• enchanted • II
II
Sentada na cafeteria perto do museu mais uma vez naquela semana e fazendo hora para caminhar até a estação das barcas para enfim terminar aquele dia, reli o parágrafo do livro. Com uma caligrafia feita por uma mão já cansada de tanto escrever, fiz a anotação na folha do caderno ao lado dele.
Respirei fundo, já com a cabeça começando a doer. Depois olhei pela janela de vidro, observando as construções do século XIX, misturadas as atuais, do lado de fora. Pessoas viventes deste século, caminhando de um lado ao outro, sem sequer saber sobre o tanto de narrativas que as cercavam. Era estranho pensar que com apenas um sopro milhares de vidas viram apenas histórias e a maioria dos que vem depois, parece não se importar mais com elas.
— Catarina, não é? — levantei o olhar, sendo retirada dos meus devaneios. Suspendi as sobrancelhas, realmente surpresa ao te ver, mas principalmente por você saber meu nome. — É? — insistiu.
— Hm. Sim. — tentei não parecer tão esquisita, mas acho que não obtive sucesso, pelo riso que surgiu em seu rosto.
— Tudo bem se dividirmos a mesa mais uma vez?
Fiquei mais surpresa ainda com o comentário, mas não me atrevi a olhar ao redor para ver se realmente as outras mesas estavam ocupadas. Assenti e te observei descansar um copo descartável assim como o meu, também sobre a mesa, e se sentar na cadeira a frente da minha. Você olhou pelo vidro em que eu olhava há poucos minutos antes.
— Precisa de ajuda com algo da faculdade? — Você desviou o olhar para mim mais uma vez e balançou a cabeça de um lado para o outro, negando. — Então...
— Eu sempre passo aqui quando venho ao centro. Não sabia que iria te encontrar. — Arqueei uma das sobrancelhas, sem conseguir disfarçar. Te vi ajeitar os óculos e sorrir sem graça. — Eu não te segui, Catarina.
— Eu não disse que seguiu. — retruquei, risonha. Você sorriu de lado e fitou a janela mais uma vez.
— Não é louco pensar que algumas das pessoas que estão nas pinturas e nas fotografias dos Museus que nós estudamos, um dia andaram por essas ruas, assim como nós?
Fitei a janela, assim como você, me perguntando se você tinha o dom de ler mentes. Observei que os transeuntes continuavam andando de um lado para o outro, atravessando as ruas, entrando e saindo dos prédios, correndo atrás de ônibus e táxis para todos os lugares da cidade e ignorando por completo tudo em sua volta.
Era um tanto melancólico.
— Um dia todos viram apenas histórias. É inevitável. — sussurrei.
— Um dia nós também seremos histórias, assim como eles. Só me pergunto o que faz alguém se interessar em as conhecer. — te ouvi sussurrar de volta.
Te encarei, mas você ainda olhava para o lado de fora, parecendo meio perdido. Ou talvez estivesse, na verdade, se encontrando em seus pensamentos. Fitei meu caderno e batuquei a caneta em sua superfície, sem saber o que responder. Eu realmente não tinha aquela resposta.
— Quando você saiu da biblioteca, a Rita, minha professora neste período, comentou que você foi aluna dela. — o olhei novamente e desta vez, você me encarava. Assenti, sem precisar pensar muito para me recordar de quem ele dizia. — Tem muito tempo?
— Acho que quase 4 anos. Esse é o meu último semestre.
— História da Arte? — assenti mais uma vez. — Uau. Você é minha veterana, então. O que explica que toda vez que te encontro você está cheia de livros e escrevendo sem parar. É o famoso e temido TCC, não é?
Ri, e assenti.
— Não achei que iria se lembrar — deixei escapar, me recordando do rápido contato que tivemos há algumas semanas.
Você me fitou por alguns segundos.
— É difícil não se lembrar de você, Catarina.
Apertei os lábios, pega desprevenida e, sem conseguir pensar direito, voltei a olhar pela janela. Senti meu rosto esquentar como nunca e eu me arrependi completamente de ter aberto a boca.
Meu Deus, Catarina.
— A propósito, seu nome tem algo a ver com alguma Catarina da história? Catarina de Aragão? Catarina de Médici? Catarina, A Grande? — Ri, e balancei a cabeça negando.
— Estou longe de ser parecida com alguma delas. Principalmente, a terceira. Acho que estou muito mais para Catarina, a Pequena. — você riu, achando graça da minha piada péssima. Na minha cabeça pareceu engraçado, mas confesso que ao me ouvir falar em voz alta, me senti patética.
— Então teremos uma Catarina inédita na história das Artes? — Neguei mais uma vez, ainda achando graça, você bebericou sua bebida antes de voltar a falar. — Pequena me lembra, pequenina. Ou, melhor, só... Nina.
— Nina? — franzi as sobrancelhas, o fitando.
Ninguém tinha me chamado assim antes. Se não me tratassem só pelo meu nome, eu era sempre a Ca ou a Cat. Então ali, ao invés de ser Catarina, apenas para você eu seria, Nina.
— Isso. E um dia, assim como as outras Catarinas, você também vai ser história, Nina. Daquelas que todo mundo vai querer parar para ouvir e que depois, sempre irão se lembrar.
— Eu não teria tanta certeza assim. — fiz careta.
Você sorriu e deu de ombros, uma expressão que indicava que discordava de mim.
— E por que não?
— Acho que eu não sei se quero que tanta gente assim se interesse pela minha história.
— Mas, tudo bem se eu estiver interessado em saber mais sobre ela?
Levantei o olhar do meu copo descartável e te encarei, também não esperando aquilo. Você me olhava de volta com o semblante de quem esperava uma resposta. Sem conseguir desviar os olhos dos seus, fiquei presa naquele instante, com a mente vagando em direções opostas para tentar entender o que havia sido aquele comentário.
Ainda sem entender completamente, apertei os lábios e envergonhada, assenti. Você assentiu também, uma única vez, e sorriu, olhando a janela mais uma vez naquela tarde.
O que aconteceu ali?
Olhei para a janela também, mas só para me arrepender. Ao ver a aglomeração de pessoas que atravessavam a rua e andavam a passos largos pela praça, seguindo em direção a estação das barcas, soube que já passava da minha hora de ir.
Eu gostaria de ficar mais tempo, mas infelizmente precisava ir embora.
— Tudo bem? — ouvi você perguntar, e percebi fazer mais uma careta naquela tarde.
— Eu preciso ir agora.
Você abriu a boca, surpreso, mas assentiu, compreendendo. Juntei minhas coisas, as jogando com pressa na mochila e me levantei, segurando o copo vazio, para o jogar na lixeira. De pé, parei te encarando e você me olhou também.
Eu era péssima com despedidas.
Você sorriu de canto.
— Foi um prazer te conhecer, Catarina.
Sorri de volta, sem jeito demais para responder qualquer coisa. Olhei pela janela e mais uma multidão atravessava a praça, o que indicava que a área de espera deveria estar mais lotada ainda.
Após deixar meu copo em uma lixeira próxima dali, lhe dei um tchau atrapalhado, que ainda resultou em mais uma risada sua.
Andei a passos apressados até a saída, e já estava na metade dos degraus quando parei de os descer. Fitei o lado de fora da cafeteria, para a rua agitada, e dei meia volta, subindo as escadas novamente.
Quando dei por mim, estava a frente da mesa em que minutos antes eu também ocupava, e te vi se esticar em direção da janela, mordendo os lábios inferiores, parecendo procurar algum rosto em meio a multidão. Aproximei-me mais um pouco e parei, a respiração ainda meio estranha. Foi quando você me olhou, parecendo confuso.
— Desculpa, mas eu não sei o seu nome. — falei meio ofegante, me sentindo a pessoa mais esquisita do planeta por não ter me tocado daquilo, antes. Você sorriu, parecendo achar graça.
— Taehyung — respondeu. Do pouco que eu entendia, arrisquei que você pudesse ser descendente ou imigrante. Mas você não tinha sotaque de fora do país.
Eu assenti, sorrindo também.
Mordi os lábios e acenei discretamente para você, voltando logo a correr para fora da cafeteria. Após atravessar a rua, me virei em direção a construção e em pouco tempo de procura te encontrei, me encarando com um sorriso bonito. Sorri envergonhada, enquanto me virava e voltava a correr até a estação.
Se estaríamos entre os quadros de algum daqueles museus eu não sei, mas eu queria acreditar, que algum dia, nós também seríamos uma das histórias que aconteceram ali.
E principalmente, que você tivesse entendido que eu também estava encantada em te conhecer, Taehyung.
#ffcbdb
notas
Oi ♥
Hoje as notas são um pouquinhos diferentes do que costumam ser. Não sei posso chamar de desabafo ou explicação, sei lá, mas acho que deveria registrar aqui.
Eu escrevo fanfics desde os meus 11 anos (hoje eu tenho 23). Já li muitas e muitas histórias, conheci várias e várias pessoas durante esse tempo, de diversos fandoms, e a maioria delas hoje nem escrevem mais. Isso era algo que sempre corre pelos meus pensamentos me fazendo refletir se algum dia isso aconteceria comigo também e toda vez que isso acontece me dá uma dorzinha no peito porque não, eu não pretendo fazer isso tão cedo.
Mas a situação é que, lá no comecinho, eu escrevia por diversão, por me sentir bem fazendo isso e só. E nos últimos dias tenho reparado que eu tenho me tornado muito, MUITO, autocrítica com o que eu ando escrevendo e que isso tem quase me bloqueado. Comecei a me perguntar se isso de não conseguir mais escrever estava acontecendo comigo também, porque tenho passado mais tempo procurando erros do que me sentindo feliz de ter transformado os sentimentos em palavras e, poxa, não era para ser assim.
"Enchanted" a princípio seria um conto único. Depois 3 partes. Depois 2. Depois voltou a ser uma parte única. E agora eu entendi que, por ora, ele terá 2. Eu estava em uma linha tênue entre revisar o que estava pronto e ficar por semanas escrevendo e reescrevendo, alterando coisas, me questionando se eu não estava esticando muito a história, se ela não estava curta demais, se as coisas faziam sentido, se estava bom o suficiente.
Bom o suficiente... isso sempre vinha a mente e eu me perguntei o que era esse "suficiente" que eu estava procurando, mas ainda sigo sem saber o que é.
Eu parei, respirei, e me perguntei o que escrever significava para mim. Que não tem nada de ruim em querer se dedicar à algo que ama e dar o seu melhor, mas percebi também que esse não era o único motivo da sépia existir.
A sépia é o que eu sinto. O que eu sou. O que eu acredito e a maneira que eu enxergo o mundo. E nem sempre essas coisas precisam fazer sentido e ser perfeitas e sem erros.
Eu ainda estou em um processo de parar de me cobrar tanto e respeitar o meu tempo. De me reconhecer como escritora e como pessoa. E sei lá, achei importante colocar isso aqui porque acho que o mundo em que vivemos nos cobra o tempo todo de que temos que ser os melhores ou os melhores, que devemos atingir um nível de perfeição que nem sempre entendemos o porquê buscamos tanto por ele. Como diria os meninos em Paradise, "Você não precisa correr sem saber a razão (...) Todas as linguagens que compõem você, já estão no paraíso".
Assim como a Nina, também queria deixar registrado aqui o quanto fico encantada por um dia ter conhecido o Tae e tudo o que ele representa, porque é graças a isso que hoje a sépia existe e eu consigo pensar com mais carinho em coisas que ficaram guardadas aqui por tanto tempo.
Espero que se mais alguém tenha se sentido assim alguma vez, que respire fundo e que se olhe e olhe para suas conquistas com um pouquinho mais de carinho também.
"Seja grande ou pequeno, você é você no final".
Abraços coloridos,
Polly ♥
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