Se te faz infeliz, não insistirei
Antes de sair para a vistoria da muralha, Cedric atravessou os corredores que levavam as acomodações reais, o passo lento, guiado pelos ecos das lembranças da noite anterior. Ao alcançar a porta de Selene, hesitou por um instante. Segurando o primeiro instinto, o de simplesmente entrar, bateu na porta.
A acompanhante de Selene abriu a porta e o olhou apavorada. Dobrando-se em reverências, ela o deixou entrar antes de partir apressada.
Recostada contras as almofadas, Selene ajeitou-se, observando inquieta Cedric se aproximar.
— Como você está hoje? — ele questionou, sentando na poltrona ao lado da cama. — Estão cuidando adequadamente das suas feridas?
— Estou bem... — respondeu incerta de como agir após o beijo. — As feridas já estão curadas, não se preocupe...
Desconfiando que ela mentia por causa do ocorrido entre eles, Cedric observou-a atentamente, examinando cada detalhe de seu rosto em busca de qualquer sinal de dor ou desconforto.
— Não é necessário que minta — Cedric expressou cruzando os braços.
— Sempre me curei rápido. Esse é o único traço que restou da magia que herdei de minha mãe, a auto cura — contou abaixando o olhar, recordando o quanto o pai odiava que só tivesse esse poder.
— Deixe-me ver.
Mesmo desconfortável com a situação, compreendendo a necessidade dele de certificar-se, Selene não recusou o pedido. Virou as costas e, com um gesto gracioso, desabotoou a camisola, revelando a pele dos ombros, marcada por cortes e contusões da luta durante o ataque, agora sem ferimentos.
Prendeu a respiração ao sentir ele deslizar devagar os dedos por sua clavícula, o toque irradiando um estranho e magnético calor. O beijo compartilhado na noite anterior dominou de imediato a sua mente, fazendo uma revoada dominar seu estômago, a face aquecer e a respiração tornar-se rarefeita.
— Ainda tem rastros, mas realmente as feridas cicatrizaram rápido — Cedric murmurou percorrendo com os dedos os suaves riscos que restaram do local em que as garras afundaram na pele macia.
Esticou as mãos, verificando as feridas, uma a uma, devagar. Sentindo a garganta seca, um desejo ardia dentro de si, uma vontade de deslizar as mãos por cada centímetro do corpo delgado da esposa. Desejava comprovar se a pele dela era tão doce quanto os lábios.
Incomodado com o rumo descontrolado de seus pensamentos e anseios, Cedric ergueu-se, movendo-se até a poltrona novamente. Porém, no lugar de sentar, posicionou-se atrás da poltrona, os dedos angustiados em voltar a sentir a maciez da pele feminina apertados no encosto coberto por uma manta.
— Está é uma prova que deve ter aulas para refinar sua magia — disse para alinhar os pensamentos e o rumo de seus planos em relação à esposa.
— Autocura não necessita de aulas para funcionar — Selene resmungou recolocando as vestes no lugar. — Não tenho aptidão com magia e estou cansada dessas aulas inúteis. Mamba e meu pai me pressionaram até o limite. Nunca funcionou. Tentei seguir os ensinamentos de Ayala, mas simplesmente nada dá certo. — Suspirou, olhando para as palmas abertas. — As aulas só destacam o quanto sou inútil em colocar para fora a magia.
Entendendo a frustração de Selene, manteve o silêncio por um momento, observando-a cabisbaixa e decepcionada consigo mesma.
— Se te faz infeliz, não insistirei.
Um sorriso surgiu nos lábios de Selene, surpreendida pela compreensão de Cedric. Uma mistura de emoções a dominou ao fitar Cedric, desde a surpresa até um calor reconfortante. E outra sensação crescia em seu coração, uma que precisava evitar a qualquer custo para não se machucar com esperanças vazias.
— Cedric... Majestade — corrigiu envergonhada com seu deslize —, quero pedir novamente para viver fora dos muros da fortaleza...
— Já discutimos isso antes, minha resposta sempre será não — ele a cortou convicto. — Seu lugar é ao meu lado.
— Desde que cheguei a Eszter, não passo de uma estranha, uma prisioneira nesta fortaleza. Seu povo me odeia e você me despreza — ela argumentou irritada. — Quero uma chance de ser respeitada e talvez amada, coisas que aqui não conseguirei — Selene falou, buscando nos olhos do Rei Corvo um vislumbre da compreensão de instantes antes.
Cedric franziu o cenho.
— Não precisa buscar aceitação em outros lugares. Pode encontrar tudo o que precisa aqui, ao meu lado.
Selene cruzou os braços, desafiadora.
— Todos na fortaleza, incluindo você, me enxergam como a desprezível filha do inimigo. Não negue.
— Dou-lhe minha palavra de que mudarei essa percepção — retrucou confiante, mesmo que ele mesmo tivesse suas reservas em relação à Selene.
— Mudar a percepção? Majestade, não se muda o que está enraizado na mente das pessoas, especialmente quando meu próprio marido me trata como uma desconhecida.
Cedric recuou como se tivesse sido atingido. E de fato foi. Atingido pela culpa.
~*~
Retornando da vistoria ao redor da fortaleza, Cedric atravessou a escadaria que levava ao topo da muralha, mergulhado na escuridão que só o manto da noite poderia proporcionar. O brilho dos globos de fogo parecia ofuscado pelo peso que carregava em seu peito. Cada passo ecoava como um eco de suas próprias dúvidas, acentuando o desconforto que se instalou em sua mente desde a conversa com Selene.
A imagem da expressão magoada da jovem rainha pelo tratamento recebido desde que ela chegou a Eszter o atormentava.
Precisava encontrar uma maneira de reparar suas falhas naquela união forçada, fazer o povo de Eszter mudar o modo que tratavam Selene, e também parar de agir como se ela fosse à culpada pelas atitudes de Phelix.
A brisa fresca da noite acariciou seu rosto, e Cedric dirigiu-se ao parapeito que cercava as muralhas da fortaleza. Seus olhos contemplaram o reino adormecido abaixo, procurando respostas nas sombras das ruas vazias.
"Como posso fazer com que ela queira ficar?".
Lutando contra o orgulho ferido, tentava vislumbrar uma maneira de conquistar o coração de Selene, de transformar o castelo em um lar. Seus pensamentos percorriam labirintos de estratégias, mas uma pergunta amarga continuava a assombrá-lo: Queria convencer Selene a ficar ao seu lado por causa do poder dentro dela, ou por causa das sensações que o dominava sempre que a tinha por perto?
Um suspiro de frustração escapou de seus lábios. O dilema era complexo e suas inseguranças agravavam a situação. A figura silenciosa do Rei Corvo agora pairava sobre Eszter, não apenas como um monarca, mas como um homem dividido entre dever e desejo.
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