5
Certa tarde, Oceania comprava frutas em uma feira próxima à uma igreja gótica que estava em reforma. Enquanto paga, ela vê um gato branco com uma coleira azul escura parado há alguns metros da igreja.
Adorava gatos, Leonor também, mas ela tinha obsessão em manter o apartamento sempre impecável. E também, não queria ter um mascote sendo que passava a maior parte do tempo fora de casa.
Depois de pagar, Oceania pediu ao vendedor que olhasse as compras por um instante e se aproximou do gato a fim de acariciá-lo. Arisco, o animal corre para dentro da igreja e o impulso de Oceania é segui-lo. Também pensou que era raro ver gatos, ainda mais brancos e de coleira, naquele bairro. Podia ser que estivesse perdido. Ela entrou no local em obras mas acessível e, no momento, completamente vazio. Ela olhou ao redor, procurando. Não seria nada difícil encontrar um gato branco em plena luz do dia... mas o local estava tomado pela penumbra e não havia sinal do animal, apenas um monte de bagunça e poeira.
O som de passos rompe o silêncio. Definitivamente não eram de um felino. Oceania virou-se. Não havia ninguém. Provavelmente era só a sua imaginação. Mesmo que fosse, havia alguma coisa assustadora naquela igreja vazia e em construção. Escutando novamente o som de passos, começou a se deixar contagiar pela energia pesada do local e pela suspeita de que havia alguém ali que não queria ser visto. Andando devagar, sua voz ecoou no vazio.
– Olá? Olá?
Desta vez com passos mais silenciosos, mantendo uma distância de uns quatro metros, a seguia uma pessoa vestida com roupas pretas e luvas de borracha. Conforme a figura se aproximava, o coração de Oceania se acelerava, quase como se pudesse prever o que estava por vir. Ela se virou. Com uma vala de madeira, a acertam na cabeça.
No trabalho, Leonor recebe uma ligação de um número desconhecido. Atende. Deixa tudo como está e corre para o hospital. No dia seguinte, perto das sete horas da manhã, Oceania recebe uma segunda visitante. Deitada de lado na cama com um olhar de desânimo, ela escutou alguém bater na porta.
– Com licença... – Abril abria a porta devagar. – Posso entrar?
Como se um choque elétrico a tivesse tirado de seu estado apático, Oceania ergueu-se e teria se levantado para abraçar Abril se esta não tivesse sido mais rápida.
Tirando as olheiras, Oceania parecia bem. Em seu rosto não havia qualquer sinal de agressão. Lamentava o fato de ter passado a noite inteira sozinha naquele quarto de hospital, mas de noite só fora permitida a entrada de familiares e Leonor era o mais próximo que tinha de um familiar. Leonor não quis passar a noite, até porque, precisava ir cedo para o trabalho no dia seguinte.
– Como você está? – Abril tentou perguntar da forma mais controlada possível, enquanto abraçava Oceania.
– Sozinha. Estou tão feliz que esteja aqui...
Não demorou muito, escuta-se alguém batendo de leve na porta aberta. Era Leonor.
– Oceania. Estou indo trabalhar.
Assim como Abril, antes de ir para o trabalho, Leonor quis dar uma passada rápida no hospital. Abril levantou-se.
– Leo, te apresento Abril – disse Oceania. Abril se aproximou e cumprimentou Leonor com um aperto de mão.
– Olá, tudo bem?
– Olá, muito prazer – Leonor respondeu completamente neutra. – Perdão, preciso ir; estou muito atrasada.
Abril assentiu com a cabeça e Leonor fechou a porta antes que tivesse tempo de dizer "tchau". Abril puxou uma cadeira para perto da cama e sentou-se.
– Como você aguenta isso?
Oceania surpreendeu-se com a pergunta direta, mas não demonstrou. Olhou para a porta.
– Eu provavelmente não estaria viva hoje se não fosse por Leonor.
Abril ajeitou-se na cadeira.
– É isso mesmo?
– Sim. Ela me quis quando ninguém mais quis. Minha mãe... era uma viciada e não conseguia cuidar de mim. No orfanato... não sei o que aconteceu, mas eu sempre fui um pouco tímida, não me sentia bem perto de estranhos...
Abril inclinou-se e segurou sua mão.
– Você tem a mim.
Com o olhar baixo, Oceania apertou sua mão. "Não da forma como eu gostaria", pensou. Abril afastou-se, encostando-se sobre a cadeira.
– Oceania... mais alguém veio te visitar?
Mantendo o olhar baixo, Oceania rapidamente fez que não com a cabeça.
– E os seus amigos do trabalho? – insistiu Abril.
– Não são amigos, são colegas – Oceania respondeu. – De qualquer forma alguns já me telefonaram.... – E então, seus olhos encontraram os de Abril. – Abril... me diga. Quantos amigos de verdade você fez até hoje? Quem te liga ou te manda mensagem todos os dias ou quase todos os dias? Quem te conta seus maiores segredos e angustias e conta com você pra tudo? Quem compartilha todos os momentos com você, sejam eles bons ou ruins?
Encarando-a, Abril ficou muda.
– Você ainda não me contou muito sobre a sua mãe. Ela alguma vez fez contato?
Oceania balançou a cabeça dizendo que não.
– Não?
– Eu não sei onde ela está. – Oceania encolheu os ombros.
– E alguma vez você tentou descobrir?
– Acho que ela não iria querer isso.
Abril suspirou.
– Me conte o que aconteceu. Disseram que você levou um golpe na cabeça, fizeram uma ressonância e está tudo bem... está muito magra e pálida. Está com dor?
Oceania colocou a mão de leve na parte detrás da cabeça, sentindo o enorme hematoma.
– Me dói aqui.
– Foi aí que bateu?
– Sim. Mas não fui eu que bati... alguém me acertou. Eu estava procurando pelo gato e realmente não vi isso chegar...
Agora nervosa, Abril levantou a voz.
– Te assaltaram?
Oceania desviou o olhar. Seu tom de voz era agora mais baixo e sofrido.
– Bom... me encontraram sem o meu celular e a minha carteira. Estavam no meu bolso. Eu na verdade não vi muita coisa; ficou tudo escuro e quando acordei já estava na ambulância. Eu só vi... eu vi quem o fez. Tinha só a metade do rosto coberto, eu vi os olhos dele. Ainda não contei pra ninguém; tenho medo de que ele me persiga...
– Mas... você precisa contar! Ajude a descobrir quem fez isso com você e eu mesma vou atrás dele. Quero dizer, eu vou te ajudar como eu puder. Pode contar com isso.
À aquela altura, Oceania murmurava como se fosse uma criança indefesa e Abril como uma mãe protetora.
– É um homem mau. Muito mau...
Abril afagou seu braço.
– Diga como é o homem mau para que possamos pegá-lo e fazê-lo pagar... ok?
Silêncio. Oceania relutava por falar, a ansiedade de Abril aumentava a cada segundo. Oceania falou ainda sem olhar para ela.
– Abril... foi o Sergio.
Antes de fazer qualquer denúncia, Abril queria confrontar Sergio e arrancar ela mesma a confissão. Pedindo que a encontrasse em uma praça durante a tarde, o pressionou sem obter resultados – ao menos não resultados que batessem com o que Oceania afirmava. Sergio, ofendido, fazia um escândalo em plena praça pública, o que fez Abril se sentir um pouco arrependida de não ter escolhido um lugar mais privado... ainda que fosse menos seguro. Uma coisa era certa: se Sergio se sentia confortável para falar sobre aquilo tão abertamente com várias pessoas envolta escutando, era um indício de que não era culpado.
– Eu juro por Deus que não fui eu! Não sei como pode desconfiar de mim! Que tipo de pessoa você pensa que é?!
Com os braços cruzados, sem se deixar abalar e também sem pensar que algumas pessoas envolta já estavam encarando, Abril respondia firme.
– E que tipo de pessoa eu seria se desconfiasse da palavra de uma amiga? Além do mais... sei a forma como você se sente em relação a ela. Você vai me dizer a verdade e vai me dizer agora.
– Eu estava na casa do Pablo nesse dia – insistia Sergio. – Se não acredita em mim eu posso provar pra você. Essa pirralha é tão ciumenta que está inventando qualquer coisa pra ferrar com a gente. Além do mais ela bateu a cabeça, Abril... se já era louca antes, agora ficou mais.
Abril já não retornou ao hospital. De qualquer forma Oceania não ficaria muito tempo em observação. Quando Abril bateu na porta do apartamento de Leonor em um sábado à tarde, a mesma atendeu. A princípio, não a reconheceu.
– Pois não?
Enquanto Abril tinha chamas em seus olhos, Sergio estava atrás dela com um olhar e um sorriso suave que irradiavam satisfação. Apesar de tudo, Abril mantinha-se calma e controlada, até porque, nunca foi de chiliques.
– Boa tarde, Leonor. A Oceania está?
Leonor os deixou entrar e avisou que Oceania estava em seu quarto. Abril aproveitou a oportunidade para consultar Leonor sobre algo.
– Com licença... estamos curiosos. A Oceania disse quem foi que fez isso com ela?
Cruzando os braços, Leonor respondeu em um tom desconfiado e ao mesmo tempo curioso.
– Não... ela disse que não viu nada; a atacaram por trás.
Abril assentiu.
– Foi o que pensei.
À aquela altura, Oceania já havia escutado as vozes. Abriu a porta do quarto e saiu.
– Abril...
– Bom, os deixo a sós – disse Leonor. – Preciso dar uma saída. Oceania, não se esqueça do arroz.
Depois que Leonor foi embora, o apartamento foi tomado por um silêncio torturante. Abril se aproximou de Oceania com um olhar fuzilante.
– Não estou com paciência então serei breve. Sergio me disse toda a verdade.
– Quê? – ofegou Oceania. – Abril, como você...
– Ele me provou que nunca esteve na igreja, muito menos no dia e no horário do ataque.
Querendo receber ainda mais satisfação encima daquilo, Sergio deu um passo à frente apontando para Oceania.
– Exato, e você...
– Você cala boca que estou falando com ela – Abril o interrompeu. – Oceania... antes de irmos embora você vai pelo menos me dar uma explicação?
Relutante, Oceania balançou a cabeça.
– Eu não posso te dizer!
– Tudo bem. Eu não estava disposta a ficar muito tempo ouvindo mesmo. Entre nós tudo termina aqui.
Abril se virou e foi embora com Sergio na mesma velocidade com que chegara. Minutos depois, Oceania sentiu o cheiro de algo queimando.
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