• sweet night • IV
Museu do Universo / Planetário da Gávea - RJ/Brasil
TERRA
IV
Lua, 3.474,2 km
Sol, 1.392.700 km
E é daqui, da Terra, apenas no momento certo, que eles poderiam ter a mesma proporção.
Seria esse nosso encontro apenas uma coincidência cósmica? O céu encontrando o mar? Sizígia? Um Eclipse? Seria por nossas cores se contrastarem demais quando estão lado a lado?
Eu não sei.
Talvez nunca saiba.
Talvez as coisas não tenham explicação mesmo.
E cheguei a minha própria conclusão de que era essa mania esquisita do ser humano de pensar que tudo tem que fazer um sentido lógico, que estraga as melhores coisas da vida. Aquelas que eram tão divinas que deveriam apenas ser sentidas e não pesquisadas ou analisadas.
Às vezes as coisas só acontecem, porque querem acontecer.
Fim.
Ou início.
Fique a vontade para decidir sobre isso, Taehyung.
Sentada no chão da sala, com as costas no sofá, encarei a taça de vinho pela metade. Girei o pulso de leve, observando o líquido dançar dentro do cristal.
Era estranho o quanto aquela situação parecia tão irreal e tão real ao mesmo tempo. O quanto o "nós dois" parecia apenas uma história fictícia e o quanto eu parecia neurótica, mas, ao mesmo tempo, me sentia tão sã.
Eu até queria culpar o vinho pelos batimentos acelerados e o calor que começou a tomar conta de mim quando me lembrei daquela nossa tarde juntos, mas quando comecei a acreditar na ideia de que nada daquilo tinha acontecido, o som do chuveiro sendo ligado fez eu me arrepiar e ser puxada com toda força para a realidade.
Encolhi minhas pernas, encostei a testa em meus joelhos e fechei os olhos me concentrando no barulho da água caindo, provavelmente em cima de ti e do teu corpo.
Você realmente estava ali e não era uma ilusão da minha cabeça, Taehyung.
Inspirei fundo, deitei a cabeça para trás e a deixei no assento do sofá. Encarei o teto por algum tempo, tentando manter meu coração em um ritmo mais tranquilo e menos desgovernado.
Talvez eu tenha sido um pouco ingênua quando supus que toda aquela bagunça só aconteceria quando tua pele estava a centímetros da minha, não é? Mesmo naquele momento em que estávamos a metros de distância, eu sentia tudo dentro de mim, tumultuado e fora do lugar, apenas por saber que você também estava por ali.
Me virei na direção da porta da varanda e apesar de todos os outros prédios ao redor serem em cores sem muita vida, me prendi aos tons bonitos da natureza viva lá de fora. A noite já dava olá e eu sabia que em algum lugar lá de cima, a Lua tomava conta do céu. Ela era a protagonista agora, mas será que eu, Catarina, conseguiria ser também? Será que eu seria capaz de conseguir refletir o que tu causava em mim, como a Lua refletia o Sol, Taehyung?
Queria eu, aprender um pouquinho a viver como aquele corpo celeste, porque sentia aqui dentro de mim, que ainda não sabia como fazer morada em meu próprio corpo.
Mas talvez aprender com a Lua fosse aprender comigo mesma.
Me atentei aos sons que vinham lá de fora e algo neles me atingiu. Duas vozes gritando e se atropelando em palavras que machucavam e doíam. Eram os vizinhos, lá na casa deles, discutindo a relação de novo. Sobre quanto um se doava mais do que o outro e sobre como era tudo tão diferente no começo.
Será que o Sol e a Lua também tinham aquelas discussões? Será que o Sol gritava para a Lua que ele se doava mais do que ela? Ou a Lua retrucava ao Sol que ele era exagerado e se achava demais, porque o mundo girava ao seu redor?
Será que entre eles era tudo tão perfeito desde a criação do Universo até os dias de hoje?
Antes que meus pensamentos seguissem a trilha das memórias e embarcassem em passados doídos, dei um gole no líquido vermelho que antes bailava dentro da taça. Me levantei e fechei a porta. Estava calor, eu sabia, mas não queria que a infelicidade externa entrasse e alcançasse nosso mundo ali dentro. Eu não podia permitir que algo de fora interrompesse e atrapalhasse a nossa paz interior.
Acendi a luminária de piso, que clareou a sala apenas o suficiente para que eu não tropeçasse nas coisas. Liguei o ar condicionado, deixando de lado o pensamento que as contas viriam mais caras por o ligar tão cedo.
Coloquei a taça no painel da TV e peguei meu celular colocando uma lista de músicas para tocar. Uma daquelas cheias de palavras bonitas e que me faziam sentir em casa. Aquela que você tanto me dizia gostar porque segundo você mesmo, te fazia aprender sobre mim em todas minhas fases.
Morada começou e o som do violão invadiu toda a sala me fazendo sorrir. Fechei meus olhos me permitindo ser embalada lentamente pela melodia enquanto me concentrava em minha própria respiração e nas batidas ainda calmas em meu peito. Fazia algum tempo que não dançava, talvez nem soubesse mais como o fazer, mas estava disposta a tentar.
Por mim, por você, por todos os astros lá de cima que demarcavam presença no telhado azul desse nosso mundo.
A medida em que o som fluía, era como se cada nota passeasse por meu corpo e acordasse meus membros delicadamente, um por um. Paradoxalmente, apesar de algum tempo sem me mover daquela forma, meus braços e pernas pareciam apenas se entregar a cada palavra cantada, enquanto eu pensava em todo aquele misto de sentimentos que você me causava, aliados a saudades de me sentir em meio à arte, à música e à dança.
Abri os olhos e com eles acompanhei minhas mãos, tentando me manter concentrada aos movimentos circulares que fazia com elas. A coreografia passou lentamente delas ao meu corpo por completo e respirei fundo, dessa vez mais ofegante, fechando os olhos novamente. A respiração entrecortada não era pelos movimentos em si, mas sim porque você e a lembrança de seus carinhos não me saíam da cabeça. Ali, mesmo de olhos fechados, era quase como se pudesse sentir sua pele quente contra a minha e seus lábios tocando os meus.
Me pus na ponta dos pés, e ao ouvir o toque do violão, caminhei de um lado para o outro, depois para frente e para trás. Girei o pescoço lentamente, deslizando as mãos por ele, descendo depois por meu colo e por meu ventre. Respirei fundo mais uma vez, meio absorta do que estava acontecendo.
Como você fazia aquilo apenas estando na mesma casa que eu? Como você deixava tudo tão real?
Aquilo só poderia ser coisa do vinho, não é?
Senti meu corpo arrepiar mais uma vez e depois ser tomado por aquela estranha sensação de que estava sendo observada. Sorri e abri os olhos, te encontrando encostado no batente da porta do banheiro. Os cabelos escuros molhados e bagunçados, a camiseta branca lisa que marcava levemente teu corpo com a calça bege combinando com ela.
Meu coração bateu forte quando você inclinou a cabeça para o lado e mordeu os lábios em um sorriso quente por si só.
Sorri de volta, meio sem jeito, quando notei que fui pega de surpresa. Não era como se já não tivesse feito aquilo antes sob o olhar de outra pessoa, mas ter você como observador era diferente.
Era com aqueles mesmos olhos que o Sol fitava a Lua?
— Você é bailarina? — você perguntou se aproximando. Me abraçou pela cintura e me puxou com calma para mais para perto de ti.
— Não sei. — respondi, e tu me olhou curioso, franzindo a testa. — Não sei se o que faço pode ser considerado balé — completei, também em dúvida, enquanto envolvia seu pescoço com meus braços.
— Sinto falta disso — você falou baixinho e aproximou o rosto, encostando levemente os lábios em minha orelha.
— Do que? — sussurrei de volta.
— De ser desconhecido, de ser surpresa e de tentarem me adivinhar — suspirou parecendo cansado. — Sinto falta de poder ser como a Lua e ter um lado visível e o outro não. Sempre pensam que já me conhecem antes mesmo de me cumprimentarem.
— O que as pessoas pensam de você, não é quem você é.
— Eu, Taehyung, sei disso. E confesso que me surpreendi quando vi que não era o único — me contou. — Você foi a primeira que não me olhou desse jeito, cheio de certezas. Tinha curiosidade nos seus olhos desde o começo, e ainda tem. Consigo ver as interrogações daqui — me explicou e me olhou de uma maneira tão profunda que me senti até envergonhada. De certa forma me senti quase exposta, parecia me perceber toda por dentro. Senti suas mãos uma em cada lado da minha cintura e você se afastou um pouquinho para me olhar — Gosto do benefício da dúvida.
— Então você não quer saber o que eu faço? — te observei balançar a cabeça, os lábios em um sorriso de lado. — Ok. Te permito o benefício da dúvida, então — sorri de volta.
Encarei-te por alguns segundos, e observei cada detalhezinho teu com cuidado. Sua pele começava a ganhar um bronzeado que eu sabia que faria seus staffs surtarem, mas que eu adorava mesmo assim, porque aquele tom parecia o deixar cada vez mais quente e próximo de Sépia.
Transitei meus olhos pelos seus castanhos escuros, emoldurados por teus cílios longos e bem desenhados, o nariz quase arrebitado, as maçãs do rosto definidas apenas o suficiente para que te dessem um ar quase angelical quando sorria.
Parei o trajeto em teus lábios. Teus lábios cheios e molhados que pareciam convidar os meus a se aproximarem e os tomarem para mim. Mais uma vez naquela noite, me coloquei na ponta dos pés, mas não para dançar. Percorri seu pescoço com minha boca e tomando coragem, a apertei contra a sua. Não sei se o meu dançar poderia ser chamado de balé, mas nossos lábios juntos, com toda certeza poderiam. Acariciei sua bochecha devagar, e me permiti algumas mordidinhas de leve neles. Passei as mãos por sua cintura e as subi por baixo de sua camiseta, arranhando suas costas de leve. No mesmo instante que arfei, senti você sorrir sobre meus lábios.
— Nina? — não respondi, ainda de olhos fechados, sentindo meu coração bater afobado e a cabeça girar. — Quanto de vinho você tomou? — não respondi de novo e você gargalhou, possivelmente com a careta que fiz. Abri os olhos e te vi franzir a testa enquanto me olhava tentando encontrar algum sinal de sobriedade.
— Eu não estou bêbada — foi a primeira coisa que me veio a mente ao ver o seu olhar de contestação. Depois mordi os lábios, vendo você ir até à bancada da cozinha pegando a garrafa e a analisando.
— Quantas taças? — perguntou.
— Não sei. Uma? — retruquei.
— Isso aqui não foi uma taça só, Nina. — retrucou também.
— Duas? — perguntei me aproximando. Te observei se servir do vinho e me sentei na bancada fria, ao lado de onde você descansou a garrafa. Você bebeu um pouco e se afastou para me olhar, uma das sobrancelhas arqueada de forma questionadora — Eu nunca fui boa em matemática, ok? — resmunguei desistindo, e você riu aquela risada que eu tanto amava. — Não costumo ficar bêbada tão rápido. Sei exatamente o que estou fazendo.
— Você parece estar mais alegrinha que o normal. — você falou. Tão baixinho que eu não sabia se era comigo ou se com você mesmo. Te observei ali, no meio da cozinha, a taça na mão, parado a minha frente e voltei a me questionar se aquilo não era só um sonho. Um daqueles que ao acordar fechamos novamente os olhos tentando voltar para lá. — Sonhando de olhos abertos, Nina? — me adivinhou. Você deu um passo na minha direção e senti minhas bochechas formigarem de nervoso.
Queria lhe dizer que aquele sonhar de olhos abertos estava sendo melhor que todos os momentos de olhos fechados que já tive em minha vida. Mas me contive.
Mais um passo teu e eu respirei fundo, sentindo o coração bater apressado. Você parou de frente para mim. Passei os olhos novamente por ti e apressada, me permiti te envolver com as pernas o puxando para mais perto, acabando com a distância entre nós.
— Não foi o vinho — lhe contei, sentindo seu corpo preso em mim.
— Foi o que então? — você me questionou, um tom meio malicioso e eu apenas dei de ombros como resposta. Você sabia muito bem o que era.
Era você.
E era eu.
E eram todos aqueles meus exageros.
— Não me olha assim — você pediu meio manhoso, bebendo mais um pouco do vinho. — Machado de Assis se inspirou em ti para descrever os olhos de Capitu? — sorri de lado e arqueei a sobrancelha ao ouvir a comparação. Eu que me achava tão genérica, me senti diferente e até especial ao ser dita como a mulher de olhos questionadores e envolventes.
Então você me achava profunda e inexplicável, assim como Machado registrou Capitu, Taehyung?
— Anda lendo Literatura Brasileira? — perguntei curiosa.
— Talvez não só lendo, como vivendo uma — deu um sorriso ladino enquanto devolvi um sorriso meio envergonhado.
— Sol de Astúrias. Olhos de cerol. Corta-me nos cílios teus — cantei baixinho, citando papi. Tirei a taça de sua mão e a encostei nos lábios devagar, bebendo o líquido escuro e o sentindo descer pela garganta. A descansei na bancada ao meu lado e encostei os lábios molhados nos seus, te surpreendendo. — Dança comigo?
Você concordou, o olhar preso ao meu, como se não conseguisse desviar para outro lugar. Senti o toque quente de uma de suas mãos passearem em minha coxa e enquanto as apertei mais em seu corpo, te abracei pelo pescoço encostando nossas testas. Em um movimento que pareceu coreografado, senti você me tirar da bancada me levando até a sala.
Enquanto me apoiava em seus ombros, desfiz os nós das minhas pernas ao redor da sua cintura, ao mesmo tempo, encostando a ponta e depois a sola dos pés por completo no chão. Antes de me virar, notei a curiosidade voltar a seu rosto em uma careta. Sorri sozinha indo em busca do celular.
— Definitivamente isso não foi um movimento de balé clássico.
— Pensei que não estivesse interessado em saber o que eu faço.
— Yoga? Pilates? Pole Dance? — te ouvi perguntar em algum lugar atrás de mim, ignorando e se contradizendo ao teu próprio comentário sobre preferir a dúvida. Ri e balancei a cabeça negativamente. — Uau, então eu não faço ideia.
Peguei o celular e digitei o nome em que você tinha me chamado a poucos minutos. Escutei a música invadir a sala e sorri comigo mesma, sentindo os cabelos da nuca arrepiarem. Era normal que certas músicas fizessem aquilo comigo, mas aliados a tua presença eu me sentia cada vez mais entregue a situação.
— Você aceitou dançar comigo. Se concentra nisso aqui, em nós, esquece o mundo lá fora — pedi. Me virei para você, te olhando, e você sorriu encantador. Pressionei os lábios antes de sorrir também e me deixar balançar com a melodia. Meu coração parecia bater no ritmo, e eu não sabia se o desespero que surgia em mim era pela batida excitante da música ou por seu olhar em mim enquanto eu movia os quadris lentamente. — Eu odiava ficar aqui, sabia? Nunca gostei de ficar em casa. — confessei.
— O que te fez mudar de ideia? — senti suas mãos em minha cintura enquanto meu corpo ainda se mantinha em uma dança.
— Eu. Você. Nós. — respondi.
— Por quê?
— Nós dois aqui, juntos, me fez querer mudar o meu conceito de casa. — sussurrei — Casa não é só paredes e teto. É abrigo do mundo caótico lá de fora. É lar. — expliquei.
— Nós que fazemos nosso próprio lar. Ou nossa Terra, como preferir chamar. — escutei você dizer — E é da Terra que vemos Sol e Lua se alinharem. — sorri e abri os olhos o observando. Um pouquinho emocionada ao ver que você fazia questão de encaixar os termos comuns dentro daqueles tão poéticos e confusos que eu insistia em acreditar.
— Deve ser por isso então que mudei de ideia quanto a esse lugar — subi as mãos dos seus pulsos, passando pelos braços, ombros e parando no pescoço. Você fechou os olhos e sorriu deixando claro que ficou meio afetado pelo meu toque. Senti suas mãos deslizarem sob a sua camisa que eu ainda usava e tu aproximou os lábios do meu ouvido.
— Minha Lua, me pede, me usa. Me sente em suas curvas. Nas curvas turvas da sua cor — sussurrou com a letra, naquele sotaque que teimava em aparecer sempre que você tentava arriscar um português. Ouvir você tendo interesse no idioma, me parecia nos aproximar mais ainda, não só fisicamente.
Quando senti seus lábios em meu pescoço, fazendo meu corpo se arrepiar mais uma vez, me afastei. Ao ouvir você resmungar algo que eu não entendi, mas que com toda certeza era um palavrão em coreano, ri. Fui até minha taça próxima à TV e tomei o restante do vinho que deixei ali. Fechei os olhos e voltei a me balançar com a música.
— Você saiu de algum sonho meu, Nina? — te ouvi resmungar depois de algum tempo, em algum lugar às minhas costas, e ri mais uma vez.
Caminhei até o sofá e me sentei no topo do encosto, os pés no assento. Tentei prender meus cabelos, mas eles escaparam logo depois e caíram sobre meu colo. Abri mão deles e os deixei como estavam.
— Tenho cara de sonho, Taehyung? — sorri de lado.
— Sim e não. Tem cara de Capitu.
— Olhar de cigana oblíqua e dissimulada? — te encarei ainda sorrindo. Você se aproximou e se ajoelhou no sofá, entre minhas pernas.
— Olhar de ressaca. — franzi a testa, esperando uma explicação além da que eu já conhecia da história, e enquanto você me fitava, explicou: — Seus olhos me atraem como o mar, mas tudo é tão instável e agitado que quando tento navegar neles, parece que vou me afogar de tão intensa que você é.
— E isso é bom? — sussurrei, quase preocupada.
— Pode ter certeza que sim, Nina.
— Acredito então, que alguém teve razão ao dizer que dentro de mim, correm águas. — citei seus argumentos.
— Eu não tenho dúvidas, Catarina — respondeu sorrindo bonito — E é olhando seus olhos que vejo que aí dentro você é toda oceano.
— E você sabe nadar? — te provoquei. Você assentiu.
— Mas eu nem me importo se acabar me afogando em você — falou me encarando por baixo de seus cílios longos.
Te fitei em silêncio e tu colocou meu cabelo para atrás da orelha. Ou pelo menos tentou, porque em parte ele escapou, me fazendo rir sem graça da rebeldia deles. Você acompanhou o meu rir de forma singela e te observei tentando, como lá naquela primeira vez que te vi, te fotografar dentro de mim. Com a ponta do indicador, tracei o caminho contrário que tua sobrancelha fazia, o deslizei pela curva bonita do teu nariz, e ainda descendo contornei um dos lados de sua boca entreaberta. O desci pelo queixo e depois pelo pescoço.
E de olhos fechados, tu sorriu. Bem do teu jeitinho bonito e puro que fazia eu me apaixonar pelas curvas do teu sorriso, toda vez.
Meus lábios foram tomados pelos teus. Te abracei pelo pescoço sentindo tuas mãos subirem por minhas costas, por baixo do tecido e o calor subir do estômago ao peito parecendo acompanhar o movimento. Meu corpo inteiro formigou e o senti ficar quase sonolento e anestesiado. Mordisquei seu lábio inferior e ao te ouvir gemer baixinho, pensei que iria me desfalecer ali mesmo em teus braços.
E mais uma vez, como quase todos os nossos momentos, eu não sabia quanto tempo tínhamos ficado ali. Meus olhos fechados mais você, resultavam na minha falta de noção espacial e temporal.
Entre suspiros fugitivos, toques quentes e consentidos, bocas que se confundiam e corações acelerados, um toque ecoou pela sala e você levou a mão no bolso das calças procurando o celular. Tu me olhou relutante e eu apenas balancei a cabeça dizendo para ver o que era. A encostei em seu ombro esperando você desbloquear a tela.
"Você tem um voo amanhã"
Era o que dizia o lembrete do calendário.
Era o mundo lá fora batendo à nossa porta.
Você guardou o celular rapidamente, provavelmente tentando fingir que aquela mensagem não significava nada. Mas eu sabia que significava.
Ela significava: "sei lá mais quanto tempo sem se ver."
Ficamos em total silêncio, quando até a playlist pareceu entender o recado e parou de tocar. Senti seu peito subir e descer devagar enquanto minha mente parecia passar de lar aconchegante a casa revirada.
Não era como se eu não soubesse que você partiria no dia seguinte, mas ler aquilo naquelas letras escuras em teu celular me fez sentir toda a situação de forma real e dolorida.
Assim que eram as coisas desde o dia que a solicitação de novo seguidor em minha conta do Instagram chegou. Aliadas a uma mensagem do remetente que não tinha foto de rosto, mas sim de uma paisagem em Sépia.
De quando tu perguntou se eu me lembrava de ti e eu fiquei desesperada de início pensando que era um golpe e que era alguém querendo roubar meus dados bancários.
Mas apenas até você citar Pedro Américo, Van Gogh e Tarsila, e eu ter certeza de que não era um truque, porque ninguém além de nós dois sabíamos sobre aquilo.
Ou depois que veio o primeiro pedido de vídeo chamada.
Ou a pergunta se eu poderia enviar meu endereço.
Ou a campainha tocando de madrugada e você parado ali, naquele corredor com ar de chegada, naquele prédio antigo que eu chamava de lar.
Você sempre vinha de surpresa e o tempo que levava para voltar fisicamente até mim era mais surpresa ainda.
Eu chegava a achar ridículo como doía mais ainda saber que não era opção sua ir embora. E de longe não era a minha também.
Era uma droga nossa história ser controlada por outro alguém.
— O amanhã sempre chega — resmunguei depois de um tempo, escondendo o rosto em teu ombro, e sentindo as águas em mim, avisarem com pouca educação, que iriam transbordar a qualquer momento. Você envolveu os braços ao meu redor e encostou os lábios em meus cabelos.
Ah, Catarina!
Queria eu, novamente, culpar o vinho, mas aquilo não era nada de novo quando se tratava da falta de controle que eu tinha das minhas próprias represas.
— Mas depois que o amanhã chega, ele se torna hoje — te ouvi falar e em resposta funguei, tentando controlar a arrebentação que chegava. — E você é meu hoje, Nina.
— Mas sua vida real é no amanhã, Tae. — e eu vou ficar no ontem, foi como eu queria terminar a frase, mas não terminei, porque doeria muito proferir aquilo em voz alta.
E então elas desceram, transbordando-me os olhos e escorrendo pelas bochechas.
Me senti envergonhada e tão óbvia.
Era tão mais fácil correr para casa e me trancar para chorar longe de tudo e todos. Porque as nossas separações, até agora, foram sempre da porta para fora, mas diferentemente, daquela vez, você estava ali dentro. Dentro do que eu chamava de lar, de porto seguro. Sendo o primeiro a compartilhar comigo e aquelas paredes o momento em que meus afluentes escapavam de mim.
De envergonhada passei a me sentir boba de ter lhe entregado as chaves da casa.
Por que sempre tão exagerada, Catarina?
Mais silêncio. Até você citar a letra de Capitu: — Eu sou o amanhã, você 'tá nos meus planos... anos — sussurrou com sotaque e tom encantador.
Em meio ao caos te olhei tentando acreditar que existiam associações a nós ali também. Ou talvez você apenas gostasse mesmo daquela parte e eu estivesse tentando ver significado onde, talvez, não tivesse.
Ah! Eu não negava que era um belo exemplar da minha espécie.
A humana.
— Faltam algumas horas para o Sol brilhar lá fora, mas o que seriam das minhas noites sem você nelas, Catarina? Me deixa apreciar mais um pouquinho da Lua me refletindo? Me deixa mergulhar mais um pouco em você? — perguntou me olhando, a voz quase desesperada.
O relógio digital ao lado da TV avançou mais um pouco no tempo.
Eu não era a única que pensava em amanhãs, pelo jeito.
Te fitei mais uma vez e senti algo tão bonito dentro de mim, que o rebuliço no meu estômago voltou. Balancei a cabeça sorrindo em meio a desordem. Porque era aquilo que você fazia em mim, Taehyung: bagunça.
Passei as costas das mãos pelas bochechas tentando as secar.
— Eu te perguntei se você sabia nadar... — resmunguei encarando o teto, meio rindo, meio chorando, meio me sentindo uma idiota.
— E eu sei — me respondeu sorrindo bonito, os dedos longos dançando entre meus cabelos.
— Mas eu não — retruquei sem jeito, achando graça de mim. — Eu mesma me afogo aqui dentro todo dia. Se você não souber nadar, não vou poder te socorrer.
— Não vou me afogar, porque vou com calma, Nina. Primeiro no raso e depois no profundo. Se ficar muito complicado eu volto para a costa e começo tudo de novo. Se ficar muito difícil mesmo, posso usar um barquinho também — falou segurando meu rosto delicadamente me fazendo rir em meio às lágrimas que insistiam em rolar. Concordei ainda sem coragem de te olhar nos olhos. — Vamos fechar a nossa porta? Nada lá de fora importa agora. — você me pediu e sem conseguir desviar, passei a encarar seus olhos. Funguei mais uma vez e aceitei o pedido enquanto você sorriu com a resposta. — Quero te mostrar uma coisa. — você desceu do sofá e foi até sua bolsa largada no canto da sala. Voltou e colocou o notebook no assento do sofá, se sentando no chão, de frente para ele.
— O que é? — perguntei ansiosa, escorregando do topo do encosto até o assento, e logo depois já estava sentada ao teu lado no chão.
— Sh, calma — encostou os lábios rapidamente nos meus e eu rolei os olhos, porque calma era a última coisa que eu tinha naquela vida. Você sorriu parecendo encontrar o que queria no meio de várias pastas do computador. — Ainda não foi lançado. Se você vazar isso, eu tenho que pagar uma multa horrorosa, então por favor, não o faça. — me pediu.
— Você pode mostrar isso para mim? — perguntei te encarando e você balançou a cabeça negativamente — Então, por quê? — você apenas sorriu como resposta, se levantou, me segurou pela mão e eu fiz o mesmo. Deu play na música e parou a minha frente, me olhando por algum tempo, ainda sorrindo.
Você, parecia tão bonito, com aquelas luzes quentes do abajur que tocavam sua pele e emanavam calor junto aos teus próprios tons.
Eu, parecia toda desgrenhada, com sua camisa mal fechada, cabelos teimosos e fungando o nariz.
Você se aproximou passando os braços ao redor do meu corpo devagar e me puxando de leve para perto de ti. Encostei a testa no teu peito e respirei fundo tentando me concentrar na letra. Você desceu com carinho uma das mãos do meu ombro e seguiu até meu pulso. Por fim entrelaçou os dedos aos meus, os levantando a altura de meu rosto.
Enquanto a música continuava, sentia meu corpo balançar junto ao seu, de um lado para o outro, como se estivessemos naqueles barquinhos que ficam amarrados na costa da praia, esperando apenas a oportunidade de alguém os soltar para navegar.
Talvez fosse aquilo que devêssemos fazer depois de entrar naquele barco, Taehyung.
Remar ou deixar as ondas nos levar.
— Feels like a river's rushing through my mind — te ouvi cantar com a música e sorri sozinha, contra seu peito.
— Parece que um rio está correndo pela minha mente? — perguntei, ainda sem te olhar. Te ouvi rir baixinho.
— Esse é o efeito, Catarina, em mim — respondeu, encostando o queixo no topo da minha cabeça. — My heart is pounding tonight, I wonder, if you are too good to be true. — continuou, e me rotacionou, me fazendo sorrir.
— Quando você compôs? — perguntei, já próxima a você novamente.
— Tem umas semanas.
— Então já tem um tempinho que você tem tentado me mergulhar? — me afastei para te fitar. Você sorriu, acho que um pouquinho envergonhado, pego de surpresa.
Eu já tinha te olhado muitas vezes naquela noite, Taehyung. Sei disso. Mas foi diferente daquela em que tinha como plano de fundo sua voz vinda lá do aparelho sobre o sofá. Que você me mostrou que eu tinha servido como inspiração para algo que você fez. Como protagonista.
Meu coração pareceu dançar dentro de mim, e arrisco dizer que meu estômago se ofereceu para ser seu par, já que fiquei mais enjoada ainda ao entender.
— Tae... — te chamei e você apenas me fitou, esperando que eu falasse. Respirei uma, duas, três vezes. Mas meus lábios decidiram parar de me obedecer. Eu sabia sentir, mas provavelmente, não sabia explicar.
Você sorriu, e eu notei que tu também entendia do que se tratava.
Não era por um precisar do outro para existir.
Porque a Lua não precisava do Sol para ser Lua e o Sol não precisava da Lua, para ser Sol.
O que deveria ser considerado ali, era o evento astronômico que eles poderiam fazer juntos em agradecimento à Terra por os deixar ter tanta influência sobre ela. Se tratava deles serem dois inteiros que se somavam para se dedicar àquele planeta.
Porque a Lua tinha seus efeitos sobre a Terra, assim como o Sol também tinha os seus, e enquanto eles não podiam se alinhar, cada um revezava suas horas para cuidar de uma parte daquele nosso céu.
— Sei como é — você me confirmou —, também me sinto assim e não sei como colocar em palavras toda essa força cósmica entre nós dois. — ri fraquinho e senti você colocar uma das mãos nas minhas costas, se afastando um pouquinho para me olhar. — Você já olhou alguma vez para o céu durante o dia e viu a Lua? — não precisei pensar muito, antes de assentir para você. Ela podia não ser o foco durante o dia, mas ela ainda estava lá, se fazendo presente, mas respeitando o espaço da estrela daquelas horas. Do mesmo jeito que o Sol continuava lá na parte da noite, a observando com um sorriso discreto quando ela era a protagonista da vez. — Eu acho que ela e o Sol ficam lá em cima, de um lado para o outro, se admirando de longe, esperando pelo próximo momento deles.
— Momentos esses que parecem levar uma eternidade para acontecer. — a hipérbole ambulante, vulgo eu, Catarina, respondeu.
— Eles demoram, mas acontecem, Nina. Quando estamos confusos e desorientados demais aqui embaixo, quando menos esperamos. Simplesmente o Universo o faz acontecer — respirou fundo ao dizer. — Tenho pensado por esses dias e acho que esse é o encontro mais bonito que pode acontecer entre dois corpos.
— Corpos celestes? — perguntei, e você deu de ombros sorrindo. Depois encostou os lábios em minha testa.
Envolvi seu corpo com meus braços, e sorri também, porque entendi o que você quis dizer.
— Obrigado por estar sempre presente no meu céu e por me acompanhar nessa dança, Nina.
Obrigada por me sorrir um pouquinho da tua luz e me ajudar a lembrar que eu também tenho influências poderosas por aqui, Taehyung.
#144270
notas
Capitu, Maria Capitolina Santiago, do livro Dom Casmurro, é a personagem mais famosa do escritor brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis. Não a personagem em si, mas em um determinado momento escrevendo aqui percebi que a intensidade da Nina me lembra um pouco a Capitu, por isso a referência. O que mais me encanta, na verdade, é a narração e a maneira que Machado constrói o universo desse conto e eu precisava demais registrar isso aqui também. Dom Casmurro não foi o livro que me apresentou a escrita dele (meu primeiro contato na verdade foi no ensino médio, e com outro conto), mas arrisco dizer que ele é o que eu mais gosto, graças a todo o famoso "mistério" que ronda a história até hoje. (Amo o fato de ser um livro de 1899 e ainda ter debates sobre ele).
Voltando a Sépia, queria compartilhar mais um pouquinho sobre porque o Sweet Night se tornou tão especial para mim:
A principio seriam apenas três partes, Mar, Lua e Sol. Porém, vários fatores me fizeram repensar um pouco isso. Entre eles o andar e o caminho da história e a situação atual em que estamos vivendo. Não sei se terá o mesmo significado em outro momento, mas quis colocar um pouco essa questão de casa aqui. No fim ficou um misto entre casa física, casa abrigo, casa morada, casa lar e casa planeta, que nos permite o habitar, Terra. E eu não sei se isso ficou claro, mas queria também que existisse a sensação de que a Sépia, especificamente o Sweet Night, tivesse esse ar de refúgio durante a sua leitura.
Não é nada do tipo querer esquecer ou romantizar o que ta acontecendo, mas foi uma forma de colocar um pouco para fora a bagunça que eu me tornei durante essa situação (aliadas a outras bagunças que tem acontecido por aqui dentro de mim) e me dar um pouco de acalento, não sei. Foi o que eu senti escrevendo e apesar de saber que cada um recebe a leitura de uma maneira, queria que chegasse desse jeitinho aí em vocês.
Eu queria registrar também que eu estou muito surpresa, mas não menos feliz, com o quanto Sépia cresceu. Eu sei que sempre digo isso, mas é que é bonito demais ver o quanto de amor circunda esse livro. Em todos os sentidos, sabe? Eu leio os comentários aqui e nossa, tudo o que eu consigo sentir é amor. Sou muito grata por isso, tenham em mente ♥
Fiquem a vontade para voltar ao Sweet Night sempre que precisarem de abrigo e de refúgio.
As chaves do apartamento da Nina e do Tae estão a disposição sempre que precisarem de um cantinho para se acalmar do caos lá de fora.
Se cuidem e fiquem em casa.
Abraços, Polly ♥
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