• CAPÍTULO 1 •
" Inocência "
EMMA FLETCHER • 7 ANOS
NEW YORK- USA
ATENÇÃO: ESTE CAPÍTULO PODE SER UM GATILHO PARA ALGUMAS PESSOAS,
LEIA COM RESPONSABILIDADE.
NOTA DA AUTORA: HÁ UMA "REPORTAGEM" NO FINAL, PODE TER UMA IDEIA DO QUE ACONTECEU SEM SE PERDER NA HISTÓRIA.
Às vezes, era melhor não ser defendido...
Era dia de Ação de Graças! Logo que acordei, pulei da cama e desci as escadas descalça. Estava muito agitada e feliz porque todos estariam em casa: vovó, vovô, papai, mamãe e, claro, até mesmo o chato do Jack, meu irmão mais velho, que acabou de fazer onze anos.
Sabe, o Jack era malvado!
Ele me chamava de criança, de boba, bobona, nenezona da mamãe e quando eu perguntava o que tinha de mal em ser o neném da minha mãe, ele ria, falando que era por isso que eu era uma criança. Só meninos grandes como ele não eram mais criancinhas choronas como eu e me mandava procurar uma boneca para brincar de chazinho.
Mas engraçado era que, quando mamãe obrigava, já que ele nunca queria participar dos meus chazinhos. Quando brincava, só gostava de falar de videogame, carro, moto e de uns doidos da rua que andavam com os cabelos bagunçados.
Mas o que eu estava falando mesmo? Ah! A Ação de Graças!
Quando desci, vi mamãe e papai na cozinha fazendo nosso café da manhã. Hoje eles não iam trabalhar como nos outros dias. Por quê? Porque é Ação de Graças! Dia de a família toda ficar junta!
Corri para a cozinha e abracei minha mãe pelas pernas. Ela se surpreendeu com a minha velocidade e a força do abraço!
Sabem, minha mamãe e papai eram médicos incríveis e também cientistas, bio... bio alguma coisa, que faziam fórmulas secretas e construíam muito misteriosas. Eu queria crescer e fazer coisas incríveis também! Só que queria fazer coisas que me deixassem ficar mais em casa, porque eles quase nunca ficavam.
Mamãe me soltou de suas pernas só para me pegar no colo e me mostrar os biscoitos que ela e o papai estavam fazendo para mim e para o Jack. Eles eram lindos! Mas as estrelas da mamãe estavam tortas, e o coração do papai parecia que tinha sido atropelado... Mas isso é segredo, tá?
— Ansiosa, filha? Acabamos de moldá-los — disse minha mãe, sujando meu nariz com farinha.
Eu ri, mas a farinha fazia meu nariz coçar e acabei espirrando.
— Estou, sim, mamãe. Parece muito gostoso! — respondi animada.
— E os corações da mamãe estão bonitos?
Senti um frio na barriga. Será que os corações eram mesmo dela? Pobre mamãe, ela não tinha muito jeito com isso. Mas a professora Rose sempre dizia para não desencorajar quem está se esforçando. Então, confirmei com a cabeça e abri um sorriso largo.
— Você fez muito bem, mamãe. Estão tão bonitos!
Papai deu uma tossida e virou o rosto. E, eu podia jurar que ele estava rindo.
— O que foi, David Fletcher? Meus corações estão feios? — perguntou minha mãe, dando um leve chute nele, enquanto me segurava no colo.
— Querida... Como cozinheira, você é uma excelente biomédica... — disse ele, sem medo de morrer.
Se a mamãe fosse o Super-Homem, o papai já teria virado pó pelos raios laser dela, pensei, vendo-a estreitar os olhos. Foi quando Jack chegou, e, em vez de ajudar, piorou tudo quando espiou os biscoitos.
— Acho que vocês compraram biscoitos com defeito. Tá tudo torto e amassado, olha. Parece até que a máquina deu defeito bem quando chegou a vez desses.
Ele cutucou os biscoitos e fez uma careta.
— São caseiros...?
— Jack, a minha professora Rose falou para nunca fazer pouco caso de quem está fazendo o seu melhor! Ficou torto? Ficou. Mas eles se esforçaram! Ficou parecendo que um caminhão tombou neles? Sim, mas temos que sempre incentivar as pessoas! Foi o que a professora falou! Você é malvado!
— Você fala de mim, mas você faz muito pior, Emma! — reclamou ele, se aproximando.
— Eu? Você que é, estragando os sonhos da mamãe e do papai de fazerem comida gostosa! Seu bobão! — falei, tentando chutar ele para longe.
— Está bem, está bem, seus destruidores de sonhos... — papai disse, rindo, enquanto me tirava do colo da mamãe e empurrava o Jack para a sala. — Vamos sair para tomar café fora. O que acham daquela padaria que vocês gostam? Mas... vocês precisam escovar os dentes e se trocar, tá bem?
— Tá bem! — respondemos juntos, animados. Fazia tempo que mamãe e papai não saíam com a gente.
Enquanto nos preparávamos, eu mal podia me conter de tanta animação. Escovei os dentes e me vesti bem rapidinho, imaginando o que íamos comer de gostoso e como seria passar o dia todo juntos.
Na sala, vi meus pais conversando baixinho, com expressões sérias. Mas, ao nos verem, sorriram, e a alegria voltou ao ambiente.
— Prontos? — perguntou meu pai, pegando as chaves do carro.
— Prontos! — gritamos eu e Jack, correndo para a porta.
O caminho até o restaurante estava cheio de risos e conversas. Mamãe e papai falavam sobre como seria bom passar o dia todo em família. Jack contava histórias engraçadas da escola, e eu só me deixava levar pela felicidade do momento.
Comemos felizes, e tudo parecia perfeito. Mas, então, o telefone tocou. Era uma ligação urgente do trabalho. Eles ficaram nervosos, nos contaram que precisariam nos deixar com o vovô e a vovó para resolverem algo rápido, contudo, prometeram voltar quanto antes.
Jack ficou emburrado, reclamando que eles só ligavam para o trabalho. E eu briguei com ele.
— O trabalho da mamãe e do papai é importante, como o dos super-heróis! Não pode reclamar!
Mamãe se virou e colocou a mão na minha perna, sorrindo com os olhos cheios de lágrimas.
— Quem te disse isso, querida?
— A Jenny, a babá. Ela falou isso quando fiquei triste porque vocês não foram na festinha da escola... — admiti, olhando para baixo.
— Querida, perdoa a mamãe e o papai. Quando esse trabalho acabar, tudo vai melhorar. E vamos até à Disney! O que acha?
— Tá bem! — respondi, animada com a ideia.
— Você é uma criança mesmo... — disse Jack, cruzando os braços, e papai o repreendeu.
•••
Na casa da vovó, tudo era muito alegre também... Quando chegamos lá, eles nos receberam com muitos abraços e beijos. A vovó, após se despedir dos meus pais, pediu ajuda para decorarmos a casa juntos, me deu doces e acabou dando o videogame novo do Jack mais cedo, para acalmá-lo. Mas antes do jantar, mamãe e papai ligaram falando terem boas notícias e que para comemorar iríamos todos comer fora em um lugar muito chique. Lugar de pessoas com muito dinheiro!
Nós nos arrumamos e ficamos bem bonitos, fomos no carro do vovô. E quando chegamos em frente ao restaurante, pude ver meus pais do outro lado da rua, meio abraçados usando roupa de frio. Eles acenaram para nós, com seus rostos iluminados por sorrisos.
Saímos do carro e comecei a correr em direção a eles, mas fui segurada pelo braço pelo vovô, que insistia que esperássemos para atravessar a rua juntos. E então, tudo aconteceu muito rápido, tão rápido que fiquei confusa.
Um carro rugindo alto, acelerando, surgiu virando a rua. Seus faróis tinham luzes fortes e o som ensurdecedor de disparos chegou a mim. Com medo, meu corpo todo parecia não se mover, então eu vi... Como num filme daqueles que o Jack gostava, a mamãe e papai fazendo caretas e caindo no chão.
Mamãe estava chorando, vi que estava. Papai a abraçou, cobrindo-a com o próprio corpo. Confusa, tentei ir até eles, forçando meu corpo se mexer, mas o vovô me puxou, tentando tapar tarde demais os meus olhos.
— O que... — comecei, mas o som do grito do Jack foi mais alto.
— Não!!! Mãe! Pai! — Ouvi, mas não conseguia ver o que estava acontecendo.
A mamãe e o papai caíram, eles só caíram, certo? Nos filmes tem sangue, tem explosão, os homens maus dão risada e a polícia pega eles... Pensei. Então, os homens maus só assustaram a mamãe e o papai?
Atordoada, ouvi a vovó chorando, o vovô tentou consolar ela e nesse instante pude a ver caindo de joelhos no chão, falando:
— Meu filho, meu bebê... — ela chorava muito, muito, gritando.
O vovô me soltou completamente por um momento para ajudar ela e nesse momento, corri atravessando a rua em direção aos meus pais. Tinha muita gente ao redor e tive que abaixar para passar por eles engatinhando. Quando finalmente cheguei a eles, levei minhas mãos para eles e falei para levantarem porque tinham homens maus por perto, que era perigoso.
— Emma... — murmurou a mamãe. — Seja uma boa menina e...
Mas a mamãe não terminou de falar, cuspindo sangue. O vovô devia ter empurrado todo mundo, porque tinha me alcançado a essa altura e eu falei:
— Vovô, temos que levá-los para o médico. Acho que estão machucados.
Seu rosto se contorceu e ele puxou o celular ligando. Jack não estava com ele, entre as pessoas eu o vi do lado da vovó, branco como um fantasma com a boca aberta e parado como uma estátua com ela caída no chão ao seu lado.
— Vovô! A vovó também está machucada... — eu mal terminei de falar e ele estava correndo em direção a eles. Eu, como boa menina, fiquei com a mamãe e o papai esperando a ambulância.
Quando a ambulância chegou, fazendo muito barulho com a sirene, falei para eles que a mamãe e o papai estavam machucados para tomarem cuidado ao fazer os curativos. Eles disseram que iam tomar cuidado e fiquei olhando enquanto os colocavam na maca. Quando o vovô se aproximou com o Jack e não tinha a vovó junto, perguntei dela:
— Vovô, e a vovó?
— Ela... — falou num tom fraco. — ela vai para o médico também, querida.
De táxi, fomos para o hospital. O vovô ficou falando com os adultos o tempo todo e Jack estava no mais completo silêncio. Então, um médico todo de branco, luvas e máscara se aproximou do vovô, e ele cambaleou para o lado e pensei que fosse cair, mas o médico segurou o vovô e deu para ele um copo de água. Será que o vovô estava com tanta sede que ficou tonto?
Assim que o vovô veio em nossa direção, com expressão triste, Jack anuiu como se fosse um cachorro machucado. Eu não entendi e me levantei da cadeira em que fui mandada ficar sentada e fui até ele.
— Vovô, a mamãe e o papai vão demorar com os curativos? E a vovó? Quando eles vêm para voltarmos para casa? É Ação de Graças, a família tem que ficar junta.
Nesse momento, meu avô olhou para mim sem palavras e pela primeira vez Jack se levantou da cadeira, ficou de pé e me segurou pelos dois braços. Ele não parava de chorar, mas estava bravo me sacudindo.
— Eles não vão vir, Emma. Eles não virão nunca mais! — ele gritou.
— Por quê? — perguntei, com meus olhos enchendo de lágrimas. — Você está mentindo! Jack, seu malvado! Mamãe e papai nunca iam deixar a gente!
Empurrei ele e fui até o vovô e segurei as pernas dele.
— Diz para ele, vovô. Diz... — mas o vovô parecia muito triste também e começou a chorar e não me falou nada, só abaixou e me abraçou.
Nesse momento, não consegui mais segurar o choro. Gritei chamando a mamãe e o papai, enquanto o vovô me abraçava mais apertado.
— Venha, Jack... — o vovô falou esticando um braço para ele quando eu finalmente parei de gritar e chorei em silêncio, me negando a acreditar.
Mamãe e papai só estavam machucados, só machucados.
...
Não lembro como, porém fomos para a casa do vovô, eu acordei na cama com o Jack dormindo abraçado em mim. Lembro que todos choramos bastante, Jack grudou em mim como nunca antes e em meio ao choro, abracei ele também no carro.
Aquela noite, que deveria ser cheia de agradecimentos e alegria, se transformou no pior pesadelo... Olhei para a porta entreaberta do quarto e solucei, pensando que a mamãe e o papai não iam mais passar por ali e falar que íamos para casa porque não podíamos morar com o vovô e a vovó, que tínhamos nossa casa.
Ou era um sonho? Sim! Isso! Um sonho! Mamãe e o papai iam aparecer, iam sim!
Ouvi uma voz baixa e cheia de esperanças. Fiz Jack me soltar, levantei da cama correndo e saí porta afora. Mas ao chegar no corredor, ouvi som de choro, meu coração apertou e andei mais devagarinho. Espiei a sala e vi o vovô assistindo à televisão. Na tela, a foto da mamãe e do papai aparecia bem grande.
O apresentador fez uma cara triste e disse:
" Temos uma notícia trágica..."
Na ponta dos pés, me aproximei do sofá onde o vovô estava sentado e o apresentador falou que os engenheiros... bio alguma coisa... falaram o nome da mamãe e do papai e disseram que eles foram baleados. Meu estômago revirou, doendo muito.
Não... pensei, dando passos para trás.
O apresentador falou que eles tinham descoberto alguma coisa importante, uma tal cura do câncer, que iam testar. Eu sabia que mamãe e o papai eram heróis, mas... mamãe e o papai ... Por que os bonzinhos morreram?! Ele ainda disse que os homens maus fugiram e a polícia ia pegar eles.
Não foi um sonho, mamãe e papai não iam voltar... Finalmente entendi e senti o meu coração doendo muito. Recordei de ontem, quando me aproximei da mamãe. Mamãe... quero minha mãe...
Eu já não conseguia mais ouvir nada, meus olhos estavam turvos pelas lágrimas. O vovô desligou a televisão e mordi a boca, tentando segurar o choro, mas não aguentei e chorei alto, muito alto, caindo no chão, sentada. O vovô se assustou e, assim que me viu, correu em minha direção, se ajoelhando e me abraçou. Fiquei muito tempo ali, chorando e chorando. Queria minha família, mamãe, papai, vovó. Queria os biscoitos da mamãe, ouvir a risada do papai.
•••
Acabei caindo no sono, após ficar cansada de tanto chorar. Mas eu tive um sonho bom... No sonho estávamos na sala de casa, nada estava diferente do dia anterior, papai, mamãe e vovó. Parecia um fim de tarde de verão e fui correndo até eles com um largo sorriso.
— Mamãe! Papai! Vovó! Tive um sonho tão ruim!
O sorriso da mamãe vacilou e eu parei gradualmente de correr até eles.
— Emma, minha garotinha... Você é tão forte... — falou a mamãe, me oferecendo um dos seus biscoitos.
Mas... eu não ligo nada dessas coisas de força, quem liga é o Jack, mamãe, pensei fazendo bico de choro, sabendo de alguma forma que não tive um sonho ruim, não era sonho.
— Mamãe, por que você não voltam para casa comigo e com o Jack? — perguntei enquanto pegava o biscoito com uma mão, enquanto tentava secar o nariz com o outro braço. — Sabe, estamos tristes...
— Ah! Minha querida, também estamos... Mas não podemos voltar e você terá que cuidar do Jack e do Vovô. Você sabe que ele fica magoado fácil e o seu vovô finge ser forte...
— Nós não vamos poder voltar, então você precisa cuidar deles. — disse o papai se sentando ao nosso lado, fazendo carinho nas minhas costas.
— Não podem mesmo? — falei entristecida, com algumas lágrimas caindo.
— Não, mas você deve ser feliz, está bem? — disse a vovó se aproximando para me entregar uma balinha com seu sorriso de sempre e funguei.
— Tá bem... Eu vou sentir falta de vocês, tá bom?
— Também sentiremos falta, meu amor, por isso sempre cuidaremos de vocês daqui também... — falou papai.
— Querida, diga algo para o seu avô por mim? — perguntou a vovó com uma voz longe e baixinha. — Diga que ele consegue.
— Tá bom!
...
E assim que acordei, estava de novo no quarto com Jack, virei minha cabeça para o lado e vi o vovô, ele estava sentado de frente para a janela, olhando para fora.
— Elizabeth... como vou superar essa dor? — murmurou, a voz fraca e quebrada. — Como vou consolar essas duas crianças que perderam seus pais? Como serei forte para elas quando estou despedaçado?
O som do choro do meu avô partiu meu coração e, sem pensar, falei:
— Você consegue... — falei abrindo um sorriso.
O vovô se assustou e então seus olhos caíram em mim:
— A vovó falou que você consegue, ela me mandou te falar no sonho, vovô.
O rosto do vovô se contorceu em meio às suas lágrimas, mas, ao mesmo tempo, ele sorriu, me deixando confusa.
— Se ela falou isso, então devo conseguir. Obrigado, pequena Emma, meu amor.
•••
Reportagem que George, o avô da Emma, assistiu:
"Bom dia. Temos uma notícia trágica para compartilhar hoje. Os engenheiros biomédicos da empresa HealthTech Innovations, David e Joselyn Fletcher, foram baleados na noite de Ação de Graças logo após a empresa anunciar que eles tinham descoberto uma possível forma de cura para o câncer que estava prestes a entrar em fase de testes. Segundo as autoridades, os criminosos responsáveis pelos disparos fugiram da cena e estão sendo procurados pela polícia. O casal Fletcher deixou dois filhos, Emma e Jack Fletcher, que agora enfrentam a dolorosa realidade de perder não só os pais, mas também a avó, Elizabeth Fletcher, uma cientista condecorada, que sofreu um infarto. Nossa equipe continuará a acompanhar esse caso devastador e trará mais atualizações assim que disponíveis. Nossos corações estão com a família Fletcher neste momento de profunda tristeza..."
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