CAPÍTULO 16
A madrugada já ia alta quando Ani e Cam se despediram de todos e seguiram para a casa que ela havia construído junto com Daena.
Era uma habitação pequena, de madeira, mas confortável e aconchegante. Estavam sozinhos, pois naquela noite Luna e Tedor foram dormir nas casas das fadas para que os adultos tivessem um pouco de privacidade.
- Enfim sós, minha amada. - Cam falou envolvendo Ani em seus braços.
Ela enterrou a cabeça em seu peito, respirando o cheiro característico de seu companheiro.
- Você pode me perdoar por ficar tanto tempo longe?
Ani encarou aqueles olhos que eram como o próprio sol para ela.
- Eu sei que você teria vindo antes se pudesse.
Ele sorriu com ternura e ela o puxou para um beijo apaixonado, mas antes que as coisas esquentassem, Cam se afastou.
Ani ia começar a protestar quando o macho se ajoelhou aos seus pés.
- Mell, sei que nossa união vai muito além dessa encarnação. É um amor que resistiu por milênios de sofrimento e que, apesar de todos os erros que cometemos enquanto rei e rainha há cinco mil anos, a Deusa nos abençoou e permitiu que chegássemos até aqui juntos e pudéssemos viver, enfim, esse sentimento.
Ela podia sentir o coração acelerando descontrolavelmente.
- Não me lembro das vezes nas quais nos encontramos em todo esse tempo, mas quero me unir a você de todas as maneiras possíveis agora. Quero que além de companheira, seja minha esposa, minha mulher, meu tudo.
Os olhos de Ani se encheram de lágrimas.
Cam retirou a corrente prata que levava no pescoço e Ani notou que havia um anel preto pendurado nela. Lentamente, ele desatarraxou o fecho do cordão e segurou a pequena jóia entre o polegar e o indicador.
Um soluço escapou dos lábios da fêmea.
- Allania Catalã Dokkalfar, aceita se unir a mim nessa vida perante a Grande Deusa Mãe?
Ani estava uma bagunça. Uma mistura de choro e alegria tomou a sua face e, sem saber como aquilo era possível, Cam se viu ainda mais apaixonado.
- Sim... nessa, e em qualquer outra vida, a minha resposta vai ser sempre sim.
Eles se abraçaram longamente.
Pressionando o grosso anel esculpido em onix, Cam o dividiu em dois. Com contornos irregulares as duas peças se encaixavam perfeitamente. Todavia, quando foram colocadas carinhosamente nos dedos um do outro, como símbolo de um amor profundo, se ajustaram magicamente para caber.
Ele a pegou no colo e a carregou para a cama.
Cam traçou o rosto de sua amada, descendo a mão em direção ao pescoço delicado, mas interrompeu seu intento ao ouvir a porta de entrada ser esmurrada com força.
- Isso é hora? - Resmungou.
Uma carranca surgiu no rosto do macho quando Thalion gritou:
- Allania, Cam! Abram! É urgente.
Contrariado, o feiticeiro abriu a porta falando abruptamente:
- Você tem cinco segundos para falar o que quer e dar o fora daqui!
Em um único fôlego, o guerreiro soltou:
- Luna sumiu na floresta montada num felino gigante.
Enquanto Cam tentava processar o que ouviu, Ani saiu da casa em direção a de Daena. Quando os cinco estavam reunidos ela pediu que Thalion contasse o que aconteceu.
O macho estava muito nervoso.
- Será que a gente pode ir andando enquanto explico. Aquela coisa tinha dentes enormes e muito afiados.
- Calma, Thalion. - Falou Daena - Esse deve ser Klaus, a tigrera macho de estimação da princesa.
Ele olhou para a amiga como se tivesse nascido um terceiro olho em seu rosto.
- Como que um monstro daquele pode ser um bicho de estimação?! Ele quase me devorou!
- Prateado, se você não disser o que se passou, não teremos como ajudar.
Ele respirou pesadamente encarando Ani.
- Eu estava com uma fêmea na floresta. Nós estávamos... bem... vocês sabem... quase lá. Então, a princesa ogro apareceu. Ela estava bem chateada não sei porquê. Nós discutimos, Luna não queria voltar para casa e tentou fugir voando. Eu saltei para segurá-la e impedir que escapasse, mas aquela coisa surgiu do nada e me atacou no ar. Caí no chão com o felino em cima de mim. Eu não conseguia me desvencilhar dele por mais que tentasse.
Cam e Faramir escutavam o relato com as sobrancelhas erguidas, estranhando que pudesse existir no mundo um animal tão forte a ponto de conter o comandante.
- Olhei ao redor procurando a princesa para falar para ela fugir, mas para minha surpresa a pequena montou naquilo e os dois correram para a mata. Segui atrás deles, mas perdi seu rastro.
As fêmeas trocaram olhares.
- Vou acordar Tedor.
- Tedor? - Perguntou Faramir.
- Pra quê? - Indagou Cam.
- Melhor não, Daena. - Discordou Ani. - Vamos até o bando primeiro, ver qual é a situação.
Os rapazes continuaram a encher as duas de perguntas enquanto corriam velozmente atrás delas pela floresta, mas foram totalmente ignorados.
Pararam no alto de um morro.
Daena e Ani olharam para a clareira circular que se estendia abaixo de onde estavam.
Havia um total de dezoito tigreras espalhadas pelo local.
Todas olhavam diretamente para eles, com apenas uma exceção: um macho que se encontrava deitado com as pata sobre a princesa, que dormia placidamente recostada em seu corpo peludo.
- Klaus! - Thalion rosnou pronto para invadir o local.
Os felinos responderam rosnando ameaçadoramente de volta.
Ani e Daena seguraram seus braços, mas Cam avançou em direção ao bando. Faramir o impediu.
- Acalmem-se, pelo amor da Deusa! - Suplicou Ani - Luna está segura.
- Como ela pode estar segura? - Thalion retrucou exasperado.
- Ela está acostumada a ficar aqui com eles. - Daena respondeu.
Nesse exato momento, um outro felino entrou no espaço do bando, com Tedor montado nele.
Foi a vez das duas fêmeas pularem sobre Faramir.
- Vocês querem mesmo que a gente fique quieto vendo as crianças no meio daqueles monstros? - Ele falou exasperado.
As tigreras estavam irritadas com toda a comoção que acontecia entre eles.
- Calem a boca! - Ordenou Daena - Aqueles dois sabem o que estão fazendo.
De onde estavam, viram Tedor descer da tigrera e ir calmamente em direção à Luna. Os animais nem se deram ao trabalho de olhá-lo.
O silêncio da floresta era quebrado apenas pelos sons raivosos dos bichos que não perdiam nenhum movimento dos elfos em cima do monte.
Já os adultos estavam concentrados na cena que se desenrolava no centro da clareira.
Ouviram claramente quando o garotinho se abaixou ao lado da princesa e, afagando os seus cabelos carinhosamente, falou:
- Ei!
Ela abriu os olhos sonolentos.
- Por que estamos aqui? - Tedor inquiriu suavemente.
A pequena se espreguiçou.
- Não estava conseguindo dormir por conta de toda magia no ar, saí para dar uma volta e acabei vendo o que não devia.
Ani, Daena, Faramir e Cam olharam desconfiados para Thalion.
O guerreiro levantou as mãos:
- Nós estávamos apenas nos beijando, eu juro! - Sussurrou de volta.
Lá embaixo, Tedor olhava a princesa com o cenho franzido.
- Nós já vimos tanta coisa louca por aí, Luna. Não pode ter sido pior do que aquela vez que espiamos Islodel no riacho com um soldado.
Foi a vez dos machos encararem Ani e Daena.
- Nós conversamos com eles sobre isso. - Daena se defendeu.
No centro da arena Luna riu:
- Pior, Tedor? Tive a impressão que você gostou muito do que viu naquele dia.
- Ah, qual é? Aquilo foi bem... instrutivo. E nem vem que você também gostou. - Ele brincou.
Klaus se levantou, forçando Luna a se sentar. Depois de lamber o rosto da princesa, foi em direção à sua irmã gêmea, Kiara, que desde que chegou fitava o morro assim como todos os outros felinos do bando.
Luna suspirou acompanhando o olhar dos animais:
- Hoje foi mais como quando pegamos Brandon com aquele macho.
Tedor arregalou os olhos e se aproximou da amiga.
- Eu... eu sinto muito, Lu. - Disse afagando seus ombros delicados e, como se compartilhasse um segredo, continuou - Nossos pais estão aqui, acho melhor conversarmos depois.
A princesa acenou em concordância.
- É, o bando está agitado por conta deles. Melhor irmos antes que resolvam devorá-los. Mas... não quero voltar para casa de Islodel.
- Você pode dormir comigo na casa do Brandon. - O garoto sugeriu.
- Tem certeza? Não quero atrapalhar seus planos.
Tedor respirou fundo.
- Ele só me vê como a criança que eu sou. Está na festa se divertindo. Não fará diferença você estar lá comigo ou não.
- Nós somos dois iludidos, Tedor.
- Sim, nós somos. - O pequeno respondeu com ar de maturidade. - Mas cresceremos um dia e então daremos as cartas.
- É tão assustador ver, em carne e osso, o elfo que assombra meus sonhos... e ele... ele é tão velho!
Tedor gargalhou.
- Bem, agora que chegaram outros da nossa idade, quem sabe as coisas não mudam?
- Seria bom - A princesa suspirou.
A fadinha ergueu os braços e enlaçou o pescoço do amigo. Tedor aproveitou a proximidade e, segurando-a firme nos braços, se levantou.
Caminhou calmamente até o casal de felinos e, com um salto elegante, montou em Kiara, sua tigrera de estimação, acomodando Luna em seu colo de forma segura.
- Você fez muito bem em me acordar, gatinha. - Falou afagando o pelo sedoso do animal, que ronronou ao toque - Vamos retornar devagar, hein! Estamos carregando nossa futura rainha.
Boquiabertos, Thalion, Cam e Faramir assistiram aos dois sumirem de suas vistas acompanhados de perto por Klaus.
- Alguém entendeu alguma coisa do que aconteceu aqui? - Soltou Cam.
-Essa crianças parecem mini-adultos. Estranhíssimas. - Completou Faramir.
- Acho melhor deixarmos o papo para depois. - Daena apontou com o queixo para a clareira.
As feras caminhavam sorrateiramente para onde estavam.
Eles se apressaram em sair dali e agradeceram à Deusa por não serem seguidos.
De volta à vila, sãos e salvos, Thalion não se conteve:
- Vamos à casa desse tal de Brandon pegar as crianças e depois teremos uma conversa muito séria sobre que tipo de educação elas estão tendo aqui.
Ani bufou, mas foi Daena quem respondeu:
- Você não vai dar pitaco na forma como crio o meu filho, Comandante!
- Daena, eu concordo com Thalion. - Retrucou Faramir sério - Eles têm dez anos, mas não se comportam como tal.
- Onde fica a casa em que estão? - Cam quis saber - Vou buscá-los agora.
Ani resolveu pôr um ponto final na conversa.
- Não, você não vai. Elas estão seguras com Brandon, assim como estavam seguras com o bando.
Prateado fez menção de falar, mas ela o impediu.
- Não vou aceitar que questionem a forma como cresceram. Por toda as suas vidas conviveram com adultos de mais de mil anos de idade, sem nenhuma criança por perto.
Ela fez uma pausa para ver se os machos estavam prestando a devida atenção.
- Reconheço que eles amadureceram precocemente, mas ainda assim são crianças adoráveis, gentis e travessas também. Sempre encontraram um no outro todo o apoio que precisaram. São mais do que amigos, estão ligados pelo divino.
Ela respirou fundo.
- Todos vocês são bem-vindos para ajudar Luna a se tornar a melhor rainha que essa raça já teve. E a auxiliar Tedor a exercer com maestria sua função de guardião. Mas devo dizer que aqueles dois, aos dez anos, têm muito mais senso moral de seus deveres e obrigações do que a maioria dos elfos com os quais convivi na Terra. E isso inclui você, meu caro guardião Prateado. E seus reis e rainhas insanos, Cam e Faramir. - Ela concluiu olhando nos olhos de cada um.
No outro dia, as crianças acordaram Ani e Daena logo cedo chamando-as para um banho de mar. Apesar de cansadas, as fêmeas aceitaram o convite, pois sabiam que elas queriam conversar como sempre acontecia quando aprontavam alguma coisa.
Foi uma conversa que surpreendeu as duas e elas agradeceram silenciosamente pelos machos não as acompanharem. Naquela manhã, sentimentos que não deveriam habitar corações infantis foram revelados e as duas tiveram que usar muita sabedoria, amor e empatia para serenar os pequenos.
Depois de muito diálogo, um pouco de choro e de acalanto, Ani achou que era hora de distraí-los de problemas que só seriam solucionados dali a vários anos, se é que eles ainda existiriam quando esse tempo chegasse.
Correram para água morna brincando de pique-pega, de tentar tombar um ao outro dos ombros das suas mães e pegando jacarezinho nas ondas fracas daquele mar rosado. Logo, logo toda a tristeza que sentiam deu lugar a alegria genuína de ser criança, que só aumentou quando os outros pequenos de Arvedui se juntaram a eles.
Foi assim que os machos encontraram os quatro quando foram buscar Ani e Daena para a reunião com a rainha das fadas: cada um com um imenso sorriso no rosto e o coração recheado de alegria.
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