Capítulo único: Saudade por Clarice Lispector
Oi, oi, oi, gente!!! Tudo bem?
Essa fanfic é um pedido que recebi através das comissões que eu abri pra incentivar o #BlackLivesMatter! Vou deixar no comentário desse parágrafo o post no twitter para que você possa entender melhor se tiver interesse, mas de uma forma geral, se você fizer uma doação eu escrevo uma fanfic para você!
Na verdade, essa foi minha primeiríssima comissão, mas a que eu mais demorei pra escrever hsuahsauhsau muito obrigada por ter pedido e pela paciência, minha neném linda 2jsoul13. Muito obrigada por estar ao meu lado e me apoiar nesses últimos três anos, eu te amo muito e espero muito que goste da fanfic!
Alguns avisinhos: eu estudei muito sobre computação e sobre psicologia pra não falar muita merda nessa fanfic, mas mesmo assim eu não sou de nenhuma das áreas e para algumas coisas eu utilizei opiniões de quem é, então não tomem como verdade também, tá? <3 Mas acho que são debates/opiniões válidas então coloquei aqui. E a descrição da Universidade deles eu usei a minha de inspiração dhsajldhskaj imagino que em Seul as coisas não sejam do mesmo jeito.
Enfim, boa leitura!
⇢🧠⇠
AH, NÃO, EU VOU CHORAR. Digitou Jungkook ao sentir seus olhos arderem depois de ler o beijo dos SasuNaru. Logo as lágrimas se acumularam demais e começaram a escorrer quentes pelas bochechas. MERDA, JÁ CHOREI.
AI, ASSIM EU CHORO JUNTO. O user do @chimluvsasunaru, autor da fanfic, pipocou logo abaixo do seu momentos depois. Jungkook nem sabia como surtar direito com o autor respondendo ele daquele jeito. Queria surtar de amor porque puta que pariu o beijo! Tinha esperado tanto pelo beijo! Mas também queria surtar como sempre fazia ao ser respondido por ele, completamente fanboy.
Não que o Chim — como chamavam o autor — não respondesse muitos comentários, na verdade ele respondia todos e isso só fazia Jungkook o admirar mais ainda. Parecia sobrehumano alguém escrever tão bem, atualizar tantas vezes e, ainda por cima, responder todos os comentários. E ele nem tinha pouco leitor... Imagina o tempo que ele não passava se dedicando... Era incrível, um amorzinho e um ícone.
Talvez o estudante de psicologia tivesse um crush real no autor de fanfics, mas fazer o que se as palavras bonitas e bem colocadas lhe tocavam profundamente? E Jungkook amava clichês, ainda mais bem escritos daquele jeito. Jungkook na verdade gostava de tudo que Chim escrevia, sem faltar nem uma oneshotzinha sequer.
Mas algo tinha começado a incomodar Jungkook naquilo tudo, há exatamente três meses acompanhando as atualizações do autor... Era meio estranho o nível de atividade dele na plataforma de escrever fanfics, até mesmo de escrita, ele escrevia muito mesmo. Querendo ou não, planejar, escrever, revisar, postar e responder comentários era algo que tomava tempo, muito tempo, e ele parecia gastar mais tempo com aquilo do que uma pessoa normal deveria ter.
Jungkook tinha traçado algumas teorias para explicar o nível de dedicação de Chim às suas fanfics, mas todas elas eram terrivelmente tristes e as que não eram tristes eram incongruentes. Por exemplo, refletiu se era o trabalho dele, mas não cobrava por nenhuma das fanfics nem vendia nenhum produto relacionado a elas. Se fosse sua forma de sustento, passaria fome.
Pensou que talvez Chim fosse rico e, dessa forma, pudesse se dedicar à plataforma sem precisar se preocupar com questões financeiras, mas mesmo assim... Será que ele se sentia realizado em viver de algo que, teoricamente, não lhe dava nada?
Jungkook não queria pensar tanto sobre isso, mas ia dormir agoniado e acordava da mesma forma, tudo aquilo o deixava tão nervoso que nem as respostas que recebia aos seus comentários lhe deixavam feliz, apenas mais preocupado. Queria ser o herói de cavalo branco de Chim, sorte que ele fazia psicologia, poderia até encaminhar o menino com facilidade para uma terapia com um preço mais acessível...
Por fim, tomou coragem pra chamar seu crush pelas mensagens diretas do Wattpad, refletindo se ele lhe daria bola. Digitou e apagou muitas vezes seu textão, nervoso e preocupado se estava sendo muito invasivo. Deus, não imaginava que seria tão difícil mandar mensagens assim e olha que literalmente trabalhava com isso.
Eu [13:51]
Boa tarde, Chim! Almoçou bem? Não sei se é muito estranho enviar um textão desse jeito, me desculpe qualquer coisa, tá?
Meu nome é Jungkook! Sou muito seu fã, leio tudinho que você escreve e muito obrigado por alegrar meus dias com suas obras!
Tenho reparado que você passa bastante tempo no Wattpad, queria dicas de como você faz para equilibrar ele com sua vida pessoal! Tô precisando kkkk
Se você precisar de ajuda ou alguém pra conversar, me encontro à disposição, tá?
Beijos do seu fã, Jungkook!
Enviou a mensagem já se arrependendo de tê-lo feito e deu um pulo de susto quando recebeu um retorno exatamente no mesmo segundo. Que merda era aquela? Como Chim sequer teve tempo de ler e escrever uma resposta em tão pouco tempo? Jungkook ficou assustado, tremendo de nervoso com o retorno tão rápido. Pra aquela velocidade toda, com certeza seria algo tipo um emoji de joinha bem passivo agressivo estilo "Cuida da tua própria vida, otário". Não conseguia acreditar que o autor favorito lhe odiava.
Chim [13:51]
O banco de dados não tem informação o suficiente para processar sua mensagem. Quaisquer dúvidas, feedbacks ou recados importantes, contate o desenvolvedor.
Att,
Park Jimin, laboratório NeuralWorks. Departamento de Ciência da Computação da Universidade Nacional de Seul.
Jungkook não saberia dizer quantas vezes passou os olhos pela mensagem, sem entender o que estava acontecendo. Leu e releu, leu e releu, em choque, tantas vezes que a tela até mesmo apagava e tinha que desbloqueá-la novamente com os dedos nervosos. Não compreendia. Por fim, só focou em uma coisa: Park Jimin, teria que encontrar o desgracento maldito e pedir explicações sobre tudo aquilo e a única sorte que tinha era serem da mesma Universidade.
Passou o dia inteiro puto porque já tinha voltado pra casa; especialmente naquele dia tinha combinado com a mãe de que ia pelo menos almoçar com a família, se não ele arrombaria o Departamento de Ciência da Computação naquele exato momento, não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas mesmo assim já achava errado. Passou o dia revoltado, trabalhou revoltado e foi até mesmo dormir revoltado.
Mas a ideia de derrubar o DCC parecia mais fácil na sua imaginação do que na realidade. Quando viu o prédio alto, branco, cheio de janelas e com cheiro de riqueza sentiu-se amarelar, doido de vontade de voltar ao seu humilde prédio escuro e caindo aos pedaços, morada dos alunos de humanas. Respirou fundo antes de passar a sua carteirinha de estudante pelas catracas, sentindo que não pertencia ali apesar de obviamente ter acesso à toda Universidade.
Refletiu que aquele era um péssimo dia para usar o moletom de seu curso, pois muitos alunos dentro do tal prédio de computação o encaravam com curiosidade. Jungkook sentiu-se paranoico com os olhares, mas de fato nem era de desprezo nem nada, era mais porque os alunos de lá não costumavam ver ninguém de cursos diferentes. Não era que nem o prédio do Departamento de Ciências Exatas que tinha uma galera da engenharia, da física e da matemática misturados também, ou o até mesmo o prédio das Ciências Geológicas que às vezes invadiam antes da construção do prédio do DCC porque não tinham salas o suficiente para ter aulas. No prédio branco era exclusivo dos esquisitos de computação.
Jungkook andou encolhido até a moça que cuidava da portaria, perguntando onde ficava o tal de "NeuralWorks". A mulher explicou tranquilamente, talvez um pouco entediada, como deveria chegar lá e o estudante de psicologia agradeceu antes de dirigir-se ao elevador.
Talvez pegar o elevador tenha sido a experiência mais assustadora de toda sua excursão ao DCC, por exatos três motivos:
Não parecia que ele ia cair;
Todos os botões pareciam funcionar e, além disso, acendiam luzes;
Ele não tinha uma pichação sequer. Jungkook nunca tinha visto um elevador sem um desenho de rola na vida.
Ficou tão impressionado — e revoltado pela diferença de investimento entre os departamentos — que quase esqueceu de apertar o andar certo, pegando a deixa só quando um outro cara entrou no elevador e apertou seu andar. Falando em caras, não tinha visto nenhuma mulher além da porteira no prédio... Outra coisa bem diferente.
Interrompeu seu caminho até o tal laboratório quando viu uma placa indicando os banheiros e resolveu checar se aqueles malditos tinham papel higiênico e sabonete também, o auge do privilégio universitário. Mas a porta não abriu, tentou abaixar a maçaneta e forçar a porta com jeitinho, refletindo que ela poderia estar emperrada e enferrujada como as de seu prédio, mas, aparentemente, só estava trancada mesmo.
Jungkook não acreditou que a segregação existia até no banheiro e, decepcionado, voltou ao seu objetivo inicial. Incrível como o pobre não pode nem mijar em lugar de rico, já não gostava daquele lugar.
Não gostava só por causa da diferença de infraestrutura comparado ao próprio prédio, claro, porque a verdade era que o local era bonito. O chão branco parecia extremamente limpo, as placas indicando em quais corredores estavam as salas e sua numeração faziam sentido, as passarelas eram bem iluminadas pelo sol e umas plantas bonitas com cara de bem cuidadas davam vida ao ambiente com seu verde vistoso.
Soube que chegou ao centro do prédio porque um guarda corpos contornavam um dos lados dos corredores, permitindo que se enxergasse um pátio arborizado no térreo e o céu azul acima. Formava meio que um quadrado rodeado com vários andares de portas com janelas de vidro acompanhadas de plaquinhas metálicas indicando o nome das salas.
Contornou a área, procurando atento a sala que deveria ser a tal "NeuralWorks" e assustou-se quando encontrou com facilidade, era a terceira porta a partir de onde tinha vindo. Pela janelinha da porta, podia ver um garoto de cabelos castanhos digitando algo em um computador, parecendo concentrado, e Jungkook se arrependeu de ter ido até o local.
Ficou um tempo parado na frente da porta, sem coragem de bater e atrapalhar o que é que estivesse acontecendo lá dentro. Afastou-se, indo pegar ar olhando a árvore grande no meio do pátio escorado no guarda corpos, xingando-se por ter deixado sua revolta ser engolida pelo medo.
E ficou lá, andando em círculos na frente do tal laboratório, completamente perdido. Tomou um susto ao ser pego no flagra quando um outro cara apareceu no tal corredor, os cabelos completamente negros, óculos de aros grandes e um copo de café entre os dedos pequenos.
— Tá precisando falar com alguém? — O recém chegado observou a forma tímida que Jungkook ficava olhando pela janela da porta. Ficou curioso, refletindo se alguém do seu laboratório estava desenvolvendo um projeto junto com o Departamento de Psicologia.
— Ah... Na verdade não, mas sim... — Jungkook embolou nas próprias palavras, querendo morrer. Cadê toda a sua revolta de fanfiqueiro para lhe ajudar naquele momento?
— Quem é? Eu posso chamar ou pelo menos dizer o turno que em geral aparece — o de cabelos negros sugeriu educadamente, dando um gole em seu café. — A gente tem um quadro de horários na parede.
— Ah... — Jungkook precisou até tirar o celular do bolso de canguru para ver a mensagem que tinha recebido do Chim no Wattpad, deu um branco nele de tanta vergonha e não lembrava mais o nome que tanto xingou. — Eu... E-Eu tô procurando o Park Jimin.
— Ah, é? — O de cabelos negros levantou uma das sobrancelhas. — Pode mandar bala então, Park Jimin sou eu.
— Então você é o desgraçado lazarento filho da puta arrombado? — O estudante de psicologia pareceu subitamente livre de sua timidez ao descobrir que aquele era o causador de tudo. Jimin teria até tomado um susto se não estivesse tão cansado e com tanto sono, então apenas bebericou mais o café pra ver se recuperava suas reações.
— O que eu fiz? — perguntou, tombando a cabeça com tranquilidade, sem ligar pro surto do outro.
— Não sei direito ainda também, calma — Jungkook pareceu se recuperar e desbloqueou novamente o celular, virando a tela na direção de Jimin, que apertou os olhos já pequenos através do óculos para tentar ler o conteúdo.
— Você tá chateado porque o Chim não te respondeu? — perguntou após alguns segundos, tentando entender.
— O Chim ao menos existe? Que mensagem foi essa?
— É uma mensagem de erro, ué... O Chim é uma Inteligência Artificial que codei para um projeto de Machine Learning do lab — Jimin respondeu, ainda confuso com toda a revolta do cara à sua frente.
— O Chim é... Uma inteligência artificial!? Quer dizer que ele não é uma pessoa!?
— Isso... — Jimin tomou triste o último gole de seu café, já querendo mais.
— Mas isso é um absurdo! — Jungkook elevou a voz e Jimin ergueu as sobrancelhas novamente, não entendendo o barraco todo. — Como você ousa fazer uma coisa dessas? Acha mesmo que pode brincar assim com literatura e com seus leitores?
— Ei, é só fanfic, fica calmo, cara — Jimin torceu o nariz com os questionamentos idiotas e começou a caminhar pelo corredor na direção de um banco que tinha perto. — Eu tô cansado, vou me sentar.
Jungkook, sem ter o que fazer, seguiu o de óculos, tentando não desfazer sua pose de bravo. Foi difícil, principalmente na parte que resolveu sentar-se também quando percebeu que ficaria estranho ele gritando em pé pra um Jimin sentado relaxadamente e de braços cruzados no banco.
— Não é só fanfic! Palavras passam sentimentos e você simplesmente banalizou elas!
— Onde que eu banalizei?
— Banalizou criando uma farsa! Onde se mente criando um autor que na verdade é uma Inteligência Artificial?
— Mas não tem nenhuma mentira nisso — Jimin suspirou profundamente, um pouco de saco cheio da militância completamente sem sentido do outro. — Na bio do perfil do Chim tá lá "Perfil de IA", você não leu?
— Ah... — Jungkook engoliu em seco, porque tinha lido sim, mas achou que era uma sigla aleatória de escritor, sei lá. Algo como "Perfil de Inspirado no Amor", ou qualquer coisa do tipo. Não esperava que fosse uma inteligência artificial. Como aquilo soava idiota da sua parte, ficou quieto. — Li, mas ainda acho errado...
— Errado por quê? Porque você quer, né? — retrucou Jimin, começando a ficar irritado. — Em nenhum momento o perfil esconde que é uma Inteligência Artificial. E o que tem de errado nas histórias? Que eu saiba, elas são histórias de conforto pra muita gente, que gosta de relaxar lendo um clichê.
Jungkook engoliu em seco, porque era exatamente seu caso. Gostava de ler clichês previsíveis e melosos porque acalmavam seu coração e não o sobrecarregava demais no meio de tanta coisa que tinha que lidar por causa de seu curso.
— Eu acho uma banalização do processo de escrita colocar uma máquina para escrever, não tem sentimento nisso — devolveu depois de pensar por alguns minutos.
— De fato, não tem muito sentimento envolvido. Por isso que o Chim escreve clichês previsíveis. Como uma inteligência artificial, ele não cria nada de fato, apenas reconhece padrões e consegue replicá-los de uma forma coerente.
— Você tá menosprezando os sentimentos de quem lê!
— Claro que não, larga desse sentimentalismo barato. Se alguém consegue sentir algo lendo as histórias do Chim, mesmo ele sendo uma IA, é porque a própria pessoa projetou seus sentimentos naquilo. Você tá assim porque gostava das fanfics do Chim, não é? Vai ler algum livro de verdade em vez de fic SasuNaru na internet se tá achando tão ruim assim — levantou-se do banco impaciente, encerrando o assunto porque era completamente infrutífero. — Só me deixa trabalhar em paz, não tô prejudicando ninguém com essa porra.
Jimin entrou em seu laboratório e Jungkook, com o ego ferido, foi direto para a Biblioteca Central pegar "livros de verdade" a fim de mostrar que, ao contrário de Jimin, ele sabia sim de literatura, pra caralho. Onde já se viu um nerd de computação daquele jeito, achando que podia opinar sobre coisas subjetivas?
Jungkook voltou ao laboratório dia seguinte, exatamente no mesmo horário com a expectativa de Jimin estar lá. Olhou através da janelinha de vidro que permitia ver o interior do laboratório e sorriu quando enxergou a cabeleira negra e os óculos grandes familiares.
— Você acha que é quem pra entrar aqui desse jeito? — Jimin perguntou, rude, quando Jungkook simplesmente invadiu o ambiente e sentou ao seu lado. Sinceramente, ele já estava puto com o estudante de psicologia.
— Sou um aluno da Universidade Nacional de Seul, assim como você. Nada nos difere aqui dentro — retrucou enquanto folheava o livro em suas mãos.
Sem ter como objetar aquela afirmação, Jimin voltou o olhar para a tela de seu monitor e continuou a programar o código de análises estatísticas para filtrar melhor os BigData a serem aplicados nos projetos dos laboratórios. Jungkook observou por um segundo a tela, curioso, mas logo arrependeu-se ao ver várias palavrinhas coloridas que não conhecia na janela preta e voltou ao livro.
— "Somos assim: sonhamos o voo mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece." — Jungkook começou a recitar o trecho que tinha separado — "O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram."
Jungkook sorriu, orgulhoso de si porque aquele trecho do livro era incrível mesmo, mas logo decepcionou-se quando Jimin não pareceu nem ter ouvido, ainda imerso em sua atividade. O estudante de psicologia suspirou, detestava ser ignorado, e olhou o laboratório, encontrando a tal escala de horários que Jimin tinha comentado antes e tirou uma foto com seu celular discretamente para que sempre acertasse o turno de Jimin.
— Isso era Irmãos Karamazov, do Fiódor Dostoiévski. Livro de verdade, sabe? — Jungkook tentou quebrar o silêncio de novo, mas como Jimin não respondeu, ainda puto da vida com a conversa que tiveram no dia anterior, foi embora.
— "Ninguém poderá impedir o pensamento de voltar a uma ideia, como não podemos impedir o mar de voltar sempre a uma praia. Para o marinheiro isso se chama maré; para o culpado isso se chama remorso. Deus agita a alma como agita o oceano." Os Miseráveis, Victor Hugo — foi o que Jungkook recitou no dia seguinte, fazendo sua saída triunfal logo depois.
— "É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo. Penso que devemos ler apenas livros que nos ferem, que nos afligem. Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz? Oh Deus, nós seríamos felizes do mesmo modo se esses livros não existissem. Livros que nos fazem felizes poderíamos escrever nós mesmos num piscar de olhos. Precisamos de livros que nos atinjam como a mais dolorosa desventura, que nos assolem profundamente – como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós mesmos –, que nos façam sentir que fomos banidos para o ermo, para longe de qualquer presença humana – como um suicídio. Um livro deve ser um machado para o mar congelado que há dentro de nós." A Metamorfose, Franz Kafka. Boa quinta pra você, Jimin!
— "Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida." Clarice Lispector.
— Ô máquina de legenda do instagram, você se superou dessa vez mesmo — comentou Jimin despretensiosamente, o olhar ainda fixo na tela de seu computador. Jungkook, que já estava quase saindo do laboratório, voltou a sentar ao seu lado, empolgado com a primeira reação que tivera.
— Superei?
— Superou, pra achar uma citação bonitinha da Clarice que não dê vontade de morrer tem que fazer um certo esforço. Puta mulher negativa.
— Não fala assim da Clarice Lispector! Ela é incrível!
— Sim, por isso que tô reclamando. Você já leu A Paixão Segundo GH? O livro que a personagem principal come a porra de uma barata? Pra mim é exatamente o sentimento da citação de Metamorfose, me atinge como a mais dolorosa desventura e me assola profundamente.
Jungkook sentiu as bochechas corarem, porque não, não tinha lido aquele livro. Não acreditava que aquele maldito havia lido algo que ele mesmo não tinha. Droga! Teve todo o trabalho de só ter selecionado livros que lera pra citar até então para o Jimin discutir justamente sobre algo que não poderia comentar?
— Gosto daquele conto do quati — desconversou, tentando fazer com que Jimin não percebesse sua própria ignorância.
— A do quati é de foder mesmo — Jimin concordou, ajeitando os óculos e virando-se na cadeira na direção do Jungkook. O estudante de psicologia, por outro lado, engoliu em seco, nervoso e pouco acostumado com a atenção de Jimin. — Eu tenho a impressão de que é meio autobiográfico, porque ela casou com um diplomata e tudo mais.
— Então ela era o quati que se fingia de cachorro e o marido o cara que levava o quati pra passear e fingia que era dono de um dog normal? — Foi a vez de Jungkook refletir, uma nova camada de significado sendo adicionada em tal conto.
— É o que eu acho, pelo menos. Não que a Clarice tenha chegado e falado "colé cambada, sou um puta quatizão, tudo certo?", mas ela sempre transforma a agonia dela em palavras, né? Ai caralho, como eu odeio essa mulher, ela me deixa muito triste.
— "Odeio essa mulher" diz Park Jimin, após ler toda a bibliografia e biografia de Clarice Lispector. Realmente, você parece muito hater dela — Jungkook riu e Jimin acabou entrando na brincadeira também. O estudante de psicologia achou um charme o jeito que os olhinhos por trás dos óculos se espremeram, mas decidiu que aquilo era só ele impressionado de tirar uma reação além de indiferença de Park Jimin.
— Você não pode falar nada! Se você lia as fanfics do Chim era porque queria algo mais leve — acusou e Jungkook deu de ombros, porque era verdade. Imagina trabalhar e, depois disso, ler Clarice Lispector? Choraria o dia inteiro.
— Se você é todo conhecedor de literatura clássica assim... Por que clichês SasuNaru? — Jungkook perguntou curioso, ao perceber que as peças não se encaixavam.
— Ah, tem vários motivos, né... — Jimin relaxou um pouco na cadeira, sentindo-se feliz em dar uma pequena pausa em seu projeto e abertura pra falar de fato. — O primeiro deles é que quando você trabalha com algoritmos, você só consegue trabalhar em cima de padrões. Uma máquina não consegue criar algo do zero, mas sim reconhecer padrões e fazer algo com isso. O Chim basicamente reconhece elementos básicos de clichês, que sempre acontecem em todas as histórias e também busca descrições dos personagens de outras SasuNaru, pra descrever direitinho a aparência física deles, né. Consulta dicionários online e de sinônimos pra construir melhor as sentenças...
— E os comentários? Ele responde os comentários!
— Ah, no Wattpad os comentários são bem padrões, né. É um "KKKKKKKKKKKKKKK" ou "chorei", então o Chim consegue reconhecer isso e responder. Mas se você perceber, comentários mais longos, contendo interpretações de leitores ou relato de algo que ocorreu com eles, o Chim não consegue responder muito bem. E programo ele para só agradecer nesse tipo de caso.
— Isso parece tão errado... — Jungkook murmurou, olhando para parede porque sabia que Jimin reviraria os olhos por ele ter voltado àquela questão.
— Por quê? Sério mesmo, por quê? — Jimin perguntou, a voz sincera — Eu analisei bastante antes de escolher escrita como minha forma de desenvolver um Machine Learning para não ficar estranho. Querendo ou não, as fanfics que Chim escreve, mesmo seguindo um padrão, dão algum tipo de conforto pros leitores. Inclusive, me desculpa por ter te mandado ler livros de verdade aquele dia, foi preconceituoso da minha parte, principalmente sabendo que fanfics e clichês são porta de entrada para leitura de muitas pessoas que não têm acesso a bibliotecas ou a educação formal a fim de conseguir ler e interpretar literatura clássica, que é mais densa.
— Ah, tudo bem... — Jungkook corou, porque cultivava o mesmo preconceito em si e sentiu-se envergonhado ao perceber aquilo. Mesmo lendo fanfics, menosprezava bastante aquela sua prática, ainda que lhe entretesse tanto... Como explicar os seres humanos?
— E sobre os comentários... Mesmo não sendo uma interação real, o Chim é muito receptivo e acho que é empolgante pros leitores poder conversar com ele. E o principal pra mim é o compartilhamento dos leitores um com o outro; mesmo que Chim possa não saber interpretar o relato ou um elogio que uma pessoa faz, se reconhecendo ali, os outros leitores podem. E isso abre portas para o diálogo, eu acho. Chim mesmo só replica coisas que os outros já falaram, mas pra mim quem adiciona camadas em cima daquilo é quem lê. Não acho que tecnologia seja inimiga da humanidade.
Jungkook ficou quieto, pensando. Afinal, as novas informações mudaram e adicionaram mais fatores em suas definições de certo e errado. Ele era um estudante de psicologia, porra, ele estudava a psiquê humana e sabia exatamente o processo que estava passando: atribuição e caracterização.
Era literalmente a base do que modela um possível preconceito. Na verdade, um preconceito e o futuro aprendizado. Sempre que humanos encontram algo novo, diferente, têm como processo essencial atribuir percepções baseados na própria vivência. Cria um pré-conceito sobre o que encontra.
Que nem foi quando encontrou Jimin. Atribuiu a ele inteligência matemática, mas ignorância literária, ética e moral, da qual Jungkook próprio se achava tão conhecedor. Atribuiu a Jimin facilidade nas coisas que ele mesmo se achava ruim, como contas, funcionamento de coisas e dificuldade em coisas que dominava. Bem o estereótipo de humanas e exatas mesmo.
Mas agora, conversando com Jimin, poderia caracterizá-lo a partir de informações que obtia dele. Era essa a diferença que distinguia um pré-conceito natural do preconceito hostil e discriminador: largar mão das atribuições inicialmente impostas e dar lugar às características que se conhecia. Jimin, apesar de não estudar ciências humanas como Jungkook, não era completamente alheio a questões como literatura e acessibilidade educacional.
Sabendo exatamente que foi enganado pelo próprio cérebro que achava conhecer, Jungkook resolveu guardar a questão da ética e moral da IA do Jimin escrever histórias e responder comentários para quando estivesse tomando banho, sabendo que poderia acrescentar algo naquela discussão pela própria bagagem que tinha. Pela bagagem e tudo aprendeu nos últimos anos de sua vida, e não apenas o Jungkook o leitor de SasuNaru que não percebeu que lidava com uma IA e sentiu-se envergonhado por causa daquilo.
— Ei... — Jimin chamou, utilizando o silêncio de Jungkook para suas próprias reflexões. — Você sabe meu nome, mas eu não sei o seu.
— Hm...? — Jungkook demorou um pouco para entender o que estava acontecendo, imerso demais em todo mapeamento cognitivo comportamental que estava fazendo em si. — Me chamo Jungkook, Jeon Jungkook. 4º período em Psicologia, esperando chegar no 6º pra finalmente poder pegar alguma optativa útil.
— Você tem interesse em quais áreas? — Jimin perguntou, curioso.
— Quero ser um clínico mesmo, trabalhar diretamente com as pessoas que precisam de ajuda — Jungkook suspirou — pena que a gente é mal formado, acho que nossa grade curricular não prepara muito bem pro mundo real nem para buscar se reinventar de acordo com novas descobertas. Estudo muito sobre escolas de dois séculos atrás, mas até agora não apareceu nada sobre epistemologia da era atual, grupos de risco, minorias... Parece que a gente tá preso no século retrasado, sinceramente. Realmente não sei se eu teria a abordagem correta ao atender alguém de periferia, por exemplo...
— É delicado mesmo — Jimin pressionou os lábios um contra o outro, imaginando o sufoco que deveria ser trabalhar diretamente com humanos, tão diversos.
— Eu até trabalho na Universidade Valorizando a Vida, que é tipo um CVV dedicado aos universitários, achando que seria um pouco menos pior porque teoricamente são pessoas com a realidade mais próxima à minha, mas foi engano meu mesmo — Jungkook pareceu ter aberto sua torneirinha de reclamações. O que ele podia fazer se Jimin era tão bom ouvinte?
— Sério? Eu não sabia que existia isso... — Jimin respondeu frustrado com a própria ignorância — Como vocês funcionam? Eu tenho uns amigos que podem precisar...
Jungkook observou Jimin melhor, reconhecendo o peso que suas palavras tinham. Parecia que um prédio bonito, de banheiros exclusivos e plantas bem cuidadas não fazia com que os alunos deixassem de atormentar-se com sua vida acadêmica e pessoal.
— Tem dois canais principais de comunicação, por chat e por ligação. Teoricamente somos um serviço 24 horas, mas a verdade é que é bem difícil cobrir todos os horários porque os atendentes são estudantes também, e atualmente temos uma fila grande de espera nas conversas — Jungkook torceu o nariz, ele queria tanto que a UVV conseguisse atender melhor os alunos. — Eu recomendaria aos seus amigos entrar na fila de espera, porque com isso eles podem ser direcionados para a galera que trabalha na clínica comunitária do departamento depois do atendimento.
— Então vocês filtram as pessoas para a clínica? Pensei que fosse mais algo pra... Pra ajudar pessoas com intenções suicidas.
— A primeira ideia da UVV era essa mesmo, mas parece que o perfil universitário tem uma prevalência maior de necessidade de atendimento psicológico, então começamos a filtrar e encaminhar, porque é o que mais recebemos. Mas é claro que a gente trata com urgência quaisquer casos que remetam a suicídio, mas confesso que é bem difícil filtrar porque muitas ligações são trotes e basicamente a gente tem um sistema e vai respondendo as primeiras ligações e mensagens que recebemos por ordem de chegada, não temos uma noção do todo.
Jimin girou em sua cadeira, pensativo, e Jungkook achou aquilo engraçado, observando-o entretido e leve. Não achava que precisava tanto contar pra alguém todas suas dificuldades e angústias com a UVV até despejar tudo aquilo no garoto pequeno de cabelos negros. Internamente, agradeceu a sua própria birra com Jimin, porque sabia que foi ela que fez com que enchesse o saco do outro todos os dias até ser respondido. E tinha gostado de ser respondido.
— Você pode voltar aqui segunda? Umas 15:30 — Jimin perguntou, parando de girar na cadeira e olhando Jungkook tão intensamente que o estudante de Psicologia ficou até mesmo nervoso.
— Posso... Mas por quê?
— Segunda você descobre — Jimin sorriu, parecendo satisfeito com seus próprios segredos.
— Aff, chato — Jungkook resmungou enquanto pegava seu celular para conferir o horário e perceber, com certa surpresa, que logo seria seu horário de atendimento no chat da UVV. Em geral suas passagens pelo laboratório eram tão breves que nunca teve que se preocupar com atrasos.
Levantou-se da cadeira, espreguiçando e arrumando envergonhado tudo que tinha bagunçado quando o cara de cabelos castanhos que tinha visto da primeira vez entrou na sala e o encarou confuso. Jimin riu baixinho ao ver a vergonha de Jungkook e cumprimentou Yoongi, que simplesmente sentou na frente da sua máquina e começou a trabalhar, sem muita curiosidade sobre o estudante de psicologia.
— Preciso ir — Jungkook falou, ainda acanhado, mesmo que toda sua movimentação já deixasse aquilo claro. — Até segunda então.
— Até segunda! — Jimin despediu-se com um sorriso antes de virar-se de novo para seu computador.
A tarde do Jungkook fora corrida, como sempre. Havia uma linha tênue em querer responder os chats o mais rápido possível para conseguir atender o maior número de alunos que fosse capaz e atender com qualidade o suficiente para estar atento a quaisquer sinais suicidas na fala deles e tratar qualquer assunto com responsabilidade. Isso o atormentava bastante.
Forçou-se a parar quando acabou seu horário, respeitando os próprios limites. Lembrava de seus primeiros dias, em que ignorou as recomendações dos outros atendentes e dos professores responsáveis e se exauriu, atendendo nove horas por dia durante a semana inteira, sem dormir e, às vezes, sem comer. Era algo complicado.
Tentou distrair-se do peso da culpa que sentia do próprio descanso com seu novo objeto de curiosidade: Park Jimin. Jogou-se na cama do quarto e abriu uma aba anônima no celular, digitando o nome que representava o diferencial de sua semana.
O que mais apareceu foram links de currículos acadêmicos ou publicações da própria universidade sobre os grupos de pesquisa e seus trabalhos. Ficou impressionado ao ver que o NeuralWorks tinha realizado um projeto anti-fake news com a galera de Sociologia, Ciências Políticas e Publicidade e Propaganda. Também tinha um com a medicina, de agilização de diagnósticos.
Tinham várias outras pesquisas, na verdade, e Jungkook sentia uma espécie de admiração ao ver o rosto sorridente e tímido de Jimin junto com o que aparentemente eram os outros garotos do laboratório e uma mulher mais velha como manchete das notícias. Mas suas pesquisas sobre triunfos acadêmicos foi interrompida quando achou um blog.
Clicou no mesmo momento, ansioso pelo que iria encontrar. A página tinha tons terrosos agradáveis e pequenos contos ordenados por dia de postagem. Jungkook clicou no botão do menu, que exibia diversas categorias de busca dentro do site e, acima de tudo, uma foto de Jimin, acompanhada de seu nome.
Na foto ele olhava para baixo, perecendo divertidamente concentrado em algo, a animação formando um biquinho nos lábios, longe do garoto mal humorado que lhe recepcionou da primeira vez. Se bem que Jungkook xingou ele todinho... Não era de se espantar que Jimin não tivesse ficado feliz.
Bem, aquilo não importava, só importava que tinha encontrado um blog do Jimin! Queria negar, mas começou a ler avidamente os contos, crus, diretos e doloridos, sem acreditar na mina de ouro que encontrara. Só parou de ler quando sua mãe lhe chamou para jantar e emendou num banho, enfiando-se nas cobertas do quarto escurinho para ler mais e mais camadas de Park Jimin, aproveitando que amanhã era sábado e não teria que acordar cedo.
Percebeu, com certo espanto, que aqueles textos lhe lembravam um pouco o jeito duro e sem filtros da Clarice Lispector, a reflexão encadeada por pequenos elementos do cotidiano. Jungkook riu sozinho, recordando-se da reclamação do outro de que a Clarice lhe deixava triste sendo que nossa... Fazia textos que lhe atingiam em cheio.
Eram muito diferentes das fanfics SasuNaru que Chim escrevia e, aparentemente, bem menos conhecidos também. Só tinha visto até então um único comentário em um único conto. Jimin, daquele jeito, parecia um alter ego sombrio e escondido de Chim, animado e jovial.
Sem perceber, Jungkook embrenhou a madrugada lendo os contos de Jimin, embaralhando-se nas camadas de reflexões junto com ele e sentindo até mesmo um certo vazio quando chegou no final do blog, sem mais nada para ler. Tinha sido tão intenso que sentia-se até um pouco desconectado do corpo, atordoado por aquela avalanche de sentimentos ríspidos e paradoxalmente frágeis. Todo seu encantamento por Chim fora transferido para Jimin naquela exata madrugada, mesmo que a escrita de Jimin fosse um machado para o mar congelado dentro de Jungkook.
Teve dificuldade de dormir mesmo que seu horário normal tivesse escorrido há tempos por entre seus dedos. O coração acelerava-se contra sua vontade de expectativa com o simples pensamento de encontrar Jimin de novo segunda feira, sentindo-se incrivelmente íntimo e compreendido pelo estudante de Computação que mal conhecia. Talvez Jungkook fosse assim, facilmente cativado por palavras.
-ψ-
Jungkook passou a manhã e o almoço inteiros tão ansioso para voltar ao laboratório que até seus amigos estranharam. Ele sempre foi disperso e no mundo da lua, claro, mas estava até mais do que de costume. Jungkook, por sua vez, nem notou quando seus pés o levaram automaticamente até a frente do prédio do DCC, morada de seu talvez escritor favorito.
Com certa familiaridade, cumprimentou a moça da portaria que passou a lhe reconhecer e dar um tchauzinho de volta antes de entrar no elevador em perfeito estado do prédio. Tinha tanta confiança ao andar que poucas pessoas suspeitariam que ele não era dali se não fosse seu clássico moletom do curso. Claro que essa confiança toda era apenas até o NeuralWorks, não fazia a mínima ideia de onde ficava qualquer outra sala.
Imaginou de tantas formas como encontraria Jimin na sala — batendo na porta, invadindo direto o laboratório, observando pela janela... — que assustou-se ao encontrá-lo há uns dois corredores de distância do seu local de trabalho e entrou em um pequeno pane. Jimin, é claro, cumprimentou Jungkook normalmente enquanto bebericava sua xícara de café e continuava caminhando até o laboratório com um sorriso no rosto ao pensar na proposta que ia fazer.
O estudante de psicologia, por sua vez, precisou de um tempo pra superar o encontro repentino. Ainda não tinha vencido a ressaca dos textos de Jimin e olhar para ele agora, sabendo que tinha produzido todos os contos que haviam tocado seu âmago profundamente, era diferente, ficava nervoso.
Jimin notou a estranha quietude do garoto que lhe acompanhava pelos corredores brancos, acostumado com o lado que problematizava tudo que fazia e parecia ter um prazer específico em lhe atazanar recitando trechos de literatura clássica. Mesmo assim, não falou nada, e apenas entrou no laboratório junto com Jungkook.
Yoongi era a única outra pessoa na sala, já que normalmente trabalhava no mesmo turno que Jimin. O menino magricela levantou os olhos para apenas perceber desgostosamente que o estudante de psicologia apareceu de novo e voltar a teclar furiosamente no computador. Jungkook refletiu se fora barulhento demais nos últimos dias, provavelmente sim.
— Então! — Jimin começou empolgado enquanto sentava em sua cadeira de sempre e observava Jungkook roubar outra e puxá-la para ficar mais perto, as rodinhas que não giravam direito fazendo um barulho engraçado no chão — Eu estava conversando com minha orientadora que eu queria fazer um novo projeto e...
— Orientadora? — Jungkook interrompeu a fala do outro querendo saber de um ponto que tinha lhe deixado curioso nesse prédio. — Só vi homem por aqui até agora.
— Sim, quem orienta todos os alunos do NeuralWorks é a professora Mimi, ela é perfeita — Jimin deu um sorriso ao se lembrar dela. — E sim, imagino que você só tenha visto homens no prédio, infelizmente há poucas mulheres nos cursos de computação e o ambiente é todo meio machista.
— Legal que vocês têm uma professora mulher pelo menos, né... — ponderou Jungkook, tentando trazer algum lado positivo. — E ela parece muito competente.
— É óbvio que a professora Mimi é competente, é a melhor professora do DCC e juro que não é porque ela é minha orientadora. Na Computação, para você ganhar o mesmo reconhecimento que um homem tem sendo mulher, você tem que ser infinitamente mais competente, ter um currículo muito melhor e trabalhar muito mais.
— Isso parece... Difícil...
— Claro, é de uma filha da putisse sem igual — Jimin concordou. — Não é minha intenção romantizar machismo na área de exatas utilizando um exemplo inspirador e fora da curva. Queria que mais mulheres pudessem se formar, sem desistir por causa de comparações merdas, pressão e assédio... Tipo, pouca mulher entra na Computação, a gente tinha que pelo menos fazer o favor de mantê-las, né...
— Feministo — Jungkook debochou baixinho, Jimin deu de ombros porque aquela questão o incomodava genuinamente, o próprio fato de todos os alunos do laboratório serem homens nunca saía de sua cabeça.
— Enfim, eu conversei com a professora Mimi ontem, né. Aqui no NeuralWorks trabalhamos com todo tipo de projeto que utilize Redes Neurais, a maioria trabalha mais com aprendizado de máquina supervisionado com tratamento de imagens, eu, por outro lado, faço mais tratamento de palavras, como você pode perceber com o Chim.
— Aham... — Jungkook concordou só por concordar, confuso com todos aqueles termos que nunca ouvira falar na vida.
— E aí eu comentei que queria trabalhar com a UVV... — Jimin mordeu os lábios, encarando Jungkook com expectativa através dos óculos, querendo saber se ele gostava da ideia. — A gente pode usar IA para tentar filtrar as conversas, acho que dá pra tentar reconhecer os trotes e dar prioridade para os casos de pessoas com intenções suicidas...
— Pode? — Jungkook perguntou surpreso.
— Ah, eu acho que pode, né... Você que vai me dizer... — Jimin coçou a nuca, meio tímido com o interesse de Jungkook. — Eu pesquisei por alto que pessoas que pensam em cometer suicídio mandam alguns sinais discretos para pedir ajuda... Uma IA pode reconhecer esses padrões e dar prioridade de atendimento...
— Jimin, você é um gênio, isso é incrível! — Jungkook não suportou mais de tanta empolgação ao refletir brevemente o quão aquilo fazia sentido e quão ajudaria no trabalho na UVV. Agarrou as mãos pequenas de Jimin entre as suas, sorrindo. — Por favor, vamos, nossa, você é incrível...
— Não sou... — Jimin riu de volta, aliviado, mas corou ao perceber a forma que tivera as mãos tomadas pelas maiores. Jungkook, ao perceber o olhar de Jimin sobre as mãos, ficou envergonhado também e soltou-as.
O coração do estudante de psicologia batia tão forte dentro de seu peito que temia que Jimin pudesse ouvir seu desespero. Estava em choque com sua própria ousadia em tocar o escritor que admirava. E as mãos pequenas eram tão macias também... Queria ter se desesperado menos e mantido as mãos juntas.
— Incrível é a NeuralWorks e a professora Mimi que me ensinaram o suficiente pra eu conseguir enxergar aplicações... — Jimin voltou a falar, tentando quebrar a súbita timidez que pairou sobre eles. — O laboratório tem um monte de trabalho legal com os outros departamentos... Só me inspirei. E, só te lembrando, você me odeia por causa do Chim.
— Que mané Chim — Jungkook sacudiu a cabeça e fez uma careta. — Nem sei quem é Chim, agora eu te amo por causa dessa ideia... — E por causa de seus textos, completou em pensamento. Não sabia se deveria falar pro Jimin que sabia um pouquinho mais do que sexta sobre as coisas que o incomodavam, sobre o escritor dentro dele, sobre ele.
— Você é um vendido! — Jimin acusou, tentando conter as gargalhadas para não atrapalhar Yoongi. — Enfim, leve isso pros seus orientadores na UVV para ver se eles gostam da ideia, se a gente tem permissão e tudo mais... Porque a professora Mimi topou demais!
— Levo... Mas não sei se consigo vender muito bem a ideia... — Jungkook comentou envergonhado, percebendo que não poderia mais fugir daquilo se quisesse que o projeto fosse um sucesso. — Eu não entendi nada do que você falou, das paradas técnicas e tal.
— Nossa, dei mole, né? — Jimin arregalou os olhos, meio preocupado. — Você devia ter me avisado antes, eu me empolgo com o assunto e fico tacando um monte de termo técnico.
— Eu que fiquei com vergonha de perguntar porque me senti burro demais — Jungkook explicou meio tímido.
— Burro nada! Você só não conhece, ué. Se você falasse qualquer coisa específica sobre psicologia eu também não ia entender — Jimin ralhou. — Enfim, o laboratório, como eu disse, se chama NeuralWorks porque aqui mexemos com Redes Neurais. E o que são Redes Neurais? São modelos computacionais inspirados no funcionamento do sistema nervoso de animais. Em psicologia vocês aprendem sobre o cérebro, né? Fisiologia e tudo mais...
— Sim... — Jungkook respondeu, um pouco mais interessado por saber um pouco daquilo.
— Então você sabe sobre isso melhor do que eu, a forma que os neurônios se comunicam por sinapses e tal... Enfim, modelos computacionais são uma mistura doida entre técnicas de computação e modelagem matemática para ajudar a gente a analisar, estudar e compreender problemas e fenômenos complexos.
"As Redes Neurais nos permitem trabalhar com reconhecimento de padrões e aprendizagem de máquina. Tem dois tipos de sistemas de aprendizagem: supervisionados e não-supervisionados. Os aprendizados supervisionados funcionam assim: eu mostro ao programa um monte de informação e seus respectivos resultados, aí ele reconhece padrões e consegue identificar. Calma, deixa eu pensar em um exemplo porque assim ficou meio bosta de explicar...
Imagina que eu quero que uma máquina diferencie pra mim um gato de um cachorro. Os dois são peludos, têm quatro patas e uma infinidade de raças... Mesmo assim, nós humanos sabemos diferenciar um cachorro de um gato, certo? Pra ensinar uma aprendizagem supervisionada a diferenciar, a gente tem que dar um monte de fotos de cachorros e gatos, junto com a resposta certa. Depois, temos que fazer tipo um "quiz" com elas, passando outras fotos e vendo se ela consegue, sozinha, diferenciar os gatos e os cachorros. Quanto mais informação ela tiver no banco de dados, mais fotos de gatos e cachorros, melhor vai ser seu trabalho de diferenciação. Deu pra entender?"
— É muita coisa... Mas resumidamente a máquina é que nem a gente... Quanto mais exemplos temos sobre diferenças, melhor conseguimos diferenciar elementos, isso?
— Exato... Então a Aprendizagem de Máquina Supervisionada é aquela que temos um conjunto de dados os quais sabemos existir um padrão para a resposta. Pode ser de classificação, que é o exemplo do gato e do cachorro, ou de regressão, que trabalha com funções contínuas.
— Falar de função me deixa tonto, mas tudo certo... Continue — Jungkook reclamou e Jimin sorriu, compreensivo.
— Aí a Aprendizagem de Máquina Não-supervisionada, explicando por alto, é uma que trabalha mais tentando encontrar padrões gerais nos dados que existem. Ela não recebe uma função de entrada certinha e a "resposta" que deveria entregar e sim fica caçando elementos parecidos entre os dados, agrupando-os. Em geral, aqui a gente trabalha mais com Aprendizados Supervisionados, então a gente passa bastante tempo coletando e inserindo dados pra nossas filhinhas "aprenderem" mais.
— Doideira máxima... — Jungkook comentou, a cabeça girando.
— Eu te apresentei muitos conceitos de uma vez só, mas juro que é bem mais fácil do que parece. Mas enfim, o que vai acontecer: a UVV vai continuar trabalhando normal, mas eu vou inserir um aprendizado de máquina tentando coletar padrões suicidas ou de fraude. Ele vai, separadamente, classificar o que ele acha que é um possível suicida e um desocupado filho da puta dando trote de acordo com outras conversas que você já tiver classificado e você vai ajudar a verificar se ela acertou ou não na previsão. O mais importante prum aprendizado de máquina supervisionada é esse feedback, porque aí melhora as novas previsões dela.
— É igual uma pessoa mesmo aprendendo... Que doideira... — Jungkook refletiu, o aprendizado de máquina não era tão diferente dos humanos.
— É inspirado no cérebro humano, então né... — Jimin riu, feliz que o outro parecia interessado no assunto. — Sabe quando o Google Fotos fica pedindo pra você verificar se os dois rostos que ele reconheceu em diferentes fotos é o mesmo? É exatamente esse sistema de feedback...
— Ah, então o reconhecimento de fotos do Google funciona assim? — Jungkook perguntou surpreso.
— Exato! — Jimin riu. — E olha só a filha da putisse... Sabe aqueles testes pra provar que você não é o robô pra entrar em algum site? Que você tem que clicar em semáforo, faixa de pedestre e essas coisas...?
— Sei...
— Então, é a Google te usando para classificar informações para as máquinas dela. Você está fazendo esse trabalho de reconhecimento e de feedback pra ensinar pra máquinas... É algo muito esperto, porque há pessoas que trabalham remuneradamente na classificação de dados para esse sistema, mas você tá lá, todo trouxa, fazendo de graça pra entrar no seu site lá.
— Meu Deus, você zoou minha cabeça todinha agora! — Jungkook agarrou os cabelos, fazendo uma cara mais dramática do que deveria.
Jimin teve dificuldades novamente de conter suas gargalhadas e não atrapalhar o seu parceiro de laboratório. Talvez aquele jeito tão espontâneo de Jungkook, sem medo de mudar de opinião e fazer graça de tudo fosse um tanto quanto cativante pro estudante de Computação. Pensando nisso, parou de gargalhar, mas o sorriso não saiu de seu rosto.
-ψ-
Ensinar ao Chimmy — nome que deram à IA que trabalharia na UVV em homenagem ao Chim, que lhes uniu — sobre padrões suicidas e de trote foi mais desafiador que pensavam. Por achar a infraestrutura do laboratório de computação melhor, Jungkook acabava passando grande parte dos dias lá trabalhando com o Jimin. Claro que o estudante de computação fez questão de visitar o departamento de psicologia e conhecer os outros alunos da UVV e os professores orientadores, mas Jungkook talvez tivesse acostumado-se ao laboratório branco como todo o prédio.
Afinal, o estudante de psicologia tinha até mesmo adquirido o privilégio de usar os banheiros de lá! Como era um prédio bastante restrito, com mais laboratórios de pesquisas e salas de professores do que salas de aula propriamente ditas, acabava que os banheiros eram em sua maioria trancados. Mas Jimin, assim como todos os alunos com projetos no DCC, tinha a chave e emprestava pra Jungkook, que toda vez sentia-se completamente chique e exclusivo — tentando ignorar o fato de que o banheiro era segregador, claro.
Também tinha acesso à copa, que possuía geladeira, microondas, fogão, mesa e dois longos sofás. Jungkook pegou a mania de trazer pipoca pra fazer, empesteando tanto a copa quanto o laboratório com o cheiro forte de manteiga. Tinha certeza que Yoongi não tinha xingado ele ainda porque o menino magricela sempre arrastava sua cadeira pra perto a fim de poder comer um pouco do salgado também, pitaqueando sobre Chimmy e dando dicas de melhorias.
Até o grupo de pesquisa do laboratório ao lado, que trabalhava com BigData — análise e interpretação de grandes dados — ajudaram os dois, coletando alguns dados e ajudando a filtrar que tipo de paciente utilizava a UVV de acordo com os horários. Inclusive, ao descobrirem que grande parte dos estudantes que apresentavam comportamentos de maior risco mandavam mensagem quando quase não havia ninguém atendendo, Jungkook correu pros professores pra negociar verba de contratação de terceiros para que alguém experiente trabalhasse no turno da madrugada.
Jungkook se viu estranhamente encantado com o mundo da análise de dados, estatística e tecnologia, matérias que achava significar apenas dor de cabeça até então. Ver tudo aquilo sendo aplicado para melhorar vidas era incrível, de verdade. E, melhor ainda, agora que sabia mexer melhor com números graças à ajuda de Jimin, começou a definir e acompanhar métricas para avaliar o trabalho da UVV. O tempo de espera médio para atendimento tinha reduzido drasticamente, mas o mais incrível era: o número de casos graves respondidos a tempo chegava a quase 100%. Jungkook dormia até mais leve.
Jimin, por outro lado, aproveitava da companhia de Jungkook para descobrir mais e mais camadas dos campos da psicologia, muito além do que era realmente necessário para poder desenvolver o Chimmy. Gostava das discussões cabeça que Jungkook encadeava no meio da madrugada, quando prolongavam demais seu tempo de trabalho, empolgados e cheios de um senso de urgência para ensinar tudo que poderiam à IA.
O estudante de psicologia discorria apaixonadamente por horas sobre as escolas da psicologia, a integração que sentia falta entre elas, sobre psicanálise, contexto social e histórico de cada um dos grandes nomes de seu ramo de estudo, pontuando o quanto aquilo enviesava os estudos e análises que faziam. Falava desde a fisiologia do cérebro, até como as nuances comportais humanas também eram talhadas e deveriam ser estudadas com mais trabalhos de sociologia e antropologia. Tudo aquilo mudava completamente o jeito de Jimin de pensar sobre as coisas, refletindo nos textos do seu blog, que sempre atualizava e Jungkook acompanhava em silêncio, orgulhoso em enxergar pedaços dele mesmo nas palavras afiadas.
Claro que Jimin tinha que fazer um esforço para entender aquilo e estudar por fora, assim como sabia que Jungkook fazia o mesmo sobre estatística e computação, mas nenhum dos dois jovens achavam aquilo ruim. Era meio impressionante como a paixão do outro sobre a própria área acendeu uma curiosidade genuína de saber mais e expandir seus horizontes, e ambos gostavam tanto daquilo que constantemente ansiavam em passar mais e mais tempo juntos — como se já não compartilhassem tardes inteiras e madrugadas adentro.
Sendo sincero, Jungkook não acreditava muito que o projeto ia dar certo no começo, logo após ter levado um banho de água fria de seus orientadores e colegas ao apresentar a proposta, conservadores sobre a forma de atendimento da UVV. Mas apesar do ceticismo, Jungkook arrancou a permissão para atualizar o termo de ética da UVV, compartilhar e utilizar os dados dos estudantes que utilizavam o serviço junto de Jimin, querendo mais do que tudo acreditar no menino baixinho de óculos e cabelos escuros que lhe cativara através da literatura de seu coração.
E nunca arrependeu-se de ter confiado em Jimin, e a confiança que entregou se multiplicava ao ver o quanto o garoto entregava-se com paixão ao trabalho, sempre no laboratório com sua característica xícara de café e algumas olheiras no rosto. Às vezes Jungkook tinha que convencê-lo a descansar, mas muitas vezes entrava na pilha também, empolgado na mesma proporção ao assistir Chimmy tomar forma. Ao assistir a conexão entre os dois tomar forma.
O DCC certamente era um prédio atipicamente ativo de madrugada, o que espantou Jungkook a primeira vez que virou a noite lá. Mesmo assim, a madrugada era definitivamente mais quieta e íntima do que a tarde, e isso refletia-se no comportamento dos dois companheiros de projeto com seus toques mais frequentes, piadinhas cansadas e olhares cúmplices. Jungkook simplesmente não conseguia, amava entrelaçar suas pernas nas de Jimin, fingindo que estava irritando-lhe sendo que na verdade só queria um contato mais próximo mesmo.
E lá estavam eles novamente, trabalhando de madrugada no laboratório como fizeram durante os últimos dois meses. Era uma sexta feira, o que deixava o prédio ainda mais vazio do que o normal e os estudantes encontravam-se exaustos. Exaustos, mas satisfeitos, porque Chimmy talvez tivesse finalmente chegado ao seu ponto ótimo. Precisaria continuar recebendo feedbacks quanto suas classificações e priorizações de atendimento, é claro, mas seria um trabalho contínuo dos atendentes.
Estavam felizes com o trabalho, mas cansados demais para voltar pra casa no meio do céu escuro e vento frio. Sentindo o corpo doer do tanto de tempo que passaram sentados nas cadeiras do laboratório, arrastaram-se até a copa mais próxima. Jimin foi na frente, jogando-se em um dos sofás e gemendo fraquinho de satisfação ao finalmente repousas suas costas tensas em algum lugar.
Jungkook ficou parado na porta, observando Jimin deitado no sofá da sala escura com a ajuda tímida da iluminação dos postes gerais do DCC. Suspirou ao perceber o quanto gostava de Jimin, o quanto achava lindo o jeito que seus cabelos negros brilhavam na luz fraca, que tinha marquinhas do apoio dos óculos no nariz pequeno ao tirar o objeto para cochilar. Gostava de cada um dos detalhes de Jimin.
Era desconcertante a forma que aquilo tinha mudado. Ele literalmente tinha xingado Jimin a primeira vez que o viu, sentindo-se humilhado por ser fã de fanfics escritas por IA. Mas agora, conhecendo todo o trabalho por trás, era completamente apaixonado por tecnologia. Apaixonado pelo Chim, pelo Chimmy e... Pelo Jimin.
Fechou a porta atrás de si, deixando o cômodo um completo breu. Não teve muita dificuldade em localizar o sofá, porém, já familiar com a copa e, suspirando fundo e agradecendo à escuridão pela coragem, deitou-se com cuidado no sofá junto a Jimin.
O estudante de computação prendeu a respiração, um pouco tenso em sentir o calor do outro corpo perto do seu. Tentou expirar, acalmando-se antes de tomar um pouquinho de coragem e tatear o corpo de Jungkook para puxá-lo para um abraço, que foi retribuído no mesmo instante.
E ficaram daquele jeito, deitados um nos braços do outro encolhidos no sofá pequeno, cansados, mas com os corações tão acelerados com a proximidade que não conseguiam dormir. Os olhos que ao pouco acostumavam-se com a escuridão descansavam nas curvas e detalhes em tons de cinza que conseguiam enxergar do corpo alheio, um pouquinho por vez.
Jungkook ajeitou-se um pouco mais nos braços de Jimin, fazendo com que seus rostos ficassem na mesma altura. Ambos continuaram quietos, arrepiando com o toque quente da respiração que indicava o quão próximos estavam. Os dois pares de olhos brilhavam, esperançosos, e os sentidos estavam tão atentos que nenhum detalhe passava batido. Estavam conscientes da respiração nervosa um do outro, do peso das pernas entrelaçadas, do calor entre os braços.
— Posso te beijar? — Jungkook sussurrou, quebrando o silêncio cheio de expectativa que compartilhavam. Jimin sentiu seu pobre coração acelerar mais ainda e as bochechas esquentarem. Ainda bem que Jungkook não conseguia enxergar o quão corado estava...
— Jungkook... — Jimin fechou os olhos e suspirou baixinho, sentindo-se torturado pelo pedido tão manhoso e que tanto queria atender. — Eu não posso te dar um daqueles romances clichês, você sabe...
— Eu não quero um desses, Jimin, não mais... — Jungkook aproximou seu rosto ainda mais, os narizes tocavam-se e seus lábios roçavam nos de Jimin levemente enquanto falava. Aquilo parecia uma forma de tortura. — Eu quero o seu beijo, o seu romance...
— Tem certeza? Eu sou bem feio por dentro... — Jimin segredou, decepcionado consigo mesmo. Queria ser uma pessoa espontânea e animada como Jungkook, o homem ideal dos clichês, mas ele era pesado. Pensava demais e tantas coisas borbulhavam dentro de si que doíam, seus sentimentos mais profundos eram uma rosa cheia de espinhos. Sabia que tinha certa beleza e unicidade em ser Jimin, mas talvez essa unicidade fosse cruel demais.
— Não é nada, é lindo... Eu li... Sabe? — confessou Jungkook baixinho, envergonhado de ter guardado aquele segredo por tanto tempo. — Há dois meses atrás eu li os textos do seu blog. Continuo lendo, na verdade. Há dois meses eu me apaixonei por você, Park Jimin.
— E o Chim? — Jimin perguntou, confuso e tímido ao saber que Jungkook sabia tanto sobre o que passava em sua cabeça.
— Ler as coisas do Chim me dava tranquilidade... E eu gostava do conforto de não ter que pensar demais sobre aquilo, não posso mentir. — Mordeu os lábios, observando a forma que Jimin abriu seus pequenos e lindos olhos novamente, brilhando esperançosos.
Jimin queria ser amado, e muito. Escondia aquilo no fundo de seu âmago, mas aquela necessidade parecia começar a querer transbordar de si com a possibilidade que as próximas palavras de Jungkook poderiam trazer. Queria poder experimentar a doçura de palavras bonitas direcionadas a si para tentar sobrepujar o próprio amargor, mas talvez aquela fosse uma esperança vã...
— E Park Jimin?
— Ler Park Jimin me atinge como a mais dolorosa desventura, me assola profundamente... — citou Kafka, relembrando saudosamente de seus primeiros encontros com o homem pelo qual se apaixonou. — Ler Park Jimin me faz repensar o jeito que eu vejo as coisas e mostra tantas outras que escondo dentro de mim que às vezes quero fugir e me esconder na minha pequeneza. Mas passar tempo com Park Jimin me dá uma tranquilidade muito maior do que qualquer história do Chim.
— E observar Jeon Jungkook me faz sentir aquela saudade da qual a Clarice fala... — Jimin respondeu de volta, morto de vontade de beijar Jungkook, o toque tentador e cálido entre os lábios enquanto confessavam-se não ajudava nem um pouco. — A que parece fome e que só passa quando se come a presença. A saudade que sinto por você toda hora é tão profunda que às vezes até a presença parece pouco, e eu queria te absorver todo. Você me fez sentir pela primeira vez essa urgência tão bizarra de uma unificação inteira, de ser de alguém.
— E ainda tá dizendo que não sabe me dar um romance clichê... — Jungkook riu baixinho, esfregando seu nariz no pequenininho de Jimin como um carinho. — Você tá se declarando pra mim citando Clarice Lispector, tem noção disso?
— Você se declarou pra mim citando Kafka... — devolveu implicante, dando-se a permissão de acariciar a cintura fina e quente de Jungkook por debaixo do moletom do curso, maravilhado com o toque da pele macia contra seus dedos. Jungkook arrepiou-se, completamente entregue ao contato.
— Por favor, Jimin... Não aguento mais... — murmurou, um tanto quanto manhoso, mas era só desespero. — Me deixa te beijar, eu também sinto essa saudade... Me deixa tentar te absorver todo.
Jimin foi quem avançou, atravessando a distância quase inexistente entre as bocas, esperando que aquilo fosse permissão o suficiente. Jungkook riu, intensificando o abraço e colando o corpo menor que o seu contra o peito, tentando absorvê-lo.
Derreteram-se no beijo, tentando suprir aquela fome, aquele sentimento urgente que tinham um pelo outro. Os lábios buscavam-se com uma certa possessão necessitada de sua presença, os estalos tímidos soando altos no ambiente tão vazio e silencioso. As línguas serpenteavam curiosas uma contra a outra, experimentando a textura aveludada e a afobação cálida de seu parceiro.
Park Jimin estava nos céus, porque o jeito que Jungkook lhe beijava refletia muito seu jeito sincero, empolgado e apaixonado, tão diferente do seu. Sentia-se tão desejado com os toques curiosos do outro em sua pele, no deslizar da língua contra a sua, no jeito que subira a mão grande pelas suas costas e agarrara os fios curtos e negros de sua nuca... Tudo em Jungkook parecia ornar com sua própria singularidade.
Jeon Jungkook fazia força pra não sorrir que nem um bobo, feliz de experimentar toda aquela profundidade e confusão de sentimentos que via refletidas nas palavras de seu escritor favorito, aquele humano que cultivava de forma tão introvertida, tão longe das fórmulas e padrões identificáveis aos quais tanto dedicava e estudava. Sabia que a paixão deles era perfeita, igual a junção de humanas e exatas, tão necessárias uma pra outra que a simples separação limitava o mundo de possibilidades a se descobrir.
⇢🧠⇠
Moral da história: PARA DE SEPARAR HUMANAS DE EXATAS DE BIOLÓGICAS ETC. risos
Enfim, espero muito muito que tenham gostado da fanfic, de verdade!!! Eu amei escrever e me apaixonei pelos jikook, aff.
Muito obrigada de novo por ter pedido 2jsoul13!!! Espero que você tenha gostado da sua comissão, você é tudo pra mim.
Vou deixar alguns links úteis nos comentários sobre psicologia, suicídio, computação etc que eu usei pra estudar
✧ Podcast informativo sobre suicídio
✧ Machine Learning
✧ Pesquisas de computação
Beijinhos de luz e obrigada por ler!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro