Sem Corpo, Sem Crime.
Sentada em uma das cadeiras bambas da antiga mesa de jantar, Celeste espalha uma pilha de papéis na superfície de madeira manchada.
— É ele — constata após algum tempo observando os arquivos. Uma foto antiga desliza de um envelope e ela a agarra antes que vá ao encontro do chão. O que vê a acerta como um soco no estômago.
Ali, naquela imagem estática enrugada pelo tempo e clima, sua versão mais nova acena para ela, o sorriso bobo enfeitando o rosto como uma jóia preciosa, iluminando a captura com uma eficácia angelical.
Ao seu lado, também sorrindo, Lola faz sinal de positivo para a câmera. Está vestindo um suéter cinza de gola comprida e o cabelo ruivo, preso desleixadamente em um rabo de cavalo, desliza sobre os ombros como uma cascata.
Há um brilho em seu olhar de âmbar. Uma tenuidade e meiguice que ela costumava conhecer. A vida que exala, mais elétrica que um raio, é uma piada. Uma piada cruel e fria do destino pois, assim como o dia daquela foto, também já se fora.
Lola morreu há exatamente um ano, três meses e cinco dias. De longe, a mulher mais forte e confiante que já conhecera. Sua amiga desde os primórdios do ensino médio, quando ainda tropeçava em saltos-altos e pensava que seu futuro seria ao lado de um ator de Hollywood qualquer.
No laudo da morte constava suicídio, mas ela sabia. Sabia que Lola amava a própria vida tanto quanto uma mãe ama o próprio filho, mas não havia como provar. Ela tentou inúmeras vezes, rodeando sempre o mesmo assunto, o mesmo suspeito.
— Alec? — a lembrança ecoava dentro da própria cabeça. — Está te traindo?
Lola perdia o sono. Manchas negras emolduravam os olhos e os fios brancos em sua cabeça dobravam cada vez mais de quantidade.
— Ele está diferente — desabafa enrolando a própria aliança no dedo. Celeste conhecia aquele sinal. Estava nervosa. — não era o meu batom na boca dele — evoca um riso agudo, mas antes que possa raciocinar, de debulhando em lágrimas.
— Novas jóias apareceram em nossa fatura — Celeste a envolve com um dos braços, um pouco confusa sobre o que deve fazer. — Quero expô-lo, Céu, mas não tenho como provar.
Ela também não sabia. Celeste tentou convencê-la a pedir o divórcio, mas Lola não lhe deu ouvidos. Mesmo sem provas, a reputação de Alec ainda estava em jogo.
Quando recebeu a notícia, foi como se o chão houvesse sido removido de seus pés. Vê-lo derramar aquelas lágrimas de crocodilo no funeral foi ainda mais doloroso.
Dois dias antes, procurou Lola no trabalho, mas ela não estava lá. Nem em lugar nenhum. Alec rapidamente registrou o desaparecimento. Parecia arrasado e, por míseros dois meses, ponderou a hipótese de realmente estar, mas então ela passou em frente a sua casa.
Viu os pneus novos de seu carro e a loira — que mais tarde descobrira se chamar Emily — adentrar em sua casa... na casa de Lola, carregando uma grande mala vermelha. Então teve certeza.
Certeza essa que só aumentou quando pôs as mãos, nos documentos do casamento.
Celeste levanta-se da mesa e arranca as chaves do gancho preso na parede. Seu pai lhe ensinara a pilotar um barco aos quinze anos e, quando partiu, deixou a velha máquina sob sua posse.
Não havia dúvidas, mas também não havia provas. Pensa nisso enquanto dirige pelo conhecido bairro residencial, o rosto de Helen, irmã de Lola, desaparecendo da tela após longos minutos de ligação.
Não demora para que a tenha sob sua posse. Rapidamente está dirigindo novamente; os gritos estrangulados como o zumbido de um inseto irritante. Não deixaria aquilo de lado até o dia em que morresse.
Já havia limpado casas o suficiente para saber como encobrir um crime. Lola sabia disso e talvez a odiasse. Lola estava morta. Morta e enterrada, mas agora Emily também estava.
Se alguém perguntasse, estaria jantando com Helen em sua casa. Ninguém notaria o corpo no lago. Pedras afundam e, sem corpo, sem crime.
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