• CAPÍTULO 15 •
"A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás;
mas deve ser vivida olhando-se para frente."
— Søren Kierkegaard.
Inicio da sombra que habita no coração do misterioso bonitão.
Nickelback - How You Remind Me
RYAN HARPER • 23 ANOS
Pela primeira vez, entendi o desejo do meu pai de empurrar aquela mulher para longe, ao ponto de derrubá-la no chão. Não que eu o perdoasse por tudo o que fez, mas naquele momento, um vislumbre do que ele sentia passou pela minha mente.
Vanessa.
Por causa dela, eu tinha que abdicar do mais próximo de paraíso que já vivi.
Enquanto me afastava da casa dos Fletcher, sob o olhar de Emma na janela, senti um aperto no peito. A lembrança da sua expressão ficou gravada na minha mente: seus olhos, cheios de lágrimas, e a súplica muda que escapou dos seus lábios. Mas mesmo isso não me impediu de continuar. Eu precisava protegê-la. Precisava ir embora.
Vanessa tentou segurar meu braço com suas unhas compridas, quase como garras, mas me desviei de sua pegada. Seu rosto não desanimou; pelo contrário, o sorriso sádico que se formava em seus lábios, cobertos de batom escuro, parecia triunfante.
— Suba — ordenei, ríspido, enquanto caminhava apressado em direção à moto.
Ela obedeceu, se agarrando a mim feliz, não o bastante, deslizou a mão pelo meu corpo enquanto eu pilotava a moto, tentando em provocar. Rosnei baixo, avisando que parasse, mas, como sempre, Vanessa não sabia quando recuar. Acelerei de forma imprudente, deixando o motor rugir alto, como se o som pudesse abafar a presença sufocante dela e a obrigasse a parar com as suas merdas se não quisesse cair.
Em pouco tempo, parei bruscamente em frente ao principal hotel da cidade. Bufei de ódio e, sem tirar o capacete, desci da moto e puxei-a pelo braço para fora com firmeza.
— Eu já tenho 23 anos, e irei resolver as minhas coisas e ir embora, madrasta. — Minha voz saiu baixa, quase um rosnado, enquanto a encarei com intensidade. — Se você se atrever a chegar perto daquela família, vou fazer você se arrepender profundamente de um dia ter se tornado obcecada por mim.
O rosto dela corou, como se eu tivesse feito alguma maldita jura de amor. Ela era uma desgraçada louca.
— Você jura, querido? — Vanessa passou a mão pelo meu peitoral, como se fosse possível me seduzir. Seus olhos brilharam de uma forma doentia, enquanto ela continuava com aquele tom provocador. — Já disse para me chamar de Vanessa... Não precisa de formalidades.
— Você é repulsiva, madrasta. — Respondi, quase cuspindo as palavras.
Ela inclinou a cabeça, como se estivesse encantada pela minha raiva.
— Ah, Ryan, não fale assim... É feio. Só vim lembrar a quem você pertence. Você pode fingir que não tem família, mas isso não muda os fatos.
Respirei fundo, lutando contra o impulso de perder a cabeça ali mesmo.
— Eu não pertenço a você. E a única família que eu tive, morreu há muito tempo. Agora, vá embora. Ou talvez eu deva ligar para o meu pai, para contar sobre sua obsessão, em cenário público... Melhor ainda, que tal uma reportagem na mídia? "Vanessa Sinclair, esposa do renomado empresário e político, Jonathan Sinclair. Perseguindo o enteado bastardo e invadindo propriedades privadas de famílias inocentes." — falei friamente, sem abaixar o tom de voz. — Seria um belo escândalo, não acha?
O rosto dela perdeu um pouco da cor, mas logo se recompôs, apertando os lábios.
— Ele te espancaria e te jogaria num quarto escuro por ameaçar a candidatura dele. — afirmou, mas acabou acuando e afastando a mão.
— É verdade — admiti friamente. — Mas até ele me espancar, a merda já terá sido feita, mesmo que ele espalhe que o filho dele é louco, a semente da desconfiança já terá sido plantada... E quando vierem aqui, puxarem fofoca da boca das pessoas, verão um homem trabalhador e estudioso que não apresenta sinal nenhum de demência. Vai querer apostar?
Vanessa me encarou com os olhos faiscando de ira, mas logo sua expressão mudou para algo mais calculista.
— Você está diferente... Mais forte. E tudo por causa daquela garota? Você gosta tanto assim dela?
Engoli em seco, mantendo o olhar fixo no dela.
— Talvez as ligações que eu ignorei fossem um sinal claro de que não tenho mais paciência para as merdas de vocês dois. — Respondi, seco.
Deixei-a ali, parada, enquanto me afastava e montava na moto novamente. A cada quilômetro que dirigia de volta para minha casa, sentia o peso da noite me consumir. Porém, no caminho, parei em um mercado 24 horas e comprei um chocolate, como minha mãe costumava dizer: "O chocolate não cura, mas adoça o que está amargo."
Ao chegar em casa, o silêncio era quase ensurdecedor. Larguei a jaqueta no sofá e fui direto para o banheiro, tentando lavar a sensação e repulsa que ainda grudava na minha pele.
Quando terminei, me joguei no sofá, exausto, mas incapaz de relaxar. Foi quando lembrei da carta de Emma, que ela havia colocado discretamente em minhas roupas mais cedo.
Peguei o envelope e o abri, notando a letra cuidadosa e hesitante dela.
Comecei a ler:
"Oi, desculpe pela carta.
Mas notei que você estava diferente de alguma maneira durante a noite.
Você sorria, mas, por vezes, seu sorriso não chegava aos olhos.
Eu não estava conseguindo dormir, minha mente estava agitada...
Pensando em tudo.
Até que eu, não sei, senti. Senti que deveria ao menos deixar você saber.
Não tenho coragem de te falar olhando nos olhos, acho que sou covarde...
Ryan, enquanto você dormia, eu te beijei. Eu me declarei.
Como você estava dormindo, eu vou repetir, ou mais ou menos,
não tem obrigação de me responder.
Só queria que você soubesse.
Um dia, eu vou crescer.
Serei uma linda mulher, me empenharei em ser uma que te faça
perder alguns segundos enquanto eu passo, só para você olhar.
Um dia, não serei complicada ou trarei problemas para as pessoas.
Eu resolverei todos eles. E, um dia... Eu vou te salvar.
Da mesma forma que você me salvou de mim mesma várias vezes.
Você é o meu primeiro amor.
Mesmo que eu saiba que você não me vê dessa forma,
eu queria começar uma nova eu.
Uma que resolve as coisas e é clara.
Me espere...
— Emma.
P.S.: Obrigada por vestir um pijama ridículo,
para me alegrar nesse meu aniversário de 15 anos.
P.S.2: Sei que foi ideia do Jack, mas você foi incrível em
concordar... Novamente, obrigada."
Quando terminei de ler, levei a carta ao peito, deixando o meu corpo "cair" nas costas do sofá, com a minha cabeça pendendo para trás, fechando meus olhos, enquanto prometia a mim mesmo, acabar com tudo que fosse um risco para a Emma. A carta sob meu peito, parecia pesar e minha mão caiu para o lado, sem a soltar, enquanto uma dor pulsante de esperança, lá, no fundo do peito latejava, sabendo que não poderia existir. Causando uma dor de perder algo que não poderia ter ou seria merecedor, mas que haviam me dado um vislumbre de como poderia ser.
Meus olhos se fecharam e pela primeira vez em anos, senti as lágrimas escorrerem, tão pesadamente, que parecia levar um pedaço da minha alma junto. O tipo de lágrimas, que a última vez que deixei cair, foram no dia que fui levado da minha mãe.
E Emma... Ela sentiu algo que nem ela entendia completamente.
Mesmo sem saber, insistia em ser a luz que iluminava meu caminho solitário.
Guardaria aquela carta junto com suas memórias, mas a referência que ela havia dado a mim, no começo era a mais certeira possível.
Eu era um lobo. Um lobo cinzento.
Um lobo que precisava caminhar sozinho. Sem matilha.
Prometi a mim mesmo que não deixaria Vanessa, nem meu pai, se aproximarem dela ou da família Fletcher. Eu derrubaria qualquer ameaça que se aproximasse deles, mesmo que, para isso, eu tivesse que partir.
Voltei a me sentar corretamente no sofá, puxando o ar com força enquanto forçava a pensar no que fazer a seguir. Meu olhar pousou em um livro com um cartão que larguei ali no dia anterior, que havia recebido o convite para ir para Londres de uma das minhas professoras falando que talvez eu devesse me aprofundar em direito. Ela iria embora logo, de volta para lá, que era uma boa oportunidade. Mas eu tinha recusado, para poder ficar, ficar com eles...
Londres... por mais poder e influência que meu pai tivesse, ele não tinha, ali. Puxando meu celular, mandei uma mensagem para ela:
"Professora, sou eu. Ryan Harper.
Ainda tenho uma vaga?"
oficialmente, fim do arco da adolescência.
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