CAPÍTULO 9
Enquanto seu barco se adiantava pelo Rio Perdido, Ani olhava ansiosa para trás, vigiando os machos.
Seu sistema estava carregado de angústia e ela entendeu o motivo ao ver o exército de Oron alcançar as margens da água.
Um grito de alerta ensaiou deixar sua garganta, mas a madeira da embarcação vibrou sob seus pés desviando o foco de sua atenção.
Assustada, virou-se para a proa a tempo de ver a Rainha das Fadas sumir através das rochas. Rochas que pareciam engolir o barco pouco a pouco.
Tornou a olhar para os rapazes e se surpreendeu com um flecha vindo em sua direção. Sentiu as mãos fortes de Daena em suas costas, forçando seu corpo a se inclinar para frente.
Luna resmungou, imprensada entre seu peito e suas pernas.
Assim que Daena afrouxou o aperto, Ani ergueu o tronco procurando avidamente o outro barco, porém todo o cenário anterior havia desaparecido e a sua frente descortinava-se um imenso oceano com águas em tons degradê de rosa e azul bebê.
Angústia tomou seu coração.
"Eles já deveriam estar atravessando o portal." Pensou olhando fixamente para o ponto onde achava que os elfos iriam aparecer.
Um soluço dolorido chegou aos seus ouvidos e ela girou o corpo.
A cena que viu fez o ar fugir de seus pulmões.
Daena estava caída em uma poça de sangue, que aumentava consideravelmente a cada segundo, com a flecha atravessada em seu peito.
- Meu Deus! Daena!
Islodeu já havia se adiantado e quebrado a flecha.
- Precisamos tirar isso dela! - A fada falou.
- Não, não, todo mundo sabe que essa é uma péssima ideia. - Ani retrucou.
- Isso é ferro, vai envenená-la até a morte.
Respirando fundo, Ani acomodou a pequena princesa no chão da embarcação, que continuava a se mover lentamente em direção à praia, e virou a guerreira de lado de forma que pudesse ver a ponta flecha em suas costas.
Daena balbuciou algo e ela aproximou o ouvido do rosto da amiga.
- Nao consegui entender, querida, pode repetir?
- Tire... tire... queimando.
Horrorizada ao ver a destemida guerreira choramingando, Ani fechou os dedos sobre a ponta da flecha.
- Ai que merda! - Gritou quando sua pele chamuscou em contato com o metal, mas não o soltou, ao contrário, puxou até que estivesse totalmente fora do corpo da fêmea.
Daena soltou um suspiro fraco de alívio, mas não abriu o olhos.
Ani jogou a flecha no mar e invocou sua magia para curar a fêmea.
Nada aconteceu.
Ela tentou novamente, porém não conseguiu se conectar com seu poder.
" Puta que pariu! Que merda é essa agora?"
- Islodel, salve a Daena, por favor! Eu não consigo.
A fada parecia concentrada em alguma coisa na extensa faixa de areia.
- Pressione a ferida para estancar o sangue. Cuidarei dela quando chegarmos em terra firme.
Assim que o barco atracou várias fadas sobrevoaram a embarcação.
- Levem a enferma para o templo de cura. - Começou Islodel - Ela foi ferida com ferro, tenham cuidado.
Quatro machos seguraram Daena pelos membros e a levantaram no ar.
Foi a primeira vez que Ani percebeu que eles não eram pequenos. Ao invés disso, suas estaturas passavam, em muito, a dela.
Ela olhou para a rainha em pé ao seu lado. Surpresa, precisou erguer um pouco a cabeça para ver seus olhos.
"Que loucura está acontecendo aqui?"
Não entendia como a minúscula rainha das fadas, que mal chegava a cinquenta centímetros de altura, podia estar mais alta do que ela. E mais jovem também.
- Levem Allania e a Princesa Luna para minha casa. Providenciem banho e alimento, elas precisam descansar.
- Não, eu vou com Daena!
Islodel afagou os cabelos de Ani carinhosamente.
- Vejo que está preocupada com sua amiga, mas você precisa aprender como usar sua magia aqui para poder ajudá-la e Daena não tem como esperar que isso aconteça. Eu vou salvá-la, Noturna, prometo.
- E o bebê? Faramir precisa encontrar os dois bem quando chegar.
- Eu sei, criança, não se preocupe.
Ela viu a amiga ser levada desacordada por uma trilha cercada por árvores de troncos enormes que lembravam coqueiros. A diferença era que suas folhas, finas e compridas, caiam em direção ao chão como fios de cabelo.
- Não posso ficar calma, Islodel! Ela está assim por minha culpa. Foi ferida tentando me salvar.
Luna acordou naquele exato momento e desatou a chorar.
Ani vasculhou o mar de ondas calmas. Sentiu um peso no estômago por não encontrar nenhum sinal dos machos.
"Por que tudo está dando tão errado?"
Olhou para a bebê em seus braços.
"Se Luna acordou significa que a magia de Cam foi quebrada."
Um soluço escapou de seus lábios e ela se ajoelhou, aconchegando a bebê em seu peito.
"Grande Deusa, cuide dos meus rapazes! Por favor, não permita que mal algum possa alcançá-los."
Sentiu braços delicados envolvê-la e isso, ao invés de acalmá-la, derrubou a última barreira que a impedia de desmoronar.
Ani e Luna choraram por muito tempo, cada uma imersa em seus próprios medos, enquanto eram levadas para o lar da rainha das fadas.
Horas depois, uma fêmea entrou voando na pequena e confortável sala onde as duas se encontravam. Trazia uma bandeja com biscoitos, doces e uma jarra com líquido amarelo.
- Espero que esteja mais calma, minha cara. Trouxe boas notícias da sua amiga.
- Graças à Grande Deusa! - Ani passou a mão pelo rosto cansado - Como ela está?
- Nossa rainha cuidou de tudo. Ela é poderosa. A guerreira e a criança passam bem.
Ani suspirou. Grande parte da angústia que sentia se esvaiu ali.
- Quando posso vê-la?
- Nesse momento ela está em um sono profundo que nós chamamos de período de cura. Quando acordar poderá receber visitas.
Ani assentiu. Tinha mais um milhão de perguntas, mas sabia que seria falta de educação fazer um interrogatório.
"O importante é que os dois estão bem."
- Coma alguma coisa. Vou alimentar a princesa e ficar com ela para que possa descansar.
A fada pegou uma espécie de colher, encheu com o líquido espesso e colocou nos lábios da bebê.
- O que é isso que está dando à Luna?
- Leite de tigrera dourada.
Ani franziu a testa.
- Pelo nome deve ser algum tipo de felino.
- Ah sim, um com mais de dois metros de comprimento e dentes do tamanho da sua mão.
Com as sobrancelhas erguidas, Allania respondeu:
- Nem quero saber como vocês tiram leite disso.
A fada riu.
O cansaço chegou e Ani pegou no sono abraçada à criança.
A pequena ainda estava na fase em que os bebês passam mais tempo dormindo do que acordados e isso foi providencial.
O sol já estava alto quando a mestiça acordou com a risada da princesa.
Por um momento seu coração se encheu de paz.
"O mundo deveria ser repleto desse tipo de som." Desejou mentalmente.
Contudo, a realidade era muito diferente. Principalmente a sua, cheia de dúvidas, apreensão e saudade.
Não conseguia parar de pensar em Cam, Thalion e Faramir. Seu coração acelerava de medo e sua imaginação dava vida a diversas cenas trágicas o tempo todo.
Mesmo sabendo que Daena estava bem, precisava ver a amiga, estar ao seu lado e segurar sua mão. Além dos danos físicos, a guerreira deveria estar passando pelo mesmo sofrimento que ela em relação aos machos. Ani só queria mostrar à amiga que elas ainda tinham uma a outra.
Havia também o problema com sua magia. Conseguia sentir o poder vivo dentro dela, mas não conseguia mais acessá-lo e isso a deixava nervosa.
Se não bastasse tudo isso, tinha uma criança no cômodo ao lado que precisava de amor, carinho e atenção. Uma criança que era o futuro de uma raça, que dependia dela para se tornar uma boa rainha e que, neste momento, não merecia ter sua alegria tolhida.
Ani precisava ser forte. E mesmo não tendo ideia de onde tiraria forças, faria o impossível para ver aquela criança crescer bem e feliz.
Os dias seguiram, Daena finalmente foi liberada do templo de cura e voltou com Islodel para casa.
Abraçadas e com lágrimas nos olhos as duas olhavam pela janela da aconchegante moradia.
- Você teve alguma notícia deles?
Ani negou com a cabeça.
A guerreira praguejou.
- Que esquisitice de casa na árvore é essa? - Daena falou mudando de assunto - Tentei escalar pra chegar até aqui, mas o tronco é liso demais.
- Parece que há muitos predadores pela redondeza que gostam de caçar à noite. No alto as fadas ficam protegidas porque nada consegue subir por esse tipo de cepa.
Daena soltou outro resmungo.
- E como que a gente desce daqui? Já vi que pular está fora de cogitação, devemos estar a uns quarenta metros do chão.
- Só dá pra descer voando. E uma vez que não consigo usar magia, dependemos de alguém para nos carregar pra cima e pra baixo.
Dessa vez a fêmea xingou com vontade.
A medida que o tempo foi passando, a preocupação com os machos só aumentava. Ani e Daena resolveram se ocupar para não enlouquecer.
Allania treinava diariamente com Islodel tentando reaprender a usar sua magia. No seu mundo bastava conjurar mentalmente um feitiço e tudo acontecia. Em Tir Na Nóg a coisa toda funcionava de maneira bem diferente, muito mais ligada a força de vontade e concentração.
Ela já havia realizado feitiços dessa forma quando ainda não conhecia os encantamentos. Sempre que estava passando por algum sufoco sua magia aflorava. Algumas vezes Noturna ajudava, mesmo que na época ela não tivesse consciência disso, como quando fugiu do Caçador Negro, voando com Cam a tiracolo.
E, exatamente por isso, Ani sabia que seria capaz de recuperar o domínio sobre seus poderes. O problema era o quanto ainda teria que apanhar de Islodel até alcançar seu objetivo.
- Ahhhhhhhhhhhhh - Ela gritou pela décima vez, enquanto voava pelos ares.
Caindo de cara na areia, Ani deitou de costas e contemplou o céu rosado.
"Por que tudo aqui tem que ser rosa?" Pensou fazendo careta.
A Rainha das Fadas se aproximou.
- Vamos tentar mais uma vez?
Ani se sentou e sacudiu um pouco a areia de suas roupas.
- Acho que já tive o bastante.
A rainha concordou.
- Fizemos progresso hoje. Você conseguiu me bloquear várias vezes e mover alguns objetos. Logo, logo estará em toda a sua glória.
- Nesse momento, sinto toda a minha glória coberta de pequenos e irritantes grãos.
A fada sorriu.
- Isso é verdade. Não há uma parte de você que não tenha areia. Vem, vamos embora, Luna deve estar sentindo sua falta.
As casas das fadas seguiam um padrão, inclusive a da rainha. Eram pequenas, porém muito acolhedoras. Todas de madeira revestidas com um tipo estranho de vegetação. Ficavam no alto de árvores ridiculamente altas parecidas com eucaliptos, mas de copas frondosas.
Assim que chegaram encontraram Daena irritada.
- Queria descer, mas não tinha ninguém para me ajudar.
- Sei como é. Aconteceu o mesmo comigo ontem.
As duas balançaram a cabeça consternadas.
À noite, quando deitaram pra dormir na cama de casal que compartilhavam com Luna, a guerreira sussurrou:
- Não dá pra continuarmos morando aqui, Ani.
A fêmea prendeu a respiração. Há tempos vinha tentando encontrar uma forma de atravessar o portal e procurar por Cam e os guerreiros.
- Precisamos de uma casa mais acessível. - Continuou Daena.
Ani soltou a respiração irritada.
- O que foi? Não concorda?
- Não é isso. Pensei que você estava falando de voltarmos para o nosso mundo.
Daena estendeu o braço por cima da bebê que dormia placidamente e tocou a mão da ex-mestiça.
- Não há mundo para voltarmos, Ani. Temos que construir o nosso aqui. Assim, quando os rapazes voltarem, terão uma casa pra ficar sem precisar desses projetos de mariposas gigantes pra se locomover.
Ani apertou a mão da amiga prendendo o riso pra não acordar Luna.
- Você acha mesmo que eles estão bem e que vão conseguir vir pra cá?
- Pelo amor da Deusa! É claro que sim! Eles são possessivos demais pra deixar a gente aqui cercadas por esse bando de fadas musculosas com aparências de adolescentes.
Ani sorriu no escuro.
- Quantos dias faltam para aquele maldito portal se abrir? - Perguntou.
- Uns sessenta e cinco?
Ani suspirou.
- Não se preocupe, Allania. Thalion e Faramir são uma força da natureza quando estão juntos. Cam é uma máquina de matar. Tenho pena de quem ficar no caminho deles até nós.
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