O quarto estava mergulhado na semiobscuridade, apenas alguns raios do início da manhã penetravam pela fresta das pesadas cortinas. Cedric acordado muito antes do galo cantar, despertando o reino para o novo dia, contemplava Selene adormecida.

Deslizando os dedos pelos fios loiro-platinados, se perdia na beleza do rosto sereno pousado em seu tórax, na respiração cadenciada, os cílios longos descansando, os lábios doces ligeiramente entreabertos, a suavidade de suas feições, quase etéreas na penumbra do quarto.

Por um momento, Cedric se permitiu esquecer os deveres do reino e mergulhar na contemplação silenciosa da mulher que, apesar das circunstâncias, havia encontrado um lugar especial em seu coração.

Havia algo mágico na maneira como ela repousava, como se seu sono tranquilo fosse capaz de dissipar as sombras que por tanto tempo assombraram Eszter e o coração dele.

Na quietude do ambiente, quebrada apenas pelo suave respirar de Selene, a gratidão fluía livremente por Cedric, afastando as sombras do passado que o fazia encará-la como inimiga. As palavras ásperas e atitudes impiedosas que havia dirigido a ela anteriormente pesaram em sua consciência.

— Selene — sussurrou quase como se temesse acordá-la —, mesmo depois de tê-la tratado com desrespeito, você me curou.

Com um suspiro, seus olhos percorreram cada detalhe do rosto de Selene, guardando cada traço em sua memória, perguntando-se como poderia retribuir. Ainda que fosse uma ajuda inconsciente, Selene o curou e restabeleceu suas forças, tinha de agradecer a altura.

Um sentimento de ternura invadiu seu coração, e junto a ele havia uma determinação feroz. Não permitiria que a imagem de rejeição que pairava sobre Selene persistisse no reino. Agradecido e determinado, decidiu que a honraria com o respeito e lealdade de todos em Eszter.

Depositando um beijo suave na testa de Selene, levantou-se com cuidado para não perturbar o sono dela e preparou-se para mais um dia de responsabilidades no reino. Na mente a firme decisão de fazer o povo enxergar Selene com rainha de Eszter.

~*~

A notícia do restabelecimento rápido do rei Corvo reanimou as esperanças do povo de Eszter, mas em Magdala o efeito foi justamente o inverso. O salão real de Magdala era um cenário sombrio, labaredas púrpuras dançavam nas paredes deterioradas a partir do rei sentando no trono fervilhando de raiva.

— Como ousam falhar em uma tarefa tão simples? — rugiu Phelix batendo o cetro com força no chão, a magia presa nas cobras esculpidas escapando, fazendo o chão tremer e rachar com o peso de sua ira.

Mamba, o feiticeiro élfico, permanecia em uma postura respeitosa, mas seus olhos tinham um brilho inquietante. Adotando a figura de loba de pelos esverdeados, Eriz, a demônio da água, estava ao lado do feiticeiro, para o qual tinha passado os últimos acontecimentos. O silêncio pesado pairava sobre os dois, quebrado apenas pela respiração ofegante e impropérios lançados por Phelix.

— O Rei Corvo é um oponente formidável e poderoso, majestade — Mamba indicou com calma. — O drider quase o matou, mas a criatura conectada a ele apareceu e o salvou.

Phelix cerrou os punhos, as unhas afiadas perfurando as palmas das mãos, o sangue escorrendo pelo cetro sem que demonstrasse qualquer sinal de dor.

— Os malditos corvos são um espinho em meu caminho. Deveria ter colocado fogo naquela montanha junto do castelo quando tive a oportunidade. — Levantou-se abruptamente do trono, seus olhos fulminando os subordinados, o cetro descendo furiosamente no piso, a rachadura se estendendo até onde Mamba e Eriz estavam parados. — Quero aquele reino e a Montanha do Corvo sob meu domínio. Exijo que mate os corvos insolentes e me dê o poder que me prometeu, Mamba.

— O farei, Alteza! — Mamba prometeu abaixando o olhar.

— Deixem-me sozinho!

Mamba e Eriz se retiraram com uma reverência respeitosa, deixando Phelix sozinho no decadente salão do trono, as enormes portas de ferro se fechando movidas pela magia do feiticeiro, isolando o rei Phelix e sua fúria.

Caminhando devagar pelo corredor sombrio e vazio, como todo o castelo se tornou após a morte da rainha, Mamba avaliava os próximos passos. Ao seu lado, Eriz tomou a forma de serpente, deslizando até os pés de Mamba, subiu por suas pernas, escalando até repousar nos ombros do feiticeiro.

— O reizinho está impaciente — sibilou zombeteira.

— Para nossa sorte, é um tolo — indicou caminhando com elegância rumo à escada que o levaria a sua cúpula. — Infiltrou nossos olhos e ouvidos no palácio do corvo?

— Fiz como pediu. Foi assim que consegui a informação da rápida recuperação — indicou ajeitando-se nos ombros largos do feiticeiro. — Xiho perfurou até chegar ao centro elementar do rei de Eszter. Infelizmente morreu antes de arrancá-lo.

Mamba parou no corredor, olhando para Eriz com seriedade.

— Consiga que esse informante se aproxime da princesa ou de alguém próximo a ela — pediu subindo devagar pelas escadas, a mente seguindo rumo a sua meta. — Além de descobrir suas fraquezas, precisamos de informações detalhadas sobre Selene. Confirmar se a recuperação rápida do rei foi um ato isolado ou se os poderes curativos de Selene retornaram por completo.

— Farei o que me pede, Mamba.

— Esteja atenta aos sinais de Selene — instruiu, suas palavras seguintes explicando o motivo da preocupação a cerca daquele tema. — Se os dons curativos dela chegarem ao patamar de Myra pode ser tanto uma bênção, se ficar do nosso lado, ou uma maldição se tentar se opuser a mim como a mãe fez.

— Prometo que nada nos escapará — Eriz garantiu, a língua bifurcada serpenteando no ar.

Mamba acariciou a cabeça da serpente com suavidade, fazendo-a suspirar maravilhada pelo carinho.

— Quando tivermos o poder de Eszter, seremos imbatíveis e reinaremos acima desses humanos inúteis — prometeu como fazia em cada oportunidade para manter a fidelidade de Eriz.

Seguiram confiantes para o recanto sombrio em que Mamba usava os poderes captados em seus planos escusos. Os desígnios misteriosos do feiticeiro e a presença sinuosa de Eriz lançavam o caos pelo reino de Magdala inquietantes, infiltrando-se como erva daninha na mente do rei e o levando a cometer crimes perversos em busca de promessas vazias. Mamba jamais daria a Phelix o que desejava para si mesmo. Os únicos obstáculos para o feiticeiro tinha sido Myra e Cedric Darkv. Uma estava morta e o outro em breve seguiria o exemplo.

~*~

Furiosa, Selene desviou dos guardas e entrou esbaforida no salão real.

— Cedric, como pode fazer isso?