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Peculiar, carinhosa e íntima

Ao longo da semana Cedric entrou em uma nova rotina.

De manhã, logo após colocar uma armadura simples, no lugar de seguir para a verificação dos arredores da fortaleza, passava pelas acomodações de Selene com a desculpa de ajuda-la com Aodh. Embora ambos parecessem muito bem sem ele.

Depois seguia em suas funções até chegar à noite, quando voltava às acomodações de Selene, para jantarem juntos. Conversavam por horas e Cedric se movia para o próprio quarto relutantemente.

Mesmo sendo oposto ao que pensou, conforme os dias passavam, a melhor parte de sua rotina era quando estava com Selene. Dizia a si mesmo que o motivo era por ser a única parte do dia que podia jogar o tempo fora, sem duras e pesadas conversas sobre esquemas burocráticos.

Selene também se acostumou aos poucos com a presença de Cedric, ficando comovida pela dedicação dele em ajuda-la em sua cura, exigindo que descansasse e não se preocupasse com nada, embora ela estivesse totalmente restabelecida.

A relação dos dois melhorou muito e ela aguardava ansiosa pelas visitas matutinas e, principalmente, as noturnas. Gostava das conversas, dele compartilhar como foi seu dia e perguntar como foi o dela, do cuidado que ele lhe dedicava. A estranheza do início tinha sumido, dando lugar a uma sensação incomum, mas que ela gostava.

Naquela manhã em especial Cedric a encontrou em pé, os braços apoiados na janela com Aodh em seu ombro.

— O que faz em pé? — Cedric questionou aproximando-se preocupado. Para piorar o cenário, ainda tinha Aodh pousado no ombro, remexendo-lhe o cabelo.

— Estava vendo a movimentação — explicou voltando-se com um sorriso. — Sinto falta de caminhar pelas ruas, sentir o perfume das flores e receber o calor do sol em minha pele sem restrições.

— Pensei que odiasse a fortaleza — gracejou ficando ao lado dela. — Sente-se bem para ficar em pé carregando peso? — Cedric, questionou apontando para Aodh, que soltou um grasno alto.

— Primeiro: Não odeio a fortaleza. As pessoas nela é que me odeiam. Segundo: sinto-me muito bem. Terceiro, mas não menos importante: Aodh é um amorzinho levíssimo.

Aodh amorzinho — Aodh soltou com sua voz grossa, acostumado com o apelido dado por Selene.

Cedric soltou uma gargalhada. Todos no reino tinham medo de Aodh, afinal o corvo sabia impor medo quando queria.

— O que foi? — Selene questionou e, mesmo estranhando, rindo contagiada pela risada dele, a primeira que ouvia.

— Nunca imaginei o terror de Eszter ser chamado de amorzinho.

— É que não o conhecem bem. Aodh é o pássaro mais inteligente, carinhoso e perfeitinho do mundo — enumerou sorrindo para a ave.

— Perfeitinho que transformou seu cabelo em um ninho — comentou arrumando os fios em desordem, as mãos deslizando pela face delicada até se sentirem-se satisfeitas com o resultado. — E certamente Inteligente, pois cativou o seu amor — Cedric sussurrou fitando-a com um sorriso.

~*~

Ansioso em visitar Selene, Tristan atravessou o pátio dividindo a área dos quartos comuns das acomodações reais já imaginando o sorriso gentil, os olhos receptivos quando entrasse no grande cômodo que ela ocupava agora. No entanto, assim que chegou perto da porta entreaberta, ouviu a risada feminina mesclada com uma masculina.

Sabendo que do sexo masculino fora ele, somente Cedric, a visitava, aproximou-se devagar e olhou curioso pela brecha da porta.

O casal estava parado em frente à janela e, mesmo com a terrível ave no ombro de Selene, estavam concentrados um no outro, sorrindo e se olhando de uma forma peculiar, carinhosa e íntima.

Tinha pedido a Cedric, que a tratasse melhor, afinal, a considerava uma amiga e esperava que pudesse ter uma vida melhor em Eszter. Mas nada o preparou para ver o melhor amigo rindo. Há anos Cedric abandonou qualquer descontração e até sorrir parecia impossível. Selene operou um verdadeiro milagre, concluiu levando a palma aberta ao coração, emocionado pelo amigo enfim encontrar uma luz de felicidade após longos anos de amargura.

Entrou sem bater, lançando um sorriso travesso para o casal.

— Finalmente, o Rei Corvo e sua bela rainha começaram a se entender, não é mesmo? — Tristan disse, divertido, fazendo uma reverência teatral.

Selene soltou um riso miúdo e envergonhado, aceitando o carinho de Tristan em seu cabelo. Cedric, em silêncio, observou a interação, sentindo uma pontada de irritação. Tristan tratava Selene com uma intimidade que o incomodava, mesmo que fosse apenas brincadeira.

— Tristan, sempre com seus comentários tolos — Cedric resmungou, tentando disfarçar o desconforto.

— Bem, alguém precisa manter o bom humor. — Tristan piscou para Selene. — E você, princesa, ainda está em recuperação. Não deveria ter de lidar com esse monstrinho — comentou apontando para Aodh.

Selene riu novamente.

— Já disse que estou curada. Não tenho mais nenhuma ferida — garantiu sorridente. — E Aodh não é um monstrinho — queixou-se dando um leve tapinha reprovador no braço do amigo.

Cedric manteve-se calado, controlando a irritação que crescia dentro de si. Tristan era leal, jamais duvidaria dele, mas sua intimidade descontraída com Selene começava a incomodar mais do que gostaria de admitir. Seu único contentamento era que Aodh compartilhava seus sentimentos.

Amorzinho, Aodh amorzinho — Aodh grasnou alto agitando as penas, com isso fazendo Tristan se afastar de Selene por precaução.

Movido por uma súbita impulsividade, Cedric agarrou o braço de Tristan.

— Temos assuntos a tratar na muralha — declarou quase como uma bronca.

Puxando o amigo para longe de Selene, o arrastou pelo corredor, afastando-se do quarto de Selene.

Notando o quanto o amigo estava irritado, e surpreso em ser escoltado como um prisioneiro em direção à saída das acomodações reais, Tristan o observou com desconfiança. Um riso eclodiu de seu peito diante de um pensamento inusitado.

— Qual é a graça? — Cedric questionou irritado.

— Tive um pensamento louco de que está enciumado.

— Lógico que não — Cedric negou evitando o olhar do amigo, a expressão fechada.

— Cedric, torço para que dê uma chance ao seu casamento, a Selene — Tristan incentivou com sinceridade. — Ela é uma mulher incrível, e você dois merecem a felicidade.

Não querendo pensar em nada, muito menos em seus sentimentos, Cedric soltou o braço de Tristan e com passos apressados se distanciou rumo à muralha.

Logo esse se tornou a menor de suas preocupações, pois um grupo em cavalos, carruagens e carroças se aproximava velozmente da fortaleza com uma reviravolta que mexeria com seu reinado e casamento.

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