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Ofereço minha única e amada filha, Selene

A pedra da lua reluzia na palma de Selene, um brilho opaco e sem a magia que o Rei Phelix Völun de Magdala, seu pai, exigia. Furioso, ele chutou as costas da jovem com tamanha força que a lançou ao chão. Selene não emitiu nenhum som apesar da dor. Sabia que se gritasse ou mesmo gemesse ele a espancaria.

— Não passa de uma inútil — ele bradou queixando-se: — Não herdou nem mesmo uma fagulha da magia de Myra.

Alto e imponente, seus olhos azuis enevoados lançavam desaprovação e desdém a filha. O longo e liso cabelo loiro caía graciosamente em seus ombros, a aura purpúrea emanando dos fios destacando a natureza sombria de sua magia.

— Selene é uma vergonha para Magdala — Phelix indicou para Mamba, seu maior aliado, parado poucos passos atrás dele.

O poderoso feiticeiro, esguio e astuto, envolto em vestes brancas e azul royal, cores de Magdala, observava Selene com os frios olhos alaranjados carregados do mesmo brilho sombrio do rei.

— Existe magia na princesa. Posso sentir a mesma essência de Myra. — Abaixou-se e apertou as bochechas de Selene, as longas unhas arroxeadas afundando na pele alva. — Fraca, mas está nela. Veja!

Removeu as unhas, os furos imediatamente cicatrizando até sumirem em definitivo, restando apenas o rastro de sangue.

— Autocura não me serve de nada. Se fosse homem, poderia utilizar essa habilidade no campo de batalha contra o Rei Corvo, mas sendo mulher é um poder sem utilidade!

Mantendo-se de cabeça baixa, sem demonstrar a tristeza que preenchia seu coração, Selene fechou os olhos, aguardando um novo golpe, como sempre ocorria após os insultos, mas seu pai se afastou.

— Vamos! Temos que resolver o que fazer com aquele corvo maldito.

Mamba demorou a se levantar, inclinando-se até a jovem para murmurar junto a sua orelha:

— Em algum momento a deliciosa magia que sinto em seu corpo eclodirá e estarei pronto para coletá-la, Selene.

Selene evitou o olhar do feiticeiro, o enojo revirando seu estômago por ser alvo do constante sorriso cruel nos lábios finos e ardilosos do homem que maculou a alma de seu pai.

Ouviu os passos de ambos os homens se afastando e o baque alto e seco da porta, seguido do chiado característico da magia de selamento, trancando-a como faziam diariamente nos últimos treze anos.

Encolhendo-se no piso frio, sem forças para subir na cama do quarto que mais parecia uma prisão, relembrou o tempo em que sua mãe vivia, a alegria que circulava pelos corredores do castelo de Magdala. Antes da chegada de Mamba e da escuridão tomar conta de seu pai.

Mamba causou a morte da rainha Myra e fez o rei e pai bondoso desaparecer por completo, sendo substituído por um demônio sem piedade até mesmo com a única filha, trancando-a na torre mais alta e espancando-a toda vez que não obtinha o que tanto desejava: o poder lunar da falecida esposa, que Selene vibrou em seus primeiros sete anos de vida.

Nos primeiros anos Selene teve esperanças de que o pai amoroso iria retornar, mas agora não ansiava pelo amor paternal. Queria liberdade, se livrar de Mamba, do veneno e maldade opressora do feiticeiro que a sufocava pouco a pouco.

~*~

Cedric Darkv de Eszter, conhecido como Rei Corvo, estava no salão de defesa e estratégia do reino, cercado por homens e mulheres de sua confiança, todos debruçados em mapas e relatórios, ponderando sobre a melhor forma de vencer definitivamente a guerra interminável contra Phelix Volun de Magdala, o Perverso.

Desde o ataque covarde de Phelix em uma noite sem lua, treze anos antes, em que metade de seu povo foi ceifado, incluindo seus pais, Cedric tornou-se o rei e o soldado mais forte e temível contra o Perverso.

Fortificou as ruínas, treinou homens e mulheres a partir dos quinze anos, sua própria idade na época, e lutou na linha de frente com a fúria alada do fogo queimando seus inimigos. O confronto direto de Eszter e Magdala intensificou-se com o passar dos anos, deixando ambos os reinos exauridos. O problema era que o rei inimigo se escondia longe do campo de batalha e exterminá-lo, essencial para a paz de espirito de Cedric, mostrava-se impossível.

Foi nesse clima tenso que Ayala, a Feiticeira Dourada, entrou no recinto.

— Meu Rei, Phelix Volun deseja lhe fazer uma proposta.

A feiticeira moveu os dedos circulados por aros de ouro, os lábios conjurando na língua antiga, atraindo e acumulando gotas de água acima da mesa até criar uma tela líquida.

Cedric observava com ceticismo e desconfiança a superfície líquida se ampliando e no centro Phelix Volun, o Perverso, aparecer sentado em um majestoso trono de Safira.

— Cedric Darkv, Corvo de Eszter — a voz de Phelix ecoou carregada de desdém, o desprezo evidente ao ignorar o título real de Cedric. — Os anos de conflito desgastaram nossos amados reinos, por isso tenho uma proposta que pode pôr fim a essa guerra insensata.

Irritado por Phelix pronunciar tais palavras como se não fosse o responsável pelo sangue derramado no campo de batalha, Cedric apertou os dedos no punho da espada, desejando que o inimigo aparecesse em pessoa a sua frente e não através de artifícios mágicos.

— Fale de uma vez o que quer, Phelix — pronunciou seco, duvidando que sairia algo decente do homem conhecido como Perverso.

Phelix inclinou a cabeça, um sorriso sutil moldando-se em seus lábios finos.

— Proponho uma aliança matrimonial entre Eszter e Magdala. Ofereço minha única e amada filha, Selene, como símbolo de paz e reconciliação entre os reinos.

Cedric ergueu uma sobrancelha, surpreso pela ousadia da oferta. Um casamento para selar a paz entre dois reinos inimigos parecia mais uma jogada astuta, um modo de infiltrar o inimigo dentro de suas muralhas, do que uma oferta sincera.

— Depois de destruir meu reino na calada da noite, anseia uma aliança através de um enlace político? — questionou cáustico. — Zomba da minha inteligência?

Phelix riu, um som frio que reverberou pelo salão.

— Se aceitar, a guerra terminará, e nossos reinos poderão prosperar na paz. Como isso pode ser uma zombaria, Cedric? Chega de tentativas de invadir meu reino, de matar meu povo sofrido e destruir minhas terras — disse com pesar forçado, lançando a culpa da guerra para longe dele, tornando-o a vítima. — Meu povo cansou de morrer por nada, e o seu?

Com essa pergunta capciosa, Phelix encerrou a mensagem.

— O maldito fala como seu eu tivesse começado a matança — rugiu esmurrando a mesa de pedra, a dor no punho sendo nula diante da raiva flamejante.

— O Perverso é ladino, mas a proposta parece um caminho para enfim alcançarmos a paz — Gael, conselheiro de defesa e estratégia, sentado ao lado de Cedric indicou com calma. Não se incomodou por ser alvo de dois olhos carmim de fúria. — O povo anseia por paz, Majestade.

— E a vingança que prometi? O sangue que Phelix derramou covardemente precisa de justiça. Eu preciso de justiça e só com a morte dele a terei — esbravejou.

Sentado a direita do rei, Tristan, melhor amigo e braço direito de Cedric na guerra, colocou a mão no ombro dele.

— Também desejo justiça, mas por quanto tempo o povo aguentará?

Atônito, Cedric analisou Tristan, os olhos negros deslizando pelas feridas de guerra do amigo, profundas fissuras cortando toda pele do lado direito.

Aproveitando-se da calma temporária, a Feiticeira Dourada tomou a palavra.

— A escolha é sua, mas lembre-se de que a verdadeira coragem muitas vezes reside na busca pela paz, não na guerra interminável.

Apertando o punho da espada, Cedric ponderou as palavras dos três conselheiros que ajudavam Eszter a se reerguer. Era cético em relação às intenções de Phelix, e a perspectiva de casar com a filha do inimigo não o agradava. No entanto, seu povo merecia a tentativa. Se fosse uma armadilha mataria o rei e a princesa de Magdala sem misericórdia.

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