Capítulo 7
= Camila =
A sensação de vazio que me preenchia o coração era sufocante. Como era possível eu não conhecer a minha própria mãe? Como é que ela me pôde esconder tanto do mundo a que realmente pertenço? Olhei para Roxanne e tentei soar apenas curiosa e não magoada ao perguntar:
- E tu, o que és?
- Sou uma lobisomem.- respondeu a rapariga alta, que me fitava com um misto de pena e dúvida- A rainha deles, mais precisamente.
- Não és demasiado nova?- perguntou Layla, de sobrolho franzido.
- Sou e por isso ainda não é oficial. Quem trata das coisas todas por enquanto é o Lorenzo, o pai de Alex.- à menção do nome do rapaz, o olhar dela entristeceu- Tenho de o ir ver. Mas tenho muitas questões.- olhou para mim- Não é que me agrade a vossa companhia.
- Nem eu queria que agradasse.- retorqui, irritada com a mudança de atitude dela- E quem tem milhares de perguntas a moer-me o juízo sou eu.
- Pois, isso é mais que evidente.- Roxanne sorriu, um sorriso de certa forma inocente- Vêmo-nos por aí, então.
Estava prestes a sair do quarto quando Layla a chamou, com cara de ofendida:
- Então é não me desejas as melhoras??
- Oh, poupa-me! És uma vampira logo as feridas já sararam, nem te devem doer nem nada.- afirmou a lobisomem, a rir.
- Doem sim!- protestou a loira, amuada.
Os risos de Roxanne eram de tal forma contagiantes que não consegui deixar de esboçar um sorriso. Quando ela saiu, Layla voltou a concentrar a sua atenção na tatuagem que lhe cobria o pulso. Espreitei o infinito dourado que parecia esconder algo por debaixo. No entanto, não foi isso que me chamou a atenção para o desenho e sim o minúsculo "G" feito no meio do infinito com o que me pareceu ser marcador.
- Pára.
A loira lançou-me um olhar assassino mas que não me meteu medo nenhum, mesmo sabendo o que ela me podia fazer.
- Não estou a fazer nada e não vou perguntar.- ela arregalou os olhos.
- Ótimo.- mordeu o lábio, relutante em agradecer- Obrigada por isso, acho. Olha Camila, vai para casa. Como a Roxanne disse, teremos de voltar a falar. Não vale a pena começar a responder-te a perguntas que nem eu própria vou conseguir responder com certeza. Sei que tens muitas dúvidas sobre o mundo sobrenatural e até sobre ti própria.- assenti, emudecida- Sei também que não consegues controlar a tua magia e que a tua mãe não te consegue ajudar...
- Como é que sabe isso?- interrompi, estupefacta com aquela afirmação.
- Sei muita coisa, quiduxa.- encolheu os ombros- E sou muito observadora. A questão que aqui se põe é a seguinte: eu acredito que te posso ajudar e, se conseguir persuadir Roxanne a ajudar, tu poderás não só controlar a magia mas também usá-la.- abri a boca para lhe explicar que tudo o que eu queria era acabar com aquela constante sensação de pânico sempre que o meu coração acelerava ou de toda a vez que levantava a voz quando ela esboçou um sorriso tão triste que não disse nada- Não podes fugir do que és. A tua identidade, as tuas dores vão te acompanhar até ao fim da tua vida.- olhou para a tatuagem- Não podes fugir.
- Posso tentar.- afirmei, desafiadora.
- É um fracasso certo.- abanou a cabeça- Vai para casa. Procura a tua amiga e, faças tu o que fizeres, não permitas que a tua mãe se aperceba do que agora sabes.
- Também não é muito.- resmunguei, um bocadinho assustada com o tom dela.
- É o suficiente.- disse ela, firme.
Calou-se e eu levantei-me, saindo do quarto no mesmo instante que uma mulher exatamente igual a Layla passou por mim a correr. Não ouvi o que disseram e também não me apercebi da presença da minha mãe na sala de espera, completamente em pânico e a gritar comigo como se eu tivesse feito alguma coisa errada. Tentei dizer-lhe que eu acabara de sofrer um grande choque ( eu tinha presenciado uma explosão, porra!) e que tudo o que eu queria era ir para casa. Ela não percebeu, continuando a barafustar. Ignorei-a e ao resto do mundo até ao momento em que uns braços delicado me apertaram quase ao ponto de me estrangular.
- Oh Camila, desculpa, desculpa...
Nunca fui pessoa de chorar ou de me lamentar, não só porque não posso me arriscar às malditas emoções fortes como também porque simplesmente faz-me sentir uma fraca. Assim que senti Vicky a chorar compulsivamente por causa de mim, o cansaço, a mágoa em relação à minha mãe, as dúvidas, tudo se abateu sobre mim e eu chorei. Apertei a minha melhor amiga contra mim e permiti-me chorar as lágrimas que sustivera a vida toda, o rosto escondido nos cabelos macios dela.
- Eu preciso ir para casa, Vic, tira-me daqui- sussurrei no seu ouvido, sentindo-a soluçar mais alto.
🕖 19h
- Vais me explicar o que foi aquilo de manhã?- perguntei, posando o prato cheio de ketchup que eu derramara enquanto me lambuzava com o cachorro quente que fora o meu jantar e o de Vicky.
- O quê?- perguntou ela, cheia de inocência, a boca e o nariz cheia da maionese com que cobrira o seu cachorro.
- Sabes bem o quê.- tentei não me rir mas não consegui- Tens a boca cheia de maionese.
- Oh!- exclamou, corando ligeiramente- Fogo, eu não sei mesmo comer.- resmungou ela, pondo o seu prato em cima do meu, na minha mesinha de cabeceira.
Infelizmente para mim, não tinha conseguido fechar-me no quarto como pretendia. Entre prestar depoimentos à polícia, terem perguntado se eu precisava de acompanhamento pós-traumático e ter dado um ataque de urticária a quem teve a coragem de fazer tal pergunta idiota, eu não parara um segundo. Apesar de estar bastante calma relativamente à situação de ter presenciado a vivo e a cores o que a polícia achava ser um ataque terrorista (em Melvin? Muito improvável), não estava minimamente calma no que dizia respeito à minha mãe. A minha vontade de gritar com ela era tal que só mesmo por Vicky estar ali me impedia.
No entanto, o dia chegará ao fim e eu podia por fim usufruir da minha cama na companhia da minha melhor amiga. Mas essa perspetiva estava a fazer-me alguma confusão, embora eu não conseguisse perceber porquê.
- Vicky, vá lá, explica-me lá o que foi aquilo de manhã- pedi, aconchegando-me mais dentro dos lençóis.
- Camila, não vale a pena, está bem?- ela encolheu os ombros, visivelmente agitada- Foi só uma crise, sabes como é, as coisas lá em casa não estão famosas e eu descarreguei em cima de ti.- fez um gesto que dizia "esquece-só-tá?"- Olha, vou me embora. Vê se descansas que amanhã é dia de escola- olhou para mim, alarmada- Não que tenhas de ir, passaste um mau bocado por isso...
- Victória, eu estou bem.- assegurei, revirando os olhos- E é claro que vou à escola. Tenho...- fiz uma pausa, pensando nas mil perguntas que ia fazer a Layla assim que a visse-...coisas a tratar.
Ela sorriu e eu devolvi o sorriso. " Tem mesmo um sorriso bonito" pensei, sentindo-me confusa. E o que é que isso tinha? " É a Vicky, a tua melhor amiga" lembrei à minha cabeça " Vê lã se atinas!"
- Camila?
- O que foi?- perguntei, de sobrolho franzido.
- Eu disse "até amanhã"- informou-me ela, rindo.
- Hã, eu sei que disseste.- cruzei os braços, desafiando-a a negar.
- Claro que sim.- ela abraçou-me- Até amanhã.
- Até.
Observei-a a sair de mansinho, lançando-me um sorriso leve antes de fechar a porta. Virei-me para o lado completamente soterrada pelos lençóis e preparava-me para fechar os olhos quando o ranger da minha porta acabou com essa ideia. Era a minha mãe, que fazia uma careta por causa do barulho. Foquei num ponto qualquer que não fosse a sua cara, não fosse eu passar-me.
- Olá querida.- silêncio- Precisas de mais alguma coisa? Um pacote de bolachas, leite com chocolate...
- Não, não preciso de nada.- respondi, seca.
- Já pus o chá a fazer.- informou-me, fazendo-me uma festa na cabeça; não me mexi, embora tivesse uma grande vontade de pegar fogo aos seus cabelos ou simplesmente pô-la na rua. Ponderei bem mas resolvi permanecer imóvel e muda.- Ai filha, fiquei tão preocupada... Mas quem foi o estupor que pôs uma bomba numa escola cheia de miúdos?? São inocentes!!
Não respondi, estranhando a sua atitude. A minha mãe sempre foi uma mulher ponderada, raramente impressionável. E havia algo no seu tom de voz que me estava a incomodar sobremaneira. Parecia que o que ela estava a dizer não era muito sincero. Ela era egoísta ao ponto de não querer saber quem se tinha magoado, contando que nem ela nem eu fôssemos afetadas.
- Mãe, acho que hoje não bebo o chá, estou demasiado cansada...- tentei mas ela abanou a cabeça, impacientemente.
- Nem penses nisso, Camila. Não podemos arriscar, agora ainda estás mais frágil por causa do trauma.
- Eu não estou traumatizada.- rosnei, furiosa.
- Querida, não há discussão.- cortou ela, já de saída- Vou buscar o chá e só depois deixo-te em paz.
Cerrei os punhos, completamente furiosa com a ousadia dela. Para umas coisas era uma mãe extremosa mas para outras era uma mentirosa implacável. Eu não conseguia perceber os motivos que a tinham levado a omitir-me a realidade durante anos. E sabia que não iria aguentar guardar toda a raiva que me dominava durante muito tempo.
Só esperava que uma certa vampira loira tivesse razão e me conseguisse ajudar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro