Antônio começou a trabalhar como jardineiro na fábrica de azulejos e cerâmicas da família Nabuco, conforme prometido pelo Seu Tata, que também era da família Nabuco, mas, não queria pertencer a banda podre do legado.

      Hermes, começou a frenquentar a escola e sua empolgação era sensacional. Foi possível ver nos olhos do menino, o brilho incansável do conhecimento que germinava em sua cabecinha.

      Antônio, se emocionou quando segurou seu salário pela primeira vez, dessa vez foi o choro de pertencimento. Ele, que perdeu tudo, estava recomeçando suas vidas pensando exclusivamente no seu filho.

      Hermes, era seu primeiro, segundo, terceiro e tantos quantos mais outros lugares existissem.

      O menino aprendeu a ler e escrever rapido. As professoras da escola municipal ficaram admiradas com aquele "ratinho" na sala.

      "Ratinho" foi o primeiro e o último motivo desagradável que fez Antônio ir até a escola para conversar com a coordenadora sobre Hermes.

        Uma professora de português chamou Hermes para ir até o quadro verde, participar de um ditado, porém, ao invés de chamá-lo pelo nome o chamou de "ratinho" por causa do seu tamanho pequeno e mirrado.

      A sala de aula foi ao delírio... pareceu algo besta Hermes ter sido chamado de "ratinho"... mas, a "tia" da escola não sabia pelo que o menino passou para deixá-lo fisicamente menor que os outros alunos da idade dele.

      O problema continuou quando os alunos e outros professores começaram a chamá-lo de "ratinho". Hermes, em sua inocência, por gostar de animais e de ter assistido o desenho do Mickey mouse, na casa da sua avó, adorou ser chamado assim.

        Foi durante um desses jantares que as famílias ainda faziam juntas, que o menino pediu com voz infantil: "Passa a sopa para o ratinho com fome". Dona Abigail perguntou sorrindo o porquê do "ratinho"... e, a resposta fez acender as narinas do pai da criança.

          Antônio, pediu para falar com a diretora e com a professora daquele dia. Em cinco minutos ele resumiu como foram os 6 anos de vida do filho.

         A professora, abraçou Antônio e chorando arrependida pediu desculpas. Já a diretora, quando chegou em casa, comentou com o marido o que aconteceu e achou um absurdo o pai do menino a ter importunado para falar sobre um assunto tão besta.

      "Quem nunca teve um apelido? Precisava dessa celeuma toda?"

         Depois do primeiro ano na escola, Hermes consegue alguma notoriedade por causa das excelentes notas e primeiros lugares.

Quando as principais competições anuais da escola estavam para começa, os pais dos outros alunos perguntavam e comentavam entre si:

— Quem vai representar a escola na competição do "Trava Língua"?

— Aquele pretinho do interior!

— O filho do índio?

— Aquele mesmo. Ele é lindinho não é mesmo?

— a mãe deveria cuidar daquele cabelo alto, é tão cafona.

— Dizem as más línguas que a mãe abandonou a família, fugindo com um cara que era caminhoneiro.

— Jura? Que horrível! Pobre criança.

E isso só foi o começo.

Quando Hermes foi representar sua escola na feira de ciências do Estado de Pernambuco no Ginásio O Geraldão, na Imbiribeira, com seu trabalho sobre A DOENÇA DE CHAGAS, que ganhou também lá o primeiro lugar, falavam:

— Não vi nada demais para aquele trabalho ser o primeiro.

— Eu também não, mas, é preto por derradeiro. Mulher, o povo tem pena.

— Verdade... pelo menos uma alegria para quem perdeu toda a família numa desgraça.

— É preto por derradeiro minha filha, parece que nasceu para ser castigado e pagar pelos pecados.

    
     Hermes, aos dezoito anos entrou na Faculdade Federal de Medicina de Pernambuco com a nota 9,8.

      Antônio, juntamente com Dona Abigail e Seu Tota, choraram quando viram o nome do jovem Hermes de Souza no jornal Diário de Pernambuco, colado no mural dentro da escola.

— O Pai Oxalá guiou nosso menino o tempo todo! — Fala Dona Abigail com máxima felicidade e com as mãos juntas ao peito.

     Antônio, não conseguiu formular uma palavra se quer de tanta emoção e chora copiosamente pela vitória do filho que também era a vitória dele.

    Os três choraram abraçados... mas, dessa vez, com a felicidade  estourando os peitos dele com tremenda alegria.

      No decorrer dos anos, vários outros comentários foram feitos. Alguns "Seu Antônio do mercadinho" ficou sabendo, irado e tirou satisfação, outros, o novo Antônio deixou para lá... inclusive no trabalho.

      Eram muitas frentes de lutas para 24 horas e Antônio precisou priorizar... e ele escolheu Hermes de Souza, digo, Doutor Hermes de Souza.