Dando por encerrado a reunião estratégica, Cedric permaneceu próximo ao trono, observando os generais se retirarem com expressões insatisfeitas.

A tensão da discussão após a rápida passagem de Selene no local ainda reverberava no ar, estando fixada nos olhos dourados da feiticeira Ayala ao solicitar uma conversa particular com o rei.

— Sua atitude diante dos generais foi potencialmente perigosa — a feiticeira alertou ao ficarem sozinhos. — Ao defender Selene com tanta ferocidade pode gerar hostilidade com os lordes e o povo em um momento em que devemos nos unir.

— Eles estavam desrespeitando Selene — retrucou ciente das implicações de suas ações e traço de arrependimento. — Avisei a toda Eszter inúmeras vezes nos últimos dias que não permitirei que continuem a destratá-la.

Ayala fixou seu olhar penetrante em Cedric.

— Impressiona a sua inesperada lealdade à princesa. O aconselhei a seduzir Selene, não se deixar seduzir.

O rei balançou a cabeça em negativa.

— Não há nada além de gratidão por Selene em meu coração — declarou batucando os dedos na escultura de corvo da espada. — O tempo que passei com a princesa me mostrou que é uma mulher de bom coração, zelosa e gentil — enumerou num tom que fez a feiticeira arquear uma sobrancelha. — Prometi que a protegeria e mudaria a forma que o povo a enxerga. Só cumpro a palavra dada.

Ayala inclinou a cabeça, os olhos dourados como as joias em seus dedos e pescoço estudando-o.

— O centro elementar, nosso coração, é carregado de magia e emoções conflitantes, meu rei — comentou com um sorriso sutil e olhar astuto. — Se deseja proteger Eszter e Selene, precisa confrontar a verdade dentro de você.

Cedric franziu a testa.

— O que quer dizer?

— Selene tem o potencial de proteger ou destruir Eszter. Como Rei é sua função trazê-la para o nosso lado, mantendo-a a distância. — A voz de Ayala era firme, e seus olhos dourados refletiam preocupação. — Por mais gentil e bondosa que seja, Selene não é confiável.

Cedric ponderou por um momento, os dedos batucando no punho da espada.

— Selene só nos ajudará se souber o potencial de seu poder, por isso decidi que contarei sobre ele.

Os olhos de Ayala se estreitaram em desaprovação.

— Está arriscando demais. Selene é filha do Rei Perverso. Não podemos garantir sua lealdade.

Cedric suspirou, consciente dos perigos que envolviam cada passo que estava disposto a dar. Porém, não recuaria a esse respeito. Determinado, se afastou em direção a saída.

— Se não confiar nela, como posso exigir que confie em mim? — disse caminhando para fora do salão real, de encontro a Selene para contar sobre seu dom peculiar e, ao mesmo tempo, cumprir a promessa de protegê-la a qualquer custo.

Observando em silêncio Cedric se afastar, pela primeira vez em quatorze anos Ayala preocupou-se com o futuro do Rei e de Eszter.

"Selene se mostrou um perigo maior que o Rei Perverso. Dominou o centro elementar de Cedric e roubou seu equilíbrio racional".

Andando até a enorme janela do salão real, a feiticeira Dourada desviou a atenção para o horizonte. A fortaleza de Eszter, suas torres e muralhas testemunharam anos de guerra, dor e luta constante. No entanto, os desafios atuais pareciam mais insidiosos.

Inspirou fundo e fechou os olhos, deixando o vento acariciar sua pele e moldar um singelo sorriso. Ela, a poderosa e reconhecida sábia Feiticeira Dourada, subestimou o potencial de perigo de uma pequena magdaliana.

~*~

Tendo tanto a resolver em relação à Selene e o futuro dela em Eszter, Cedric entrou no próprio quarto, se decepcionando ao não encontrá-la aguardando-o no local. Moveu-se para a porta de acesso conectando seus aposentos, adentrando o quarto de Selene sem ser percebido.

Selene estava junto à janela, entretida em uma conversa com Aodh, empoleirado no parapeito. Ela não notou a chegada de Cedric, que aproveitou o momento para apreciar a forma como sua esposa e o terror de Eszter se entendiam.

— Come mais um pedacinho, Amorzinho! Pra ficar forte e bonito — ela dizia oferecendo um petisco a ave.

Não conteve o riso. Anos com o corvo real e nunca o viu aceitar tão facilmente outro humano, menos ainda aceitar ser tratado como um bichinho doce e inocente.

— Cedric! — Selene deu um pulo e se virou, a mão sobre o peito e olhos arregalados. — Como entrou aqui? — questionou olhando confusa para a porta, bem a sua frente, pela qual seria impossível ele passar sem que notasse.

— O palácio é repleto de passagens que muitos desconhecem. — Apontou para a enorme tapeçaria cobrindo a passagem pela qual passou. — Essa liga nossos quartos. — Aproximou-se e deslizou as mãos enluvadas pelos fios loiros. — Sempre que quiser pode utiliza-la.

Sentindo as faces em chama, Selene preferiu não falar sobre isso, mergulhando-o no mar de preocupações que a atormentava desde que ele saiu cedo para as funções do reino.

— Como está se sentindo? Te examinaram antes de sair fazendo reuniões estressantes? A ferida ainda dói? — perguntou preocupada, repousando a mão com ternura no peito dele.

Cedric ergueu os olhos para encontrar os de Selene, um sorriso suave em seus lábios.

Era estranho ter alguém preocupado com seu bem estar, após anos fazendo isso para todos de seu reino. E ele nem necessitava de ajuda há horas, só permaneceu mais algumas horas acamado por segurança, para não atrair curiosos sobre sua rápida melhora. Kinur, o soldado que foi atacado no mesmo dia, mesmo com o tratamento e estando em uma situação melhor que Cedric quando retornaram a fortaleza, permanecia sem conseguir levantar da cama. Pretendia manter o poder de Selene em segredo dos demais por mais algum tempo.

— O chefe da ala médica do palácio me liberou para a rotina normal, e não necessito de grandes cuidados — respondeu colocando a mão sobre a dela, a tempo de impedi-la de afastar seu toque caloroso ao complementar: — Estou bem, graças a você e o seu dom de cura.

— Foi Ayala, a feiticeira Dourada, que o curou — murmurou abaixando o olhar, incomodada por sentir-se inútil.

Cedric acariciou a bochecha dela com o polegar.

— Não, Selene. Foi você. A sua magia que sarou a minha ferida e restabeleceu minhas forças — ele garantiu, aproximando-se com os olhos fixos nos dela. — Você me salvou.