Capítulo 3 - Escolhida pela Luz (Serah)
"Serah quebrou seu braço pela primeira vez aos seis anos. Quando escalava a Torre Norte que dava a biblioteca. Ela se lembrava das mãos doloridas e das pontas dos dedos com cortes, dos joelhos arranhados e do suor escorrendo pela nuca. A parede gelada e áspera contra seu corpo pequeno, lembra também de sentir suas pernas fracas antes de dar impulso para alcançar o parapeito da janela e escorregar. Naquele instante sua mente ficou em branco.
Só conseguiu pensar que iria morrer. Foi a última coisa que passou por sua cabeça antes de sentir a dor lancinante no braço esquerdo e cair no telhado do andar abaixo. Parecia que seu crânio havia se rachado, a dor pulsante no corpo inteiro a fez desmaiar. E quando acordou não sentia nada. Absolutamente nada. Era como se tudo tivesse sido um sonho, porque estava em seu quarto, deitada na cama com as portas fechadas. Sem nenhuma dor para reclamar.
Pouco tempo depois, uma criada veio com uma bandeja nas mãos e uma xícara depositada nela, entrou no cômodo e foi até Serah com um sorriso doce no rosto. Ela pegou a xícara e lhe ofereceu:
—Tome. — Pediu olhando para a mão da menina.
— O que aconteceu? — Serah perguntou pegando a xícara.
Não tomou o líquido. Parecia ser um chá, a cor era um verde musgo daqueles que cresciam na parede dos muros do castelo e o cheiro não era nem pouco agradável.
— Criança, não se lembra? Você caiu de quatro andares. — Ela disse em tom calmo. — Agora você está bem, só precisa tomar o preparado.
— Não era pra mim estar morta? — Perguntou surpresa.
Quatro andares? Isso era rídiculo. Serah era pequena, mas tinha certeza que ninguém cairia dessa altura e sairia vivo para contar.
— Minha criança. — Ela passou a mão pelos cabelos rebeldes da menina. — Você está viva. É isso o que importa.
— Porque importa?
— Por que você é a escolhida. E enquanto estiver viva, teremos esperança. — Ela fala e se vira para ir embora."
A manhã se arrastou da forma mais terrível possível, sua cabeça doía e girava sempre que se mexia rápido demais. Mal se lembrava do gosto do vinho. A última vez que o bebeu era criança, o salão cheio de pessoas dançando e bêbadas não notaram ela, nem Gab, pegarem uma taça escondida e correrem para fora no jardim. Dividiram e quando terminaram estavam aos risos e tontos. Não ousaram levar a taça de volta. Deitaram na grama e ficaram olhando o céu escuro e vazio, sem lua ou estrelas.
Sentia tantas saudades de Gab que grande parte dos seus pensamentos eram sempre voltados a ele. Seu peito se angustiava mesmo sabendo que era por tolice. Gab estava bem, seja lá onde estiverem. Se esforçava para manter os pensamentos ruins longe, ela não suportaria perdê-lo. Sempre que podiam trocavam cartas, a última carta foi ela que enviou, há duas semanas. Não houve respostas. A garota perguntava todos os dias pela tropa enviada ao sul, onde Gab estaria vigiando e lutando caso fosse necessário.
No Sul, Curterius o reino gelado aparentava fortes movimentações de viajantes e pessoas fugindo de sua terra natal. Era ilegal e explicitamente proibido que povos de outros reinos invadissem Portlake.
O reino puro. Divergente de toda magia sanguinária de Halla.
Curterius era a própria perdição, com seus feiticeiros demoníacos e suas rainhas tão velhas quanto as montanhas que os cercavam, sedentas por guerra e destruição.
O rei enviou soldados para a fronteira, as ordens eram claras e cruéis mesmo até para aquele povo. Qualquer um que fosse visto naquelas regiões seria executado e suas cabeças seriam arrancadas e devolvidas para o outro reino, para o gelo. E o resto do corpo? Queimado, até os ossos.
Serah desejava que aquela situação acabasse logo. Que Gab voltasse para si. Que sua mãe parasse de chorar as escondidas, por algo que a filha nem conseguia imaginar. E que seu irmão voltasse a falar com ela. Sentia falta do tempo onde tudo era mais claro, onde uma nuvem de pesadelos não pairava sobre suas cabeças. Precisava de silêncio.
Logo após o almoço, ela subiu até a biblioteca onde seus velhos amigos a estariam esperando. Caminhou entre as prateleiras apenas apreciando a sensação de sossego que aquele espaço com todos aqueles livros lhe causava. Foi até a sessão que mais gostava passando os dedos pelas lombadas de vários tamanhos e cores, fechou os olhos. Serah nunca escolhia um livro para ler, ele era quem sempre a escolhia.
Enquanto passava cegamente pelas obras, ela parou enfim em um que a textura era áspera, abriu os olhos e encontrou um livro de uma cor amarelo queimada, fosca e sua capa parecia desgastada por anos e anos. Era de couro e cheirava a terra. A princesa de Portlake nunca havia visto aquele livro antes. Seu estômago se embrulhou repentinamente, ela levou o livro ao peito e saiu quase correndo do local. Só parou quando chegou ao seu quarto, subiu na cama. Serah não notará o quanto o livro era pesado até colocá-lo na cama, era como se tivesse perdido algo de si que nunca havia notado faltar.
Reparou melhor que não tinha nada escrito na capa, apenas uma mancha que ela não conseguiu adivinhar o que era. Abriu o estranho livro e descobriu de quem ele era. No canto esquerdo da folha uma letra redonda desenhava a seguinte frase "Para meu maior amor, meu legado Sa... Rouenalt."
O primeiro nome estava borrado e Serah jamais havia visto esse sobrenome antes. Era um livro com uma história por trás e que foi dado com amor a alguém, e nada no mundo encantava mais a jovem princesa do que histórias e amor. Ela sorriu e virou a página. Suas sobrancelhas se juntaram em confusão, ela revelou a próxima página, depois outra e outra até o final e fechou o livro frustrada. Estava todo escrito em uma língua que ela não conhecia. Irritada com a descoberta fracassada colocou o velho livro em uma estante perto de sua cama. Pouco tempo depois ouviu batidas na porta, resmungou para que entrasse. Era sua mãe, estava com um doce sorriso no rosto, ela andou até Serah e beijou sua testa.
— Dia ruim? — A rainha questionou.
— Está tão perceptível assim?
— Seu rosto demonstra que encontrou um brinquedo lindo que conquistou cada parte do seu coração, mas que quando foi brincar com ele percebeu que é inútil, que não dá pra fazer nada além de admirá-lo. — Sua mãe disse calmamente.
— Você anda me espionando? — Serah sorriu e a cutucou com o ombro.
Elas estavam sentadas uma do lado da outra, a jovem se perguntava frequentemente de onde os cabelos tão brancos como a neve de sua mãe haviam vindo. Cabelos que Serah não herdou, nem ela, nem seu irmão. Não tinha muitas coisas em que eram parecidas fisicamente. Além do nariz e os olhos claros esverdeados, todas as outras partes delas eram distintas. Porém, o que lhes faltava de iguais em aparência elas tinham em personalidade. Eram espirituosas, apaixonadas pelas pequenas coisas e amantes de livros surrados de páginas amareladas e cheios de aventuras. Sua mãe Elora, era seu lar, seu refúgio e fonte de vida. Não conseguia imaginar uma vida sem ela. Serah segurou a mão da mãe.
— Apenas conheço minha filha, talvez até mais do que a mim mesma.
— Bom, disso não tenho como discordar.
Ficaram quietas, apenas escutando a respiração uma da outra, um tempo depois, Elora suspirou e disse:
— Sei que não é o melhor momento, mas preciso lhe contar algo muito importante. — Seu olhar era distante. — Algo que vai mudar tudo em sua vida, Serah.
— Sobre o que? — Serah perguntou nervosa.
— Sobre quem eu sou, quem você é... — Ela fez uma pausa e apertou a mão da princesa. — E o que você herdou.
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