Sensação calorosa e doce
O cetro acertou seu braço direito com violência e sem aviso. A pedra da lua em suas mãos voou longe, ao mesmo tempo em que um grito de dor e medo saiu de seus lábios, o corpo diminuto colidindo contra o piso frio.
— Criança inútil! Myra deixou-me somente decepção — o Rei Phelix, seu amado pai, bradou descendo novamente o cetro ativado com magia do trovão nas costas dela.
Era a primeira vez que ele a agredia e Selene não entendia o motivo, não compreendia nada do que ocorreu nas últimas horas.
As lembranças estavam confusas. Luzes azuladas e púrpuras se colidindo. Myra, sua mãe, correndo com ela nos braços, murmurando cânticos em desespero. Uma força intensa e agradável unindo-as. Phelix, até aquele dia o bondoso rei de Magdala e seu pai, lançando através de seu cetro todo tipo de magia elemental contra elas. Acompanhando-o na "caça", Mamba sorria largamente enquanto fortificava a magia do rei.
Ao ser encurralada no fim da segunda torre, abraçando a filha com força contra o peito, Myra encarou o marido com súplica.
— Volte a si, Phelix! Ainda temos tempo para reverter essa névoa que deturpa seu coração.
— Você que deve raciocinar, me dar sua magia para transformarmos o mundo em nosso.
Sua mãe se negou e Mamba tomou a frente para captar a força à magia preciosa.
— Sempre te protegerei, minha pequena! — ouviu sua mãe murmurar contra seu cabelo.
Foram às últimas palavras antes de uma luz forte e amarelada cerca-las ao ponto de Selene não conseguir enxergar nada por alguns segundos. Quando a luz sumiu, sua mãe estava morta.
Seu pai, alheio ao fato que chorava desesperadamente pela perda, depois de constatar a morte da rainha, a arrastou até o quarto dela, lhe entregou uma pedra da lua e a mandou invocar magia lunar.
Assustada, com o medo cortando fundo em seu corpo e alma, Selene tentou atender seu pedido, fazer a pedra brilhar como acontecia em suas brincadeiras com a mãe. No entanto, nenhum raio de magia saiu de seu centro elementar, e o cetro a acertou uma, duas, três... milhares de vezes ao longo dos anos seguintes. Cada agressão sendo vigiada e saboreada pelo feiticeiro. Mamba a espreitava como uma cobra prestes a dar o bote, um largo sorriso fixo em seu rosto.
O canto de pássaros e uma fragrância leve preencheu o ar, afastando seu pai e Mamba, transportando-a para perto de uma cachoeira cercada de vegetação, flores e borboletas azuis. Uma voz ao longe a chamou e sussurrou palavras que Selene não entendeu, mas que ainda assim encheram seu coração de felicidade.
~*~
Despertando, Selene piscou os olhos devagar e recordou o sonho mesclado com lembranças, pensando no motivo de tê-lo. Supôs que foi pela conversa com Cedric na noite anterior.
Levou os dedos aos lábios, que ainda carregavam o eco dos beijos trocados. Uma sensação calorosa e doce, semelhante ao que sentiu no fim de seu sonho, a dominou ao lembra-se dos braços de Cedric ao seu redor, da boca tomando a sua, do olhar quente antes dele simplesmente partir sem dizer uma única palavra.
Fechou os olhos e tentou resgatar as sensações. Não do sonho, mas do corpo de Cedric junto ao seu, despertando emoções desconhecidas que mesmo agora, na claridade da manhã, a mantinha cativa.
Inquieta, abriu os olhos e se exigiu controle. Cedric a odiava e o beijo, junto da promessa de protegê-la, foi uma alucinação. Só podia ser. Tinha de despertar para sua realidade, em que só recebia desprezo dentro da fortaleza de Eszter.
~*~
A manhã erguia-se com uma luminosidade suave quando Cedric, ainda perturbado pelos acontecimentos da noite anterior, dirigiu-se à câmara de Ayala, a Feiticeira Dourada, para compartilhar as revelações que descobriu sobre Selene.
— A mãe de Selene e o feiticeiro Mamba eram de um clã de elfos que viviam nas cachoeiras de Magdala. Os únicos sobreviventes de alguma enfermidade misteriosa que matou o restante do clã — revelou batucando os dedos no punho da Estrela da Morte, os olhos fixos em um ponto do lado de fora do castelo. — Sempre escutei que elfos são seres do bem, da luz, mas ela acredita que a maldade do pai é culpa do Mamba.
— Elfos são capazes de fazer o mal como qualquer outro ser. Manipular a mente e a alma de alguém é que requer muito poder, mas não é impossível — Ayala indicou analisando Cedric, que permanecia com o cenho franzido e os olhos voltados para a janela. — É realmente isso que te incomoda? Mesmo com o sol raiando forte, vejo sombras cercando-o — comentou, seus olhos dourados perscrutando o rei.
Cedric esfregou a nuca, os dedos da outra mão se fechando no punho de corvo, evitando ao máximo os olhos da Feiticeira Dourada. Ayala Trever tinha uma intuição aguçada, beirando a leitura da mente. A dele estava uma desordem. Porém, em meio ao caos vertiginoso, se sobressaia à imagem de Selene, sua beleza única, os lábios doces e macios de encontro aos seus.
— Selene tem pavor do Mamba, ao ponto que prefere ser uma aldeã em um reino inimigo a voltar para Magdala — contou para despistar.
Embora essa informação também estivesse no mar de confusão engolfando seus pensamentos, era a lembrança do corpo de Selene junto ao seu, dos fios suaves em seus dedos e do sabor doce dela em sua boca que o atormentava.
— Sendo um elfo e feiticeiro ambicioso, Mamba deve sentir a poderosa magia presa dentro dela e a apavorou ao tentar obtê-lo para si.
— Se ele e Phelix não conseguiram colocar as mãos sujas nesse poder, que chances temos?
— A magia élfica, ainda mais a lunar, é atrelada aos sentimentos de bondade, amor, cumplicidade. Medo jamais a despertaria. Esse foi o erro deles e a provável fonte da ruptura dela com o poder lunar — argumentou, acrescentando para instigá-lo: — A lua, que é a fonte de poder da magia lunar, não tem luz própria, apenas reflete a do Sol. O amor é o Sol para os usuários da magia lunar. Sem Sol, amor, o usuário é incapaz de fornecer luz, poder.
— E voltamos à necessidade de conquistar o coração dela — Cedric comentou distraído.
— Somente assim conseguiremos extrair o poder sem grandes queixas — Ayala retrucou. — Selene só usará o poder contra o pai se te amar — complementou.
Lembrando a defesa de Selene para retirar de Phelix a culpa pelos crimes que cometeu, Cedric não confiava que a esposa, que rejeitou com tanto empenho por meses, o apoiaria contra o pai mesmo se o amasse.
Em silêncio, seus olhos se moveram de volta para o portão da muralha. Mesmo de longe identificava a cabeça que mudou todos os seus planos em relação à Selene, enchendo-o com dilemas cada vez mais complicados de resolver.
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