08 | agora | medos
BOSTON, USA
METADE DO OUTONO
O silêncio da noite é acolhedor, o canto de uma cigarra estridente é uma composição única. E a solidão é o melhor companheiro que poderia pedir para terminar aquele dia. Apoio entre meus lábios o papelote branco de nicotina, enquanto meus dedos envolvem o isqueiro branco e meu polegar risca a pequena peça arredondada e áspera que produz a única chama presente naquela noite.
Sustento a chama na ponta do cigarro entre meus lábios, tragando a nicotina aquecida, permito que meus pulmões inalem aquele tóxico, enquanto sento minha mente esvaziar.
Apoio o pequeno isqueiro no piso de tijolo ao meu lado, enquanto estico minhas pernas sobre o piso do mesmo material, observo o jardim com gramado verde e silencioso.
Trago a nicotina, entreabrindo meus lábios para expelir a fumaça. Definitivamente roubar os cigarros da Izzie tinha sido a melhor sobremesa para aquela noite, após um almoço amargo com Tobias – ele não tinha percebido nada, apenas estranhou o fato de querer terminar cedo aquele momento -, e seguido por um jantar acalorado com os únicos dos membros da minha família, necessitava daquele momento.
Mesmo não querendo ficar sozinha, mesmo tentando evitar tatuar em minha mente a única imagem que buscava evitar em todos aqueles anos: o olhar de desprezo de Avery. Cá estou eu, só e com a imagem piscando em minha mente.
Trago a fumaça, engolindo junto as lembranças latentes daquele dia.
Tudo o que eu queria evitar nos últimos anos era encontrar Avery, sentir meu coração palpitar vivido, só para ganhar seu olhar de desprezo. Por que tinha fugido até aquele momento? Exatamente para evitar tudo aquilo. Para como uma covarde deixar para trás tudo o que podia me destruir.
E tudo que era relacionado com John Avery poderia me esmagar.
Umedeço meus lábios secos, somente para voltar a apoiar o papelote de nicotina que evitava experimentar desde meu último ano na França, um suplício, uma exigência do chefe do último restaurante que tinha trabalhado em Paris. E após horas em pé, ouvindo gritos, sem intervalos, a necessidade do vicio se foi de forma natural.
Eu trai
Aperto minhas pálpebras, não conseguindo conter o tremor que caminha pela minha coluna até o topo da minha cabeça, não ignorando o enjoo que se formava embaixo das minhas costelas.
Amaldiço cada parte do meu ser por ter proferido aquilo, daquela forma tão vivida, as únicas palavras que sabia serem capazes de destruí-lo, de afasta-lo de mim.
Talvez uma autopreservação? Talvez.
Talvez burrice? Certamente.
— Então foi você que sequestrou meus cigarros — aquelas palavras anunciam a chegada da mulher de cabeleira castanha e sorridente.
Em um pulo, Isobel dobra seus joelhos, alojando suas nádegas no espaço vazio ao meu lado. Com uma habilidade impressionante agarra a carteira de papel de cigarro no nosso meio, queimando a ponta com a chama produzida pelo isqueiro.
— Vai me contar o que aconteceu hoje? — seus lábios proferem aquele questionamento em meio a fumaça expelida.
De soslaio a observo. Enquanto pondero como iria responder aquela pergunta: se com a verdade ou uma mentira. Trago a saliva com gosto de nicotina. Pressionando o papelote de papel contra o piso e largando ali mesmo o filtro usado.
Observo a escuridão da noite, uma escuridão que me acompanhava há dois anos. A escuridão que era meu futuro incerto, um tempo para frente do presente que não conseguia vislumbrar, nem sonhar.
— O Avery me viu com o Tobias — as palavras saem doloridas.
A jovem do meu lado tosse afogada. A encaro, contemplando resquício de fumaça saindo por entre seus lábios e narinas, enquanto seu abdômen oscilava tentando cessar aquele ato involuntário do seu corpo.
— Como? — as palavras saem engasgadas, seus olhos estão avermelhados.
Contrariada ela abandona o cigarro amassado ao seu lado. Me encarando em busca de uma resposta que vem em um suave balançar positivo da minha cabeça.
— Que droga Lennon — ela pragueja com as palavras mais audíveis — O que ele fez?
O que ele fez?
Volto a encarar a escuridão. Sabendo a resposta que iria queimar em minha língua, mas ainda doía em meu interior: ele me enfrentou, ficou irritado, quebrou um espelho, saiu deixando para trás tudo que eu mais temia o seu olhar de desprezo.
— Acho que finalmente — as palavras, se prendem em minha traqueia, embargadas — Finamente vai me esquecer.
Fecho as pálpebras, tentando ignorar a dor que se alastrava em meu interior com aquelas palavras. Era curioso, nós seres humanos éramos curiosos, queríamos tanto algo e quando conseguíamos ainda sentíamo-nos insatisfeitos.
— Você é uma idiota — aquelas palavras me atingem com precisão.
Giro milimetricamente meu pescoço, lançando meu melhor olhar de indignação para a pessoa que deveria me apoiar e estava ali, me ofendendo.
— Sério? — cuspo entre meus lábios.
Ela assente imóvel no seu espaço.
— Sério — sua língua silaba as vogais e consoantes — Qual é o seu problema Lennon? — e como se não entendesse nada, ela dispara — Por que você não conta tudo para ele?
Maneio negativamente a cabeça, não por discordar das suas palavras, mas por não concordar com sua postura nada fraternal.
— Já contei — dou de ombros, sentindo a ponta do meu nariz queimar, assim como meus olhos — Eu contei que o trai — desvio o olhar.
Uma gota fujona escapa da minha pálpebra, corro a ponta do meu dedo em sua direção, tentando apagar qualquer resquício de arrependimento.
Sabe quando você sente que fez tudo errado? Que está no lugar errado? Mas não pode voltar para trás, porque tudo aquilo a que você deu as costas simplesmente não existe mais. Iria retroceder meus passos para onde? O Avery não estaria mais me esperando.
Assim como eu quis desde o começo
— Mas aposto que omitiu tudo que aconteceu antes? — e a única pessoa que sabia o que tinha acontecido há dois anos atrás, finalmente toca no passado — Que você estava vulnerável, se sentindo mal e insegura, contou? — seu olhar me analisa — Que tudo não passou de um beijo?
Maneio negativamente a cabeça, sentindo que estávamos falando duas línguas diferentes, discutindo assuntos diversos.
— Para que Isobel? — a encaro — Contar o que?
Ela me observa. Seus olhos vagam por mim, pelo meu rosto, pelo meu corpo, voltando a se fixar nos meus olhos, esboçando toda sua reprovação, a mesma do início.
— Você não entende— murmuro, com um nó intragável em minha garganta.
— Não — aquela palavra me alcança — Você tinha um marido que beijava o chão que você pisava, o final feliz que todas nós mulheres sonhamos. E simplesmente jogou fora.
Sopro o ar entre meus lábios. Impulsiono meu corpo para frente, empertigando meus joelhos, passo meus dedos entre minhas madeixas soltas, caminhando alguns passos de distância daquela mulher que parecia mais a minha razão falando.
— Não existe final feliz para pessoas como eu — sussurro, mais para o meu coração inquieto do que para a minha irmã.
— Por que? — e a voz que não era da minha consciência dispara.
Giro os calcanhares, contemplando a figura impassível da jovem sentada no degrau de tijolos, com os joelhos dobrados e os braços repousados em suas pernas.
— Você sabe — evito falar sobre o assunto.
Ela maneia negativamente a cabeça, enquanto seus globos oculares giram dentro da orbe.
— Eu sei que você insiste em dizer que não quer repetir os erros da nossa mãe — e minhas palavras são jogadas contra mim — Mas você se esquece que você não é a nossa mãe, nem o Avery é nosso pai, você não pode prever como ele reagiria se soubesse de tudo — suas palavras são precisas.
Movimento minha mandíbula, enquanto meus dentes rangem sem se tocarem, encaro a mulher que não era a minha razão. Odiava Isobel, naquele momento todo amor havia se transformado em ódio, pois suas palavras soavam tão verdadeiras.
— Está tudo bem aqui meninas? — e alheio a tudo a cabeleira grisalha do nosso pai atravessa o vão entre a porta e o batente.
Encaro Isobel, que mantem suas írises fixas em mim. Caminho meu olhar alguns centímetros atrás dela, em direção a porta de madeira quadriculada com espaço para vidros.
— Está — murmuro, encerrando aquela conversa.
E afogando qualquer resquício de razão que Izzie parecia ter.
—Então é isso senhorita Lennon Clarke — o homem alto, loiro e de olhos azuis murmura com a voz enroscada enquanto o gélido ar do outono de Boston envolve nossos corpos — Vai continuar me escondendo da sua família?
Meus olhos fujões caminham em direção a movimentada rua, fingindo estar procurando um meio de locomoção que nos levasse para casa e me ajudasse a fugir daquela discussão.
— É complicado Tobias — murmuro não captando nenhum táxi.
Droga
Quando você não precisa tropeça em táxi, mas quando você necessita parece que se escondem em algum buraco sem endereço.
— Por causa do seu marido ? — aquele questionamento escapa tremulo por entre os lábios do homem alto e belo com sua camisa de poá– azul com bolinhas brancas – e um paletó azul.
Maneio a cabeça, ponderando aquele questionamento. Poderia afirmar categoricamente que meu pai amava John Avery, que mesmo sem saber de toda a história, jamais deixava de jogar suas ensaiadas insinuadas.
Além que, eu ansiava por proteger Tobias, ainda estava casada no papel, mesmo ele não gostando disso, minha família seria cordial e educada, mas não seria capaz de ignorar aquele fato: ele não era o meu marido e ainda era casada.
Uma suave tosse persistente alcança meus tímpanos, roubando a atenção dos meus olhos que são atraídos para a figura estática ao meu lado.
Meus olhos se prendem na figura de pele avermelha, que invadia a ponta dos seus dedos entre a gola da camisa e sua pele, como se o tecido estivesse o sufocando.
Ele volta a tossir, limpando a garganta que parecia irritada quebrando meu momentâneo transe.
— Você está bem? — estreito meus olhos em sua figura.
O homem de cabelos loiros maneia negativamente a cabeça, enquanto suas unhas roçam a fina pele do seu pescoço.
— Estou com uma coceira — sua traqueia pigarreia, como se tentasse eliminar algo — Droga, não comi nada.
Estreito meu olhar na sua direção, sem conseguir ignorar sua aparente reação alérgica que não me era desconhecida. Apressadamente volto a balançar minha mão, com os olhos vidrados no homem ao meu lado e não mais a procura de um táxi.
— O que você pediu de sobremesa? — e dou voz a minha falta de atenção que predominou no jantar daquela noite.
Ele tosse e coça a garganta em um grotesco barulho que impactam meus tímpanos. O barulho da borracha com o asfalto frio tomam minha atenção, que não ignora o veículo amarelo que para rente ao meio fio, bem na nossa frente.
Rapidamente meus dedos envolvem a metálica maçaneta da porta, dando passagem para o corpo másculo que começava a deixar o tom rosado para assumir um tom avermelhado.
Mal espero Tobias arrastar seu corpo sobre o banco e alojo o meu, fechando a porta em um baque seco.
— Para o hospital — minhas palavras são rápidas e precisas.
O motorista que não ousa questionar, toma o rumo. Enquanto meus olhos repousam no homem ao meu lado que se coça como um animal sarnento, enquanto seus lábios começam a se inchar, assim como suas pálpebras, a um olhar desatento não prestaria atenção aos sinais, mas lá estavam eles, principalmente para mim que convivia com aquele homem.
— O que você comeu? — insisto na minha pergunta.
— Eu pedi aquele doce sírio — finalmente a resposta escapa com certa dificuldade dos lábios do homem com uma reação alérgica.
Meus globos oculares giram dentro da orbe. Seu idiota.
— Aquele doce tem amendoim — e finalmente o curto mistério é revelado.
Não sei se o taxista gorducho ficou com medo de Tobias morrer no banco de trás do seu táxi ou se por pura eficiência chegamos ao hospital central antes que pudesse me dar conta.
O atendimento foi mais rápido. E antes da meia noite já estávamos no hotel do Tobias, com ele sonolento e letárgico devido a injeção de adrenalinas e histamínico injetada em seu corpo.
Afundo as palmas das minhas mãos na cama com colchão de molas e um lençol irritantemente branco, arrastando meu corpo quase para o meio da espuma quadricular. Alojo meu corpo do lado do homem com o corpo estirado, ainda com sua calça de alfaiataria e camisa, mas sem sapatos.
— Está melhor? — dou voz a minha preocupação.
Os olhos azuis claros de Tobias vagam em direção aos meus, seus lábios se curvam preguiçosos, com sua pele já sem vermelhidão, ou qualquer som que fosse produzido da sua garganta irritada devido a descuidada ingestão de amendoim.
— Sim — sua língua resvala nos seus dentes.
Preguiçosamente o homem sobre efeito de remédios gira seu corpo para o lado, apoiando sua cabelereira loira em meu colo, envolvendo a minha cintura com seus musculosos braços.
— O que seria de mim sem você — seus lábios murmuram aquela famosa frase — Eu tenho medo.
Meus dedos se afundam em suas madeixas, acariciando seu couro cabeludo quente e seco. Meus tímpanos não ignoram o inalar de ar de suas narinas em aprovação a aquele afago.
Tobias Pullman tinha entrado na minha vida no momento em que tudo perdia o sentido, que o futuro era incerto, meu coração estava machucado e em eminencia de ser destruído. Ele invadiu meu mundo como quem não queria nada, mas levando tudo. Não queria ama-lo, não podia ama-lo, meu coração não permitiria. Porém o amava, de uma forma profunda amava a sensação de segurança que estar em seu mundo me trazia.
Não tinha surpresas em seu mundo, oscilações, decisões impetuosas, propostas inesperadas, apenas dava passos firmes ao seu lado, jamais em sua direção, como acontecia com ele, como acontecia com John Avery.
John Avery, meu – ainda – marido. Era um mar revoltoso, um lago profundo, uma cachoeira estridente, uma tempestade de verão que nos assustava, mas sua gélida brisa era apreciável na manhã seguinte. Com ele era tudo que não conhecia de mim mesma, era como ir a um restaurante diferente toda noite, uma surpresa sem fim.
Mas teve fim.
Tinha que ser assim.
E com Tobias Pullman tudo era calma, um mar de ressaca, sem surpresas, aquela chuva calma no final da tarde que te convidava a sentar na janela e bebericar uma xícara de chá, sem pressa. E eu precisava daquilo, ansiava por aquilo, pois assim jamais teria meu coração quebrado.
— Medo de que? — finalmente aquele questionamento queima em meus lábios.
Seus dedos se afundam contra minha pele, suavemente fecho minhas pálpebras com aquele toque acolhedor, não conseguindo ignorar a corrente que passeia pelo meu corpo e a sensação de segurança que se irradia em meu interior.
— Você está diferente — os movimentos dos meus dedos se detêm com aquele comentário.
— Diferente como? — balbucio, encarando seu rosto afundado na minha coxa.
Sua rala barba roça no tecido jeans da minha calça, como se estivesse acabado de acordar.
— Você está distante desde que chegamos aqui — seus lábios expelem aquele som em movimentos preguiçosos — Me apresentou como um amigo ao seu pai. Evita me levar para a sua casa e quando está comigo, parece que não está, apenas o seu corpo está, mas seus pensamentos estão em outro lugar.
Sinto a ponta do meu nariz arder, elevo a palma da minha mão, voltando ao topo da sua cabeça, afago suas madeixas, dessa vez sem dedos, apenas com a palma que repousa em seu largo ombro.
Sem conseguir ignorar a gritante verdade em suas palavras. Queria dizer que era coisa da sua cabeça. Que estava preocupada com o meu pai, que não estava com os pensamentos em outro lugar, ou em outra pessoa.
Contudo não pude evita em selar meus lábios.
— Sei que nunca fui sua primeira opção — agradeço quando seus lábios se entreabrem produzindo som — Você ainda murmura o nome dele enquanto dorme a noite, mas nunca o meu.
Minhas pálpebras se unem, dedos imaginários esmagam o músculo alojado no meu peito, um caroço se entala na minha garganta, uma lágrima fujona vaza da minha pálpebra.
Seco aquela gota de água culposa, diante da revelação daquele fato que não sei se doía mais em mim por não conseguir fingir sempre, ou nele.
— Mas não me importo — apesar de verdadeiras, suas palavras não amenizam a minha culpa — Porque você está em outro continente comigo — seus lábios se fecham e tragam a saliva em uma pausa preguiçosa — Mas aqui, onde ele vive, sinto que você está me escapando entre os dedos. E não quero perde-la, Lennon.
Meus dedos afagam seu ombro, os seus caminham, quase se tocando, quando seus braços envolvem com mais força a minha cintura.
— Eu não vou a lugar nenhum — murmuro uma verdade que doía.
Mesmo que quisesse correr em direção a John Avery, não o faria, não poderia fazê-lo, não poderia quebrar meu coração, por isso a única certeza que tinha era a de que continuaria caminhando ao lado de Tobias.
— Promete? — suas palavras saem animadas.
Maneio positivamente a cabeça, mais para mim do que para seus olhos cobertos por suas pálpebras.
—Prometo.
Tarde
Mas saiu o capítulo meu povo
Quero agradecer as meninas fiéis que estão me acompanhando nessa maratona .
O capítulo de hoje não tem momento Avery é Lennon, mas temos momentos importantes.
Amanhã é o último dia.
ATENÇÃO
AMANHÃ PROMETE
CHAMEM O BOMBEIRO
PORQUE AS COISAS VÃO PEGAR FOGO
Me encontre nas redes sociais para novidades e spoiler. E também para papear e trocar dicas de leitura
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