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CAPÍTULO 6

Depois de garantir que Daena e Faramir não matariam um ao outro se fossem deixados sozinhos, Ani seguiu para o salão real onde estava acontecendo uma reunião.

Sentiu um peso no estômago assim que atravessou as portas de madeira maciça e relembrou todo a tensão da noite anterior.

O Rei Cirdan era o único que permanecia sentado. Cam, Lady Allania, Islodel e Naerel discutiam calorosamente enquanto andavam de um lado para o outro do cômodo.

Fez uma rápida reverência para os monarcas presentes e se aproximou de seu companheiro, recebendo um carinhoso beijo na testa.

- Como Daena está? - Cam quis saber.

- Bem melhor agora que conseguiu se acalmar.

- E você conseguiu dormir um pouco pelo menos?

- Quase nada, mas...

- Que bom que chegou, Ani. - O rei interrompeu a conversa íntima do casal - Queria te agradecer por ontem.

- Agradecer pelo o que, Majestade? Eu não fiz nada.

- Como não? - A rainha sombria questionou - Você foi a peça chave para revelar nossos inimigos.

- Sua tia tem razão - Continuou Cirdan - Como esperávamos, a medida que foi contando sua versão dos fatos, fomos descobrindo quem estava ao nosso lado e quem era um risco para nosso reino.

- Então eu fui uma isca? - Ela se virou para Cam - Você sabia disso?

- É claro que ele não sabia, criança petulante. - A Senhora da Floresta se antecipou ao macho - Ninguém do seu grupinho sabia. Era necessário que a narração parecesse verídica.

‘’Essa mulher veio ao mundo para me tirar do sério.’’ Pensou se lembrando da discussão que teve com Naerel quando ela tentou obrigá-la a se casar com Ian.

- A narrativa seria verídica independente de qualquer coisa, já que contei o que aconteceu. Gostaria de ser consultada antes de decidirem me usar como um peão de tabuleiro. 

- Eu sei querida, você está certa. - Contemporizou a Rainha das Fadas - Tenho a certeza de que sua tia levará isso em conta numa próxima vez. Não é Allania? 

A Rainha Escura apenas acenou com a cabeça com uma expressão que dizia exatamente o contrário.

- Acredito que temos uma questão mais importante pra resolver nesse momento.

Ani não queria deixar o assunto morrer. Não gostava de ser manipulada, ainda mais numa situação que poderia ter tido um desfecho muito ruim. Entretanto, a questão que a fada levantou em seguida, desviou seu foco.

- Ainda não conseguimos decifrar a profecia de Morrígan.

- Pois é, e aqui não é lugar pra birra. - Desdenhou Naerel.

- Não acho que questionar acontecimentos que colocam a própria segurança pessoal em risco, seja classificado como birra. - Cam apontou sério.

O Rei Branco interrompeu irritado:

- Já chega! Voltem para a profecia! Parece que ninguém entendeu que o mundo está para acabar e que precisamos achar uma forma de evitar isso.

 - Mas tem como evitar que o mal prevaleça. Daena foi muito clara sobre o assunto. - Concluiu Ani meio confusa.

Naerel levantou uma sobrancelha e falou desdenhosa:

- Ora, ora! Temos uma pessoa versada nas escrituras entre nós. Nos explique, por favor.

Ani rolou os olhos.

- Não é preciso ser muito inteligente para entender a frase “Salve a rainha’’, gente.

Todos se olharam como se uma lâmpada tivesse sido acesa no meio da escuridão.

- Vocês não escutaram essa parte? Eu alucinei?

Foi Cam quem elucidou a questão, coçando a cabeça meio envergonhado.

- Nós entendemos isso como uma saudação.

Um sorriso de deboche escapou de Ani.

- Isso não faz o menor sentido. Por que a Deusa da guerra, da morte, da fecundidade, que deu a luz ao mundo, iria saudar uma rainha terrena?

Assim que as palavras saíram de sua boca, Ani se arrependeu. 

Olhou para Lady Allania receosa. A rainha tinha um semblante mortal.

Ela engoliu em seco. “Merda! Eu já deveria ter aprendido a controlar essa minha boca grande.”

- Desculpa, tia, sem ofensa. Mas toda a profecia girou em torno de ações e acontecimentos futuros. Qual lógica teria encerrá-la com uma saudação? 

- Graças a Deusa chegamos ao fim disso e posso ir embora. - Islodel murmurou - Vamos dar uma volta, Noturna? Todo mundo aqui parece te conhecer bem, menos eu. Me dá o prazer de sua companhia antes da minha partida?

Aquela interrupção abrupta da fada deixou Ani desconcertada. Não queria ir com ela. 

Islodel a deixava inquieta. A começar pelo barulho de suas asas zunindo o tempo todo, os olhos observadores que pareciam desvendar a alma dos outros, o rosto enrugado, que indicava uma idade avançada e que destoava totalmente do corpo esguio e enxuto, além da perturbadora postura de quem sabia os segredos do mundo. 

Tudo isso somado tornava a fada um ser meio assustador.

Porém, Ani achou melhor colocar uma certa distância entre ela e a Rainha Sombria, que continuava fitando a sobrinha com raiva.

Elas saíram do castelo em direção ao lago. Desde que chegou em Arvedui, Ani não visitou o local por medo dos gatilhos que poderia despertar. Foi ali que ela passou momentos maravilhosos com Nathan e pensar nisso doía. Assim como também aumentava a saudade que sentia de Bridda. Sempre desconfiou que não veria mais os amigos, contudo jamais poderia imaginar que isso se daria por conta de uma tragédia.

- Você é sempre assim tão pensativa ou tem algo te incomodando? - Perguntou a Rainha das Fadas tirando-a de seu transe.

Ani balançou a cabeça ficando vermelha.

- Era famosa por não pensar muito nas coisas. Agora até isso mudou em mim e, do nada, me pego perdida em ponderações e sofrimentos. Não gosto dessa pessoa que estou me tornando.

A fada se adiantou um pouco, deu meia volta e parou no ar, face a face com Ani.

- O que você passou foi perturbador. É normal que queira refletir sobre diversas coisas. Isso, na verdade, é necessário para que mantenha a sanidade. Não se cobre tanto. Não por isso, pelo menos.

- E com o que acha que devo me preocupar, então?

- Quem sou eu para determinar sobre o que alguém deve ou não refletir?

Ani estreitou os olhos. Aquela amabilidade não lhe descia.

- Tá certo. Que tal, no lugar disso, me falar sobre o que tira seu sono, majestade?

Dessa vez a rainha sorriu abertamente.

- Você é uma criança muito esperta, Noturna. Gosto disso. Facilita as coisas.

Ani ia pedir a Islodel para parar de chamá-la de Noturna, mas a última frase da fada a distraiu.

- Que tipo de coisas?

A rainha ficou quieta, enquanto retomava o seu voo lentamente. A fêmea a acompanhou.

Assim que chegaram ao lago cristalino, a fada pousou.

- Sabe, meu povo está envelhecendo e há mais de um milênio não nasce uma criança no meu mundo.

- Sério? Mas por quê?

Islodel deu de ombros.

- Por que estamos muito velhos? Por que vivemos de uma forma que desejos luxuriosos foram adormecidos e passamos a nos acasalar apenas em rituais? Por que a Deusa assim o quis? Não há apenas uma resposta pra isso.

- Olhando por esse lado, a extinção de uma raça é mais preocupante do que meus problemas.

- É uma forma de ver as coisas, não que seja necessariamente verdade. Há outras coisas que me atormentam também, como o fato do meu mundo estar em guerra e eu estar aqui lidando com o fim do seu, por exemplo.

- É por isso que sempre tem tanta pressa pra ir embora daqui?

- Na verdade, a passagem do tempo é mais rápida de onde venho. Quanto mais tempo fico aqui, mais diferente as coisas estão quando retorno. Todavia, é claro que descobrir a forma de dar um futuro ao meu povo é o maior motivo.

- Graças a Deusa não sou rainha - Ani brincou arrancando uma risada da outra.

- Mas você é Noturna, responsável por uma grande missão.

Ani suspirou.

- Uma missão longa e exigente. A impressão que tenho é que isso nunca terá fim.

- Sei como se sente - A fada sorriu mais uma vez. - Aquiete o seu coração e descanse. Tudo que tem um começo, tem um fim determinado.

As duas ficaram em silêncio por um tempo, até que a ex-mestiça tornou a falar:

- Sabe, estive pensando, não acho que a profecia seja tão ruim. Ela diz que o mal acabará, não o mundo. Isso não é uma coisa boa?

A rainha inclinou a cabeça para o lado analisando Ani. Era aquele olhar que a arrepiava, exatamente como estava acontecendo naquele momento com os pelos dos seus braços.

- Todo ser vivo da Terra tem sua essência composta pelo bem e o mal, criança. Assim é desde que foram expulsos do éden. Você está tão segura assim da sua bondade inata a ponto de não se preocupar com a sobrevivência?

A cena de Ereinion se desintegrando na sala amarela cruzou a sua mente.

Ani engoliu em seco e se absteve de responder.

A rainha a encarou com uma expressão séria. 

- Eu vi seu rosto em sonhos, por isso vim para cá. - Disse a rainha mudando de assunto.

- Eram bons sonhos pelo menos?

- Eram sonhos proféticos, na realidade.

“Claro que eram.” Ani pensou. “Que merda! Eu tô muito ferrada.”

Aquela questão martelou em sua cabeça até muito mais tarde. 

O que não passou despercebido para Cam ao se deitarem para dormir. 

- Qual o problema, Mell?

Sentiu os braços fortes dele ao seu redor e respirou fundo deixando aquele cheiro másculo invadir seu sistema e acalmá-la um pouco. Cam tinha esse efeito sobre ela, era o porto seguro em meio ao caos. Enquanto ele estivesse ao seu lado, sabia que ficaria bem.

- Se eu começar a enumerar todos os problemas a nossa volta, talvez a gente não consiga dormir hoje. 

Ela sentiu o peito dele sacudir acompanhado de uma risada rouca.

- Não consigo ficar chateado com você por muito tempo.

Cam não precisava explicar o motivo de estar magoado com ela.

- Desculpe por cogitar que você pudesse estar envolvido no plano de me usar como isca no Conselho de Reis.

- Jamais concordaria com algo assim, mesmo sendo um risco calculado. A essa altura já deveria saber disso.

- Eu sei. Sou uma idiota. É que estou tão cansada de ponderar tudo o tempo todo… Só me perdoe, por favor.

- Já perdoei. Agora, feche os olhos, minha idiota favorita, que vou te colocar para dormir.

Ela deu um empurrão de leve no macho, sorrindo.

A última coisa que Ani pensou antes de adormecer foi o quanto era bom ter um namorado feiticeiro.

Assim que o feitiço de sono profundo entrou em seu sistema, ela se viu em uma floresta muito escura. 

Algo a impelia a correr. 

Não sabia para onde estava indo, só tinha urgência de fugir dali.

Um choro estridente chegou aos seus ouvidos e seu desespero aumentou. Precisava chegar a quem estava chorando. 

Aumentou os passo e conseguiu entrar numa pequena clareira. 

Luna estava no centro dela tentando voar, mas uma coroa dourada enorme, incrustada de pedras preciosas, pesava sobre sua cabeça impedindo a princesa de sair do lugar.

Uma explosão fez Ani pular de susto. Olhou para a bebê elfo e se preparou para correr em sua direção. 

< Salve a rainha! Salve a rainha! > A voz de Daena ecoou em sua cabeça ao mesmo tempo que outro estrondo tomava conta do lugar.

Sentiu mãos em seus braços sacudindo-a com firmeza.

Ani abriu os olhos e encontrou os de Cam preocupados.

- Rápido, Allania! Estamos sendo atacados.

Ela saiu da cama em segundos. 

Já havia tido uma gama de sonhos esquisitos o suficiente para entender exatamente o que deveria fazer.

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