Terror de Eszter
Mesmo em suas acomodações, o semblante entristecido de Selene ao insistir em abandonar a fortaleza invadia os pensamentos de Cedric Darkv. Se revirava no leito, os olhos pesados de sono, mas incapazes de cair no mundo dos sonhos.
— Selene... Como a convenço que o lugar dela é aqui? — sussurrou para a escuridão, como se as sombras pudessem oferecer alguma orientação. A resposta, entretanto, permanecia longe de seu alcance. Fez uma careta ao refazer a pergunta em outro contexto. — O lugar dela é mesmo aqui?
O som do vento percorrendo o castelo parecia um coro melancólico, ecoando a agonia silenciosa do Rei Corvo. Ainda que as decisões políticas pairassem sobre ele como uma coroa pesada, era a dualidade de sentimentos que o mantinha acordado.
Enquanto a madrugada avançava, Cedric mergulhava em um mar de possibilidades, cada onda de confusão colidindo com a próxima, sem nunca chegar a um caminho satisfatório.
Ao raiar do dia, exausto e desgastado, ergueu-se do leito. As vestes em preto, vermelho e dourado, cores de Eszter, realçavam a palidez da noite mal dormida, mas havia uma determinação firme queimando como brasas em seus olhos. A noite de insônia não trouxera todas as respostas, mas fortalecera a resolução de Cedric em manter Selene no seu campo de visão.
Seguindo para juntar-se aos cavaleiros da muralha, mesmo com horas passadas da conversa com Selene, ainda digeria a determinação dela em sair de sua proteção. A cada vez que conversavam se surpreendia pela falta de medo dela e das verdades que ela lançava com o delicado queixo erguido com altivez.
Selene tinha postura de rainha, concluiu observando distraído os guardas na muralha.
— Algo errado? — Tristan questionou parando ao lado de sua montaria.
Abaixou o olhar opaco para o melhor amigo, que ficaria no palácio enquanto ele revisava os arredores da muralha. Nos últimos meses Tristan passou a ser responsável pelo segundo turno da muralha, pois de manhã visitava Selene.
— Preciso que leve Aodh para Selene.
Tristan surpreendeu-se, a boca abrindo e fechando por alguns segundos, incerto do que dizer, por fim questionou:
— Tem certeza? A personalidade daquele monstrin... — titubeou diante do olhar atravessado do amigo. Logo se corrigindo: — Do Aodh é terrível, por qual motivo devo leva-lo para Selene?
— Quero mostrar a ela como é a vida de uma esposa Darkv.
Tristan ergueu uma sobrancelha, segurando a vontade de rir.
— Planeja traumatizá-la para que implore pelo desenlace?
— Leve o Aodh quando for visitá-la.
Com essa última ordem, cavalgou em direção aos guardas do primeiro turno. Por mais que Tristan não entendesse seus motivos, e até o criticasse, tinha certeza que arranjou a pessoa certa para levar seu maior aliado até Selene.
~*~
Selene acordou com leves batidas na porta, mas antes que pudesse erguer-se para atender, ela foi aberta por Patry, que entrou com a expressão tensa do dia anterior substituída por curiosidade, os olhos fixos em algo atrás de si ao entrar.
— Majestade, a senhora tem uma visita — a jovem indicou dando passagem para Tristan.
Sorrindo, ajeitou-se sentando na cama, aguardando a passagem do amigo que arrastava um objeto grande e de rodinhas, coberto por uma manta vermelha.
— Bom dia, princesa!
— Bom dia, Tristan! — Selene saudou encarando o objeto com interesse, assim como o fazia Patry. — O que é isso? — Uma suposição a fez adotar uma careta de horror. — Não me diga que é uma pilha de livros de magia?
Tristan riu, deixando o objeto ao lado da janela.
— Creio ser tão terrível quanto, mas não são livros.
Ele foi até ela para ajudá-la a se levantar.
Vendo o cavaleiro ir auxiliar sua senhora, Patry correu para apoia-la do outro lado, temendo que o rei achasse que não cumpria corretamente suas funções.
— Não se preocupem! Estou bem melhor — Selene indicou recusando o auxílio de ambos ao seguir até o enorme objeto.
— Cedric pediu que te trouxesse esse... Hum, a apresentasse ao Aodh — completou após uma hesitação.
Embora Cedric não pudesse ouvi-lo, temia pela segurança de Selene ao expor o que havia abaixo do pano.
— O Terror de Eszter?! — Patry soltou dando passos para longe do objeto.
Tristan segurou o riso diante da reação de pavor da jovem.
Sem entender o pavor na face da empregada, Selene observou Tristan puxar a manta, expondo uma gaiola com uma ave de lustrosas penas negras em seu centro.
— Que lindinho! — murmurou maravilhada, observando os pequenos olhos pretos olhando-a de volta com igual interesse. — O nome dele é Aodh? — questionou para confirmar.
— Sim. Aodh é o corvo real. A família real Darkv é conhecida pela conexão com corvos mágicos. Esse é o de Cedric.
Selene observou a ave com curiosidade e interesse. Aodh inclinava a cabeça de um lado para o outro, o corpinho abaixado, os olhinhos focados nela como se a avaliasse.
Uma recordação de sua mãe brilhou em sua mente.
— Me permite te fazer um carinho, Aodh? — perguntou gentil, como sua mãe dizia ser necessário ao lidar com qualquer ser, de animais até plantas.
— Aodh não gosta de ser tocado — Tristan alertou preocupado com a decepção de Selene, e também com sua segurança se tentasse pegar o diabinho dentro da gaiola.
A terrível ave desceu do bastão, utilizou o bico para abrir a portinhola e, desmentindo Tristan, voou até o ombro de Selene.
— Que gracinha! — Selene soltou rindo, a mão deslizando pela asa do corvo.
Tristan, que um segundo antes estivera pronto para agarrar a ligeira ave antes que causasse uma nova ferida em Selene, observou a cena a sua frente em choque. O medo sumindo ao ver a geniosa ave esfregar o bico na bochecha de Selene como se fosse manso e não merecesse o apelido infame de Terror de Eszter.
Que o monstrinho abrisse a gaiola não era surpresa. Não havia uma tranca e a ave tinha liberdade de sair quando bem entendesse. A surpresa foi Aodh pular para Selene e aceitar seus afagos sem tirar um pedaço da mão dela no processo, como fez com guerreiros com o dobro do tamanho da jovem esposa do Rei Corvo.
O terror de Eszter, que até aquele dia só suportava Cedric, se dobrou a cativante Selene.
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