21 | antes |é melhor assim
BOSTON, USA
FIM DO VERÃO
Só mais dois dias longe ✓ ✓
Curvo os lábios com aquela mensagem que meus olhos vislumbram, sem a certeza se aquela informação era algo bom ou ruim. Pois em dois dias teria que encarar Avery, junto com uma verdade que andava me roubando o sono, e os medos que não deixavam meu interior.
Estou com saudades. Não vejo a hora de você voltar ✓ ✓
As palavras que meus dedos digitam e depois enviam são sinceras. E sem esperar resposta, enfio o aparelho telefônico dentro da bolsa, fechando o armário metálico em um estridente barulho que ressoa pelo ambiente pequeno. Agarro o avental abandonado ao meu lado, o envolvo em meu quadril, fazendo um nó guiado apenas por meus dedos experientes.
Rumo para mais um turno da noite no Leminski. O jantar transcorre tranquilo e o serviço termina meia hora antes do previsto. Presenteando-me com um tempo sozinha, em silêncio, assim que todos esvaziam a cozinha e rumam em direção as suas casas.
Encaro a solitária taça cheia com um liquido bordo. Meus dedos brincam com o fino e sensível corpo da taça que alargava-se no topo. Meus lábios saboreiam o sabor de uvas envelhecidas. Porém não apagam o vazio e a solidão que me acompanhavam nos últimos dias.
Há alguns dias evitava voltar para casa e encarar a sensação de solidão que parecia me consumir. Queria afundar minhas narinas nos lençóis e nas roupas com o aroma do meu marido, como se fosse a única coisa que me restasse dele.
Não conseguia ignorar aquela maldita sensação, aquela espera, como se a cada mensagem que abrisse, algumas palavras pudessem me quebrar, como se ao atender uma chamada a única voz que ansiava por ouvir pudesse me partir ao meio. Como se passasse os dias esperando o inevitável.
Sopro o ar por entre meus lábios abertos.
Mas a sensação não sai com o ar, continua emaranhada no meu peito.
Um estridente barulho invade minha solidão, tencionando meus ombros desprevenidos. Concentro minha atenção na origem do barulho, algo pausado, repetido, mas com intervalos.
Parecia algo chocando-se contra outra coisa metálica. Finalmente identifico o som, da quase nunca, solicitada por dos fundos. Meus passos são receosos, meus tímpanos alertas, tentam identificar o causador daquela invasão, considerando um perigo que só não era mais intenso devido as minhas emoções que já transbordavam.
Meus pés aproximam-se cautelosos da alta e larga porta metálica, que dava um escuro e estreito beco.
— Quem é? — as palavras saem trêmulas por entre meus lábios
Silêncio
— Sou eu — uma voz masculina que desconheço grita do outro lado — Tobias.
E todo o medo se esvai, permitindo que minha mão envolva a pequena chave e abra a sonora fechadura, revelando a figura estática e sorridente do homem de cabelos castanhos e olhos claros.
— O que você está fazendo aqui? — meu tom murcha seus ombros.
Obrigando seus lábios a se selarem e curvarem um sorriso, quase um pedido de desculpas silencioso pela intromissão. Mas não lembrava-me de termos marcado algo.
— Queria saber como você estava — estreito meus olhos em sua direção diante daquela revelação — Vi a luz acessa.
Tobias diminui a nossa distância, afundado um dos seus pés em minha direção, sua cabeça estica-se por sobre meus ombros, como se procurasse algo ou alguém.
— Posso entrar? — suas palavras são receosos e seus olhos vagam em minha direção.
Me fazendo perceber que uma das minhas mãos segurava a porta e a outra apoiava-se no batente, tornando meu corpo uma barreira humana para qualquer passagem. Em outro momento me desculparia e o deixaria entrar, mas precisava ficar sozinha.
— Já estou de saída — minto.
Seus ombros murcham sob a camisa bege. Ele acena, respeitando as minhas palavras, guarda suas mãos nos bolsos da sua calça.
— Há dias queria saber como você estava — seus lábios revelam — Fiquei sabendo que você passou mal.
Certamente ele tinha ficado sabendo, pois tínhamos um encontro na noite daquele dia. Meus lábios curvam-se, gratos pela preocupação.
— Não foi nada — novamente minto.
Seus dentes ficam amostra com seus lábios que resplandecem algo genuíno.
— Fico feliz em saber.
Maneio grata.
Seus olhos me encaram, como se procurassem algo. Ele me observa. Vasculha cada detalhe do meu rosto. Estreita seus olhos em minha direção. Encara minha mão segurando a porta, um obstáculo que parece incomoda-lo.
— Você não parece bem — não sei se suas palavras são uma constatação ou apenas uma jogada que dá certo.
— Apensa cansada — desconverso.
Tobias acena, paciente e calmo como sempre. Suas pálpebras abrem e se fecham sem pressa. Seus pés não recuam, afundam-se em minha direção, suas irises cristalinas me prendem. Sua respiração resfolega contra a minha face. Não recuo, permaneço estática.
E minha falta de reação parece uma autorização para sua mão encaixar-se em meu queixo. Aperto minhas pálpebras, querendo ignorar aquele toque, ou fingir que não era daquela pessoa.
— Eu vou embora amanhã — aquelas palavras salpicam contra os meus lábios fechados.
Aceno em resposta.
Apenas sentindo aquele contato humano que afasta alguns fantasmas.
— Certeza que não quer vir comigo — seus lábios roçam nos meus, sem pressa.
Como se esperassem uma reprovação, que não vem do meu corpo estático. Seus lábios selam os meus, acolhendo meu interior vazio, arrancando os pesadelos que me assombravam acordada. Não resisto a sua língua que acaricia a minha, apenas me entregando a uma sensação diferente.
Finalmente não estava mais caindo, algo tinha segurado a minha mão. Alguém diferente, algo que não partiria meu coração. Pois jamais o teria.
O beijo é calmo, sereno, sem pressa, mas cheio de carinho. Nossos lábios se afastam, se repelem. Finalmente abro os olhos, encarando a figura do homem que parecia tentador, com uma proposta tentadora.
— Vem comigo? — e como o diabo ele insiste.
Me dando a um alternativa a tudo que queria evitar e fugir. Me permitindo não ter que encara as avelãs de Avery só para quebra-las com uma notícia que poderia nos destruir. E antecipando-me, eu destruo tudo com aquele beijo.
Trago a amarga saliva da minha covardia.
Me entregando a aquele temor da sensação da espera do inevitável.
Eu amava o Avery, mas do que a mim mesmo. O amava tanto, que sem ele morreria, parte de mim se iria com ele. E seria como viver como uma perna só. O amava, não podia roubar tudo dele, não daquele jeito.
Aceno positivamente.
— Aceito
John Avery
Não sou uma mulher de palavras como você, nem se quer sabia o que dizer nos nossos votos no dia do nosso casamento, então vou ser clichê: você foi, é, e sempre será a melhor coisa que aconteceu na minha vida.
Nunca acreditei no amor antes de você. Tinha uma visão equivocado do que era ser feliz e amar, até você cruzar o meu caminho pela segunda vez e mostrar meus erros.
Eu amei me jogar com você, arriscar, apostar e brincar de ser feliz.
Porém felizes para sempre não é para pessoas como nós, como eu. Nunca vou ter o meu feliz para sempre, o conto de fadas perfeito. Mas não vou roubar a chance de você ter o seu, então é o seguinte:
Não me odeie
Não me julgue
Não me procure
Não pense
Não me guarde no seu coração, nem nas suas lembranças
Me jogue fora
Venda a nossa casa
Me esqueça
E seja feliz
Ei, espera mais um pouco antes de surtar, porque não terminei, só mais algumas palavras, são poucas, prometo. Apesar de querer escrever um livro para dizer o que quero e ainda assim sei que faltaria.
Tem tantas coisas que você ignora meu amor. E desculpa por esconder de você.
Nos últimos dias aconteceram tantas coisas, das quais jamais terei coragem de te contar. Porém o que importa é que descobri que sou covarde e tenho medo, muitos medos.
Meu maior medo é te perder. Olhar os seus olhos e não encontrar o amor que me faz ser corajosa. Não ser mais suficiente para você, simplesmente porque a vida é mais do que apenas nós dois.
Tenho medo que um dia você me olhe e perceba que cometeu um erro. Tenho medo de acordar e você não estar mais do meu lado, segurando a minha mão. Esse medo está me consumindo, me comendo e correndo, mas é bom que seja assim, porque não vai restar mais nada dessa Lennon, e talvez eu possa viver e sobreviver sem você.
Eu adverti que seria clichê: o problema sou eu, não você.
Não procure onde errou. Não perca o sono caçando erros, porque não vai encontra-los. A vida errou com nós, talvez tenha sido um erro nossos caminhos se cruzarem.
Se pudesse voltaria no tempo, talvez para nunca ter te conhecido, para nunca ter conhecido o amor que agora me sufoca e mata. O amor dói. Agora vejo isso. Mas não se culpe, como disse é culpa da vida.
Eu estou indo embora, estou te deixando, não adianta você subir as escadas e me procurar no nosso quarto, não vou estar lá, em nenhum outro cômodo. Então termine essa carta. Eu preciso partir.
Eu preciso ir. Agora que descobri que nunca teremos um final feliz, um a mais, eu preciso fugir, correr para longe de tudo que me faz feliz, só para me salvar e ser feliz. Preciso me agarrar ao único sonho que me sobrou, meu amor pela culinária.
Eu vou segui-lo, vou atrás dos sonhos que deixei de sonhar quando você tornou-se meu único desejo. Agora preciso voltar a ser a velha Lennon e deixar com você a minha versão que sempre te pertencerá.
A versão que sempre será a sua garota.
Meu lado egoísta, não o que está te deixando, espera um dia te reencontra, mas sei que não o faremos.
Porém se isso acontecer, não me dê as costas, sorria por aquilo que vivemos e me conte sobre a sua nova vida, melhor, magnifica e mais feliz do que você jamais viveu até esse momento. Depois você pode partir, me deixando para trás. Não olhe para trás, porque eu vou estar te observando. Não volte, porque eu vou estar te esperando. E mesmo que me afogue em tudo que não devia me permitirei.
Mas pare, não posso permitir que você faça isso, tenho que salva-lo, salva-lo de mim e me salvar de você.
E talvez em algum mundo paralelo outras versões de nós são felizes juntos.
Mas essas nossas versões, a que eu conheço de você a que você conhece de mim, não podem viver juntos, muito menos ter um felizes para sempre. Simplesmente porque o amor eterno é aquela pequena fração que vivemos, como nós um verão.
Acredite, se vivêssemos juntos toda uma vida, seriamos infelizes. A vida nós consume, a rotina nos tritura, os anos nos engolem e a frustração nós digere, na melhor versão daquilo que somos, nada.
E é melhor que acabe assim, com tudo que vivemos intacto em uma versão bonita, igual um pequeno conto, que não nós mostra a rotina, os defeitos e tudo que deu e dará errado.
Por isso te deixo hoje com um adeus.
Mesmo não devendo: amo você
Lennon Clarke
sempre sua garota
Meus olhos cansados passam por aquelas palavras escritas pelo meu coração. As encaro. As releio.
Não posso
Não podia deixar aquilo para ele, não daquele jeito, não podia, ele jamais aceitaria, não devia dizer aquelas coisas, que o amava. Não era certo deixar tanto para trás, um alimento que ele não precisava.
Agarro a folha em branco entre meus dedos, que amassam o papel com facilidade. Aperto com força. Meu coração dói como se estivesse o esmagando junto com tudo que queria dizer, com a vontade de ficar.
Recosto meu corpo na sua cadeira, uma cadeira de madeira com rodinhas, uma peça rara e antiga. Meus olhos passeiam por sua escrivaninha escondida em um pequeno espaço entre paredes escondido no primeiro andar, nada significativo para ser considerado um cômodo.
Algo quente molha a minha face, junto com os meus dedos que agarram mais uma folha de papel. Engulo a saliva e fecho meu coração, tendo a certeza de que o que deixasse para trás tinha que ser racional e preciso. Nada íntimo. Precisava que ele me deixasse com a mesma facilidade que o estava deixando, fosse egoísta como eu.
E é o que meus dedos fazem, a ingrata função de escrever uma página egoísta, cruel e realista, assim como eu. Abandono sem muito apego o pequeno envelope sobre a ilha da cozinha, recostado no moedor de pimenta, bem onde ele deixava suas chaves.
Não olho para trás quando meus dedos envolvem a alça da única mala que restava carregar até a porta. Mesmo não querendo meus olhos caminham pelos cômodos do primeiro andar. A cozinha onde fizemos amor pela primeira vez naquela casa. O sofá em que dormimos abraçados diversas noites. O jardim em que contemplamos as estrelas e tomamos chuva, apenas porque era divertido. Ignoro o segundo andar, tendo a certeza que se pudesse queimaria a cama do nosso quarto, só para sermos eternizados ali.
Sem derramar um lágrima, preferindo as entala-las em minha garganta, dou as costas para todas as lembranças, as danças, as brincadeiras, as cantorias, a noites perdidas e as conversas paralelas, as que tivemos e as que nunca chegaríamos a ter.
Assim como os filhos que nunca correriam por aquele lugar.
E imitando a minha vida egoísta.
Dou as costas para tudo, de uma forma egoísta deixo tudo para trás. Deixo John Avery, meu marido e idiota no passado.
E o fim está próximo
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