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CAPÍTULO VINTE E DOIS | ÚLTIMAS PALAVRAS
AGORA
LENNON CLARKE
BOSTON, USA
METADE DO OUTONO
Os dias tinham se passado não com a mesma velocidade dos ponteiros do relógio. Nas noites que se seguiram após que a verdade finalmente veio a luz. Finalmente tive coragem de dar voz ao que estava engasgado a anos em minha garganta. Tudo que queria era sumir, voltar para longe. Talvez nunca ter saído de lá.
Lá. O meu lá, era seguro, agradável e não tinha aquele irritante ronco de motor de moto. Nas noites que se seguiram tinha o maldito ronco de um motor em minha janela. Mesmo que meu corpo queimasse de curiosidade por se levantar e sondar entre as velhas cortinas, meus pés covardes me mantinham na cama.
Eu sabia quando ele chegava. Eu sabia quando ele partia, pois eu partia junto com ele. Minhas palavras partiam junto com ele toda manhã, deixando as noites em claro para trás e os ecos das minhas palavras como uma companhia nada agradável.
Ignora-lo era melhor. Ignorar suas chamadas era segurança. Era volta de onde nunca devia ter saído. Não tinha nada mais que ser dito. Tudo estava dito. Tudo estava acabado. Ele teria [...]
Teria um
Avery teria um
F I L H O com outra.
E eu jamais poderia lhe dar um. O destino parecia que tinha decidido por mim. Ou finalmente me dado o que merecia desde que deixei o homem que mais amava para trás.
Agora nada mais importava.
Concluo rolando para o outro lado da cama, dando as costas para janela, junto com o ronco que parecia virar a esquina. Ele tinha ido embora. Eu podia me levantar.
Olho o despertador ao lado do criado mudo.
5:30
Os números eram familiares. Jogando as cobertas para longe, sabia que não conseguiria ficar mais um segundo ali. Sabia que o dia seria longo. Agora com nosso pai em casa a rotina era corrida, não pesada, apesar dos resmungos do homem que não queria que nada mudasse.
E mesmo querendo fugir, meu dever como filha me impelia a continuar ali, resiliente. Ladrona dos pequenos momentos em família que traziam o conforto que talvez a solidão não suprisse.
Desço as escadas silenciosamente. Todos ainda dormiam. Enfio a cafeteira cheia no suporte. Uma pequena companhia em forma de barulho começa. Tiro algumas coisas da geladeira, agradecida por aquele ritual matinal de cozinhar ocupar minha mente.
Estava começando sentir falta do barulho das panelas, do cheiro de alho e cebola fritas e os gritos de alertas. Aquilo era tranquilo demais.
— Assim vamos ficar mau acostumados — Izzie murmura ao passar pela porta coçando os olhos com o peito da mão.
Um meio sorriso brota dos meus lábios, me fazendo perceber que os ponteiros do relógio tinham corrido.
— Hoje temos panquecas de banana.
— As preferidas do papai — resmunga enchendo uma caneca de café — Hum — solta antes de engolir — Esqueci — solta meio esganiçada, esticando um papel em minha direção.
Estreito os olhos, desligando o fogo sobre a frigideira quente e jogando o último disco com banana e canela sobre a pequena pilha de um prato.
Sem curiosidade meu braço se estica agarrando o pequeno envelope que parecia conter algo a mais do que papéis.
— A Lisbon deixou — esclarece.
O que não deixa tudo mais digesto.
Seus olhos castanhos estreitam-se curiosos em minha direção, com várias perguntas passando por suas írises negras, mas os lábios calados pelo café do mesmo tom.
Um baque seco e audível some com as perguntas e encoraja minha mão a arrancar o envelope branco da sua e enfiar no bolso do casaco de lã sobre meus ombros.
— Acho que nosso pai acordou — dou voz ao obvio.
Isobel revira os olhos com um sorriso divertido nos lábios.
— Vou perturba-lo enquanto você termina o café — decreta.
Me deixando sozinha com aquele que queimava em meu bolso e minha mente.
***
Jogo meu corpo sobre a velha cama de solteiro. Soltando todo o peso do mundo sobre os meus ombros que forçam meu corpo mais para baixo, assim que meus dedos gélidos agarram o envelope branco entre as mãos.
Lennon
Meu nome está gravado em frente do papel branco. Meu nome está gravado com uma letra cursiva que conhecia. Era meu nome. Meu maldito nome que reverbera na minha mente com a voz de uma pessoa que fazia meu coração doer, partir-se em mil.
Era a letra dele.
Meu corpo finalmente chega ao chão. A cama agora apoia minhas costas, de uma forma nada aconchegante. Nada seria aconchegante naquele momento. Talvez algum lugar do passado.
Em um passado sem erros, medos e covardias.
Meu coração se aperta. Os olhos queimam. As lágrimas nublam minha visam e trancam minha traqueia. Meu coração retumba assim que meus dedos tocam a aba do envelope. Espio sem vontade para dentro, revirando meu estômago quase vazio.
Uma chave.
Uma pequena e prateada chave.
Meus dedos gélidos tocam o metal quente. Meu coração para. Sopro o ar sem força pelos meus lábios.
Era a chave da nossa casa
Aquela constatação quase morre no meu peito, que grita em plenos pulmões para parar por ali.
Parte de mim não queria saber de mais. Aquilo era suficiente. Aquilo podia significar tudo. Aquilo podia significar nada.
Eu não sabia o que queria que significasse.
Eu não queria aquilo.
Argo o ar pelos lábios trêmulos, sem vontade arranco o papel de dentro. São três folhas dobradas em três partes. Quase surda pelo retumbar do meu coração que queima minhas bochechas as desdobro.
Um papel pequeno cai sobre o meu colo.
Reconheço a caligrafia em poucas palavras e linhas.
Entre os dedos posiciono o pequeno bilhete na altura dos meus olhos.
Non, je ne regrette rien
Quero que seja livre, para voltar para mim, quando estiver pronta.
Leve o tempo que for.
Sempre terá um lar te esperando para voltar.
Eu sou o seu lar.
Não esqueça
Linhas de água rolam sobre minha bochecha, deixando um sabor amargo em minha língua. Minha garganta se fecha. Meu coração se aperta. E tudo que queria. E tudo o que não queria, estava naquele bilhete.
Por um impulso abro os papéis, com um título visível: DIVÓRCIO
A folha da frente estava rubricada. A seguinte também. A última estava assinada onde dizia: John Avery.
Desabo.
Perco tudo.
Tudo se perde.
Ele tinha assinado o divórcio.
Choro. Soluço. Meu coração se aperta e despedaça. Não consigo ler mais nada além de apertar os malditos papéis que tanto ansiei entre os meus dedos com força e contra o meu peito.
— Avery — soluço.
Tinha tudo o que queria. E tinha acabado de perceber que não era o que queria. Não queria perde-lo. Eu o tinha perdido. Finalmente estava acabado.
Era o fim.
Meu corpo exausto tomba para o lado sobre o carpe bege. Encolho minhas pernas em posição fetal, apertando os olhos com força. A dor está ali. A dor está por todos os lados. Tudo dói. Meu maldito coração dói. Meu coração foi arrancado.
— Avery — soluço, com o papel contra meu peito.
Era a terceira vez na vida que sentia a dor da perda.
***
O eco da porta do batendo ao meu lado é vazio que invade meu interior. Do outro lado da janela as duas únicas pessoas da minha família balançam em mão em um silêncio ensurdecedor.
Pela enésima vez naquela manhã olho sobre os meus ombros, notando a ausência de dois dias da moto que não roncava na minha janela. Não queria Avery ali, não mesmo. Mas não conseguia ignorar sua notável ausência.
Balanço a mão por uma última vez, deixando para trás o adeus ao meu pai e minha irmã.
— Podemos ir — murmuro, deixando para trás minha família.
Libero o ar dos meus pulmões exaustos por dividirem espaço com um coração cansado de sofrer. Porém sem ignorar a pontada de alívio por meu pai estar bem. O vendavam tinha entrado, voltado, passado mais uma vez e saído da minha vida.
Voltar para casa tinha sido uma experiência perturbadora. Tudo tinha voltado. As emoções tinham voltado. Avery tinha se alastrado. Tobias tinha ido embora. A verdade tinha vindo à tona. A solidão continuava ali, sentada ao meu lado, voltando para casa.
Um sopro sai dos meus lábios.
E tudo que escuto é o motor de uma moto no meio do trânsito caótico da manhã.
Aperto os olhos, irritada com a minha mente traiçoeira.
O ronco se repete.
Abro os olhos.
Olho pela janela ao meu lado.
O ar é tragado dos meus pulmões.
Um homem de capacete, sobre a moto seguia o táxi.
— Passe — escuto o condutor gritar junto com a buzina.
Mesmo por detrás do capacete sabia a cor dos olhos que encontraria. Sabia o formato do rosto, do nariz, o contorno dos lábios, o sabor da boca, conhecia cada centímetro do corpo do homem trajando jaqueta de couro.
— Avery — não tenho certeza se aquelas palavras saem da minha boca.
Apenas sinto a ligeira lágrima fujona que escapa, molhando o meu rosto. Meu coração se aperta em um caroço, se despedaça em mil e continua a forçar contra as minhas costelas em um misto de dor com nostalgia .
Podia mandar parar aquele táxi. Queria parar. Correr para aqueles braços. Afundar minhas narinas naquele pescoço. Aconchegar meu corpo naquele colo e esquecer de tudo.
Queria.
Mas...
Mas não podia. Não devia. Eu precisava dele. Mas eu precisava mais de mim, precisava mais de estabilidade para entender tudo e saber o que fazer.
Sua mão espalma-se contra a janela.
Outra lágrima foge.
— Quer que eu pare? — a voz do desconhecido no banco da frente não ajuda na minha confusão.
Avery continua lá. A mão continua lá. A moto continua no ritmo do táxi. O taxista continua esperando.
Em um reflexo espalmo minha mão do outro lado do vidro. Chacoalho a cabeça em negativa para mil e uma perguntas que foram feitas e as caladas.
— Não — não tenho certeza para quem digo isso — Eu preciso partir. Me deixe ir — minha última frase sai balbuciada.
O visor do capacete se levanta. Vejo a tristeza. Sinto e compartilho daquela tristeza.
O táxi segue. A moto fica para trás em um semáforo que se fecha. Sobro os olhos o deixo uma vez mais. Sobre os meus olhos vou embora uma vez mais. Sopro o ar para fora, caindo em um silencioso choro.
— Adeus, meu amor — murmuro para a imagem que não vejo mais..
Ainda não acabou. Essa semana ainda teremos um último capítulo, com um pequeno epílogo.
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