era intenso. Lucas sentia todo seu corpo vibrar. Não é que a banda era boa! Ele riu ao fechar os olhos e balançar a cabeça no ritmo frenético da guitarra.
Ao abrir os olhos algo convocou seu olhar. Escorado no bar, há poucos metros, um homem forte de uns trinta anos com cavanhaque claro como seus cabelos e olhos o encarava de modo desconfortável.
Aquele olhar lhe era familiar, ele já vira aquele homem antes. Não recordava quando, apenas tinha uma impressão de temor com aquela presença.
Lucas desviou o olhar, talvez estivesse enganado. Talvez o cara estivesse apenas interessado nele e o esqueceria se ele mostrasse que não era recíproco.
Mas ao observar de relance, percebeu o homem vir em sua direção. E aqueles olhos azuis o atingiam como uma faca. Aquilo não era paquera, era algo sem nome. Algo que fez as entranhas de Lucas saltarem em alerta.
— Vamos embora! — Lucas puxou os amigos pelas camisetas, se afastando daquele Ser perigoso.
— Está louco?! — Lipe gritou, enquanto Nando os observava sem entender nada. — O show está ótimo.
Lucas ia explicar sobre o olhar de ameaça, então não havia mais nenhum sinal do homem ameaçador. Sem palavras, procurou por todos os cantos do bar com o olhar.
Essa não! Será que eu me tornei paranoico como minha mãe? E se eu tivesse imaginado as ameaças? A dúvida o agarrou como se o estrangulasse. Faltou-lhe ar.
Sem dizer nada aos amigos apenas correu pra fora do bar. Sentia-se apertado, sua angustia não cabia mais em seu corpo.
Ele correu pela rua como se pudesse ser mais rápido do que os pensamentos aflitos. Planejou ir até o próximo ponto de ônibus, mas passou um, dois e mais outros sem que suas pernas parassem. Passando por ruas estreitas apenas iluminadas pela lua amarela e enorme ás suas costas.
Esbaforido, inclinou-se e apoiou as mãos nos joelhos ao parar na frente da porta de sua casa. Abismou-se ao perceber que correra quase dez quilômetros. Lucas olhou para o caminho distante de onde viera. Nunca fora um maratonista, simplesmente parecia impossível ter chegado tão longe.
Entrou em casa com a respiração acelerada, contudo não se sentia cansado, apenas faminto. No andar de cima se ouvia as vozes da novela. Lucas andou com passos leves até a cozinha, não desejava se encontrar com a mãe nesse momento. Como assumiria que estava a ficar igual a ela?
Havia um prato com feijão, bolinhos de arroz e purê a sua espera. Nada ali o agradou, ansiava por um sabor diferente. Na geladeira ele pegou queijo e presunto para fazer uns sanduíches.
A fome era tanta que devorou todo o presunto antes mesmo de ter passado a manteiga no pão. Sem mais presunto, fazer um sanduíche parecia sem sentido.
Subiu as escadas, espiou a mãe adormecida no quarto com a TV ainda ligada. Sem fazer barulho se fechou em seu quarto. Sentia sua cabeça latejar.
Jogou-se sobre a cama. Fechou os olhos tentando descansar, tinha esperanças de que o ocorrido no bar tivesse sido um incidente isolado. Ele não aceitaria viver em constante pânico com sua mãe.
Tentou relembrar do olhar do desconhecido, em busca de indícios de que fossem amigáveis e ele que interpretou diferente. Mas sua mente estava turva, a dor se acentuava e era como se nenhum pensamento conseguisse se fixar por muito tempo.
Então um odor desconhecido encheu os pulmões de Lucas prendendo sua curiosidade. Ele se levantou da cama a procura. O cheiro se intensificou quando ele se aproximou da gaiola de seu hamster.
Intrigado Lucas pegou o hamster na mão e o acariciou, enquanto olhava dentro da gaiola para identificar de onde vinha aquele cheiro que a cada respiração se tornava mais agradável. Aproximou o hamster de seu rosto para beijá-lo e devolvê-lo a gaiola, o bicho cheirava tão bem. Fechou os olhos e inspirou profundamente na tentativa de reconhecer que tipo de odor era aquele.
Uma espécie de frenesi atingiu Lucas, ele só se deu conta do que fizera quando o aroma metálico alcançou sua garganta quente.
Ao abrir os olhos soltou um grito e caiu de joelho vomitando ao lado do cadáver do que antes fora seu adorável hamster.
— Lucas! O que aconteceu? — a mãe batia aflita na porta de seu quarto.
— Só um pesadelo. — sussurrou entre lágrimas.
O quê esta acontecendo comigo? O que foi que eu fiz? A loucura era hereditária, e eu estava pior que minha mãe?
Ela continua a bater na porta aflita. Lucas não tinha condições de encará-la. Sempre fora ele o normal da família, aquele que mantinha tudo em ordem. Sua mãe não poderia lhe ver nesse estado de loucura.
Ainda com ânsia ele enrolou o corpo do hamster em uma camisa, sem se importar com a imundice vermelha regurgitada no chão, abriu a janela e escorregou para o telhado. Encontrou o ponto mais baixo e pulou sobre a grama.
Caiu em pé sem se ferir, com já fizera em outros momentos quando desejava sair sem preocupar a mãe. Ainda podia ouvir as suplicas da mãe para ele abrir a porta.
Triste, culpado, confuso, horrorizado e enjoado, Lucas abriu com as mãos um buraco no canteiro de flores e enterrou o bichinho no quintal.
De coração machucado e envergonhado ele se sentou e chorou. A única testemunha de seus pecados era a Lua a crescer no céu.
O mesmo odor lhe invadiu as narinas e desta vez não houve questionamentos, o desejo de seguir seu olfato o controlou. Lucas apenas se ergueu e deixou as pernas levarem-no até o magnífico aroma.
As casas, os gramados, os carros da vizinhança desapareciam rapidamente enquanto Lucas corria cada vez mais para o interior da mata nativa que circundava parte da cidade.
Lucas apenas se deixou guiar. O cheiro era quase tão visível como se fosse uma estrada, tão palpável como pedras ou areia. Correndo, o garoto chegou à mata fechada. Desviava com agilidade das árvores, até alcançar uma clareira. Lá estava a origem do odor!
Ele riu irônico e sem compreensão ao avistar um grupo de capivaras gordas se banhando tranquilamente em um açude. Estou completamente louco! Começou a dar meia volta, então os animais o perceberam e soltaram em disparada.
Aquela cena fez a pulsação de Lucas acelerar e quando voltou em si se percebeu em uma posição bizarra, que nunca fizera antes. As mãos sobre a grama e seus dedos cravados na terra, como um predador ponto a atacar sua presa.
O choro assustado ficou preso em sua garganta enquanto ele se levantava e limpava as mãos cheias de terra nas calças igualmente sujas.
Ele precisava de ajuda. Mas como iria explicar a mãe os últimos acontecimentos se não conseguia fazê-los nem para si.
*****
O quê está acontecendo com Lucas? Será que ele vai conseguir superar?
Me contem o quê tem achado do conto até o momento, please....
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