Pequena bruxa
Estreitando o olhar, Cedric fechou a mão em volta da cabeça de corvo incrustada no punho da espada. Um movimento instintivo, comum quando algo ou alguém o perturbava. Nesse caso, estava extremamente zangado com a atitude rebelde de sua pequena esposa.
— Sou seu marido e, acima disso, seu Rei. Assim que estiver melhor retornará as aulas de magia, que serão intensificadas até que domine algum elemento — comandou com dureza.
— Não posso, não quero e nem preciso aprender magia — declarou encarando-o com determinação. — Passei meses em aulas aborrecidas para despertar algo impossível. Meu poder acabou para sempre.
Cedric estreitou o olhar.
— O que quer dizer com acabou? Já teve algum poder? — sondou interessado.
— Tive na infância. Quando minha mãe vivia compartilhávamos o mesmo poder — respondeu, logo argumentando para fazê-lo entender sua motivação em acabar com as torturantes aulas. — Meu pai e o feiticeiro Mamba me davam aulas diárias, forçavam os treinos até minha exaustão, mas simplesmente sumiu.
— Que elemento compartilhavam?
— Não era um elemento... — murmurou desviando o olhar do dele por um instante. — Tínhamos poder lunar...
O observou, esperando ver a mesma sede de poder que consumia os de seu pai ao ambicionar o poder raro, ou o mesmo brilho perverso de Mamba. Mas Cedric não parecia afetado pela descoberta.
— Poder mágico não some sem motivo. Tem que estar em seu centro elementar à espera de um esforço verdadeiro para eclodir — ele comentou, surpreendendo-se com a careta e a bufada alta que ela soltou.
— Pensa que não tentei? — ela retrucou aborrecida. — Nesses meses em Eszter tentei alcançar a expectativa, de que os ensinamentos de Ayala liberasse a magia de meu centro elementar. Mesmo odiando, li todos os manuscritos e repeti a exaustão os exercícios. Nada funcionou.
Assim como acontecia quando seu pai insistia que despertasse a magia, a cada aula só recebia olhares reprovadores da maga de Eszter, como se não estivesse se esforçando o suficiente. O mesmo olhar que recebia agora de Cedric ao acusá-la de não se esforçar. Pelo menos não havia as agressões após cada falha.
— Os aprendizados sobre magia são aborrecidos e inúteis. Não frequentarei mais as aulas no futuro e acabou o assunto — afirmou de queixo erguido.
Bravo com a mostra de desobediência, que foi mais do que Cedric suportaria de uma mulher, ainda mais uma que lhe devia respeito duplo, por, como havia declarado antes, ser o marido e rei dela, moveu-se pela primeira vez desde que chegou a porta do quarto.
Com uma rapidez extraordinária, antes que Selene sequer percebesse as intenções dele e, caso não estivesse impossibilitada de fazê-lo, escapasse, avançou até ela.
Ficando sem ar, tanto pela surpresa, quanto por ter o peso do tórax forte de Cedric pressionando-a contra a cama, Selene o encarou apavorada, incerta do que pretendia. Um enorme alerta brilhou em sua mente, um aviso gritante de que ele se arrependia de salvá-la e agora a mataria.
— Vai fazer o que ordenei, como todos fazem em meu reino. — Encarando-a fixamente, Cedric ameaçou entredentes: — Não me provoque, pequena bruxa.
A aproximação repentina, mas rápida que um piscar de olhos, deixou Selene em choque, os olhos arregalados fixos no rosto a centímetros do seu. Ainda assim a injustiça da situação, a insistência dele em obriga-la a seguir a disciplina inútil e ter coragem de exigir respeito por ser seu marido, a fez se restabelecer rapidamente e ignorar a ameaça.
— Pode me insultar, ameaçar e exigir obediência como desejar, mas nada me convencerá a fazer o que não quero — disse encarando Cedric. — Estou a meses vivendo solitária, sendo desprezada por você e seu povo. Meses andando de cabeça baixa, fingindo-me surda aos insultos a meia voz, fazendo-me de cega aos gestos e olhares ofensivos — contou com os olhos se enchendo de lágrimas.
Estavam tão perto que respiravam o mesmo ar, o hálito dele batendo em seu rosto, as íris negras mescladas com a magia de fogo refletindo nas retinas dela.
— Embora duvidem, tentei reacender a magia no meu centro elementar, para agradar à maga, cativar o reino e ser útil, de forma que seu povo tivesse um mínimo de apreço pela minha pessoa e não cuspissem no chão quando passo — declarou sentindo um bolor crescente na garganta. — Insisti incansavelmente, engoli as intragáveis ervas de despertar, mas fora o gosto amargo e a ânsia, o poder não eclodiu e creio que jamais irá.
Ergueu as mãos dos lados do rosto de Cedric, pela impossibilidade de passa-los pela muralha pressionada contra seu tronco, deixando-as abertas ao relatar embargada:
— Apesar das aulas e da minha persistência essas mãos foram incapazes de emitir magia. O único que elas conseguiram nesses meses como Rainha de Eszter — gritou para que as palavras passassem por sua garganta apertada e dolorida —, foram secar minhas lágrimas de vergonha, humilhação e solidão. — Chateada por ninguém se importar com seus sentimentos, inclusive o homem que alardeava ser seu marido quando convinha, manifestou com amargo pranto: — Estou cansada dessa vida e determinada a não continuar com ela. Então, a menos que me mate, não irei a nenhuma aula de magia. E morta só participarei se Ayala utilizar meu corpo para os experimentos — finalizou afundando todo o corpo no leito, os olhos encarando-o com desafio apesar da visão dificultada pelas lágrimas.
A reação arrebatada e queixosa pegou Cedric, de surpresa, deixando-o sem palavras para revidar. Embora não devesse, uma vez que as acusações lançadas por Selene, de como foi os últimos meses, coincidiam com as de Tristan e do homem que executou naquela manhã.
Óbvio que tinha conhecimento do tratamento do povo para com ela, da rejeição em aceita-la como rainha ou mesmo como parte do reino. Nunca se intrometeu e nem exigiu que a respeitassem por também sentir-se da mesma forma.
Mesmo sido enviada para selar a paz, Selene não passava de uma intrusa em Eszter, filha do maior inimigo do reino, o demônio que sugou a vitalidade mágica de seu povo e dizimou milhares, de velhos a bebês não nascidos. Como respeitá-la e amá-la quando o sangue do inimigo circulava em suas veias?
Em silêncio, por um tempo - segundos que pareceram uma eternidade para Selene -, Cedric, percorreu a face acetinada com o olhar, reparando que mesmo fitando-o com indignação, as íris azuladas pareciam gentis, suaves, enluaradas como a magia que ela achava ter perdido, emitindo naturalmente e sem perceber para curar a si própria e Tristan. Suave também era a boca em forma de coração. Parecia doce, atrativa...
Levantou-se tão abruptamente quanto ao se abaixar sobre Selene, indo embora a passos largos e apressados, deixando-a sozinha e chorando.
Chorava de alívio pela partida dele. Mas também chorava por, mais uma vez, ter alguém a pressionando a fazer o que não queria e nem podia, destacando novamente sua total incapacidade e inutilidade.
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