Era sobre você, seu jeito de olhar e seu ser; sobre aquela sensação que jamais chegaria o alvorecer; sobre um vazio nascido da minha brilhante capacidade de apenas viver.

Um encanto nasceu de beijos molhados, toques apimentados e fogo; encanto que confundi com um amor com sabor e textura de gelato, quente como um dia ensolarado, às vezes agradavelmente morno.

Não... não se pode abusar da musicalidade com a tragédia.

Aquele olhar, aquele rosto, aquele sorriso... Mais me pareceram por muitos pertencerem aquele indivíduo, o único.

Não... não há um único para pessoas como eu.

O suave toque que arrepiou todo meu corpo por meses seguidos, o beijo doce que me removeu quietude em dias idos...

Não... ele jamais poderia ser o único.

Complexo. Não era tudo que queria e posso entender isso agora, depois que as quatro estações se passaram e lá fora chove granizo. Enxotar um velho amor como se enxota um gato, abandonando-o na rua, moribundo, é muito ingrato.

Na busca da felicidade, o que deveria ser prioritário?

O que deveria ser certo? Uma abordagem doce com traços mais humanitários... ou uma abordagem sobrevivente que me porá de joelhos novamente nesse regime autoritário?

Um modo de vida domado, dominado. Fracassado.

Não... eu não deveria me permitir a musicalidade.

Em busca da felicidade, queria uma vez poder viver um minuto de verdade, mas isso significaria uma emancipação que culminaria numa guerra, me guiaria ao abismo da maldade.

Nele, todas as desgraças me abraçariam.

A família viraria tropa inimiga, o amado viraria general.

— Fazemos por seu bem — gritariam.

O que é realmente para o meu bem, afinal?